A inversão do papel de educador e de educando, usando as TICs como ferramentas, estão na base do projeto de educomunicação que Alexandre Sayad desenvolve no Colégio Bandeirantes, em São Paulo, há dez anos. O Idade Mídia é um projeto que extrapola a escola, vai bem além do currículo e ruma por novos caminhos para a construção do conhecimento. Para Sayad, jornalista e educador, aliar educação à comunicação tem a ver com a escola recuperar o papel importante que lhe cabe na educação e que, ele observa, vem perdendo espaço na sociedade do conhecimento. Nas linhas abaixo, ele admite que o uso das novidades tecnológicas pelos alunos em sala de aula nunca é uma dificuldade. ”Eles sabem usar tudo, sou eu que aprendo com eles”. Nesta entrevista, ele fala de toda essa experiência, da sua trajetória, do projeto que vem conduzindo e do seu livro “Idade Mídia – A Comunicação reinventada na escola”, lançado neste mês de abril.
Quais os principais pontos da sua formação que o prepararam para abraçar um projeto como o Idade Mídia?
Alexandre Sayad – A minha formação é de jornalista e o meu interesse sempre foi nas questões de direitos humanos e de educação. Quando comecei minha carreira, cobri o tema educação para veículos grandes, sempre procurando dar um olhar diferenciado. Morei um ano fora e conheci uma experiência da BBC relacionada à educação e, quando voltei, conheci o Gilberto Dimenstein que estava montando o [projeto] Aprendiz. Foi então que eu vi que dava para transformar a educação por meio da comunicação e comecei a apostar nessa área que algumas pessoas chamam de “educomunicação”.
Em que consiste o Idade Mídia?
Editora Aleph
Capa da primeira edição, já disponível
Sayad – É um projeto extracurricular que reúne um grupo de estudantes pelo período de um ano para desenvolver um produto de comunicação e de expressão deles. Pode ser revista temática, documentário, revista de variedades…É a mídia que eles quiserem, sobre o assunto que eles quiserem. Então, durante esse ano, conhecem um pouco mais do universo da comunicação, da cultura e da arte, sempre com o norte de que, ao final, criaremos um produto. Há conversas com profissionais e visitas a jornais, rádios, ateliês. Isso tudo apoiado pelo Facebook. Antes era o Orkut e, antes dele, usávamos os blogs. A gente vai publicando conteúdos e, no fim do ano, há um lançamento. O Idade Mídia extrapola a escola e o que tem por baixo disso é inversão do papel de educador e de educando, e as ferramentas para isso são as chamadas TICs.
Por que é tão importante que o estudante possa se expressar e ser coautor?
Sayad – Em 1920, 1930, quando as pessoas tinham menos acesso à escola, eu até entendo que havia a importância de você sentar na sala de aula e ficar o dia inteiro ouvindo os seres mais iluminados. Pouca parte da população lia, havia pouco jornal, a rádio era muito superficial, não existia televisão e, muito menos, internet. Mas hoje vivemos em uma sociedade em que o conhecimento não está só na escola. A informação circula nos meios digitais, nos games, no cinema, na TV, na musica, na internet. Você é produtor de conhecimento o tempo inteiro na vida. Então, a minha pergunta sempre foi: qual o papel da escola? Aquele papel de 1920 já não faz mais sentido. Para mim, o papel da escola é ser um espaço cultural onde o aluno pega aquele arcabouço de conhecimento e constrói coisas, trabalha com projetos e aprende mais, em um processo mais diferenciado que a aula tradicional. Tem a ver com a escola recuperar o papel importante que ela tem na educação. Parece irônico, mas em uma sociedade do conhecimento, a escola perdeu seu papel e tem que adquirir outro.
Como o uso da comunicação na educação impacta a aprendizagem?
Sayad – A comunicação já impacta fora da escola. Uma pessoa produzir e articular o “Churrasco de gente diferenciada” no [bairro de] Higienópolis, no Facebook, fazendo essa leitura crítica do que aconteceu, já é um impacto na aprendizagem. Só que não é um impacto no ensino formal. O que o meu livro tem de legal é que ele trata do impacto na escola. Por exemplo, mapeei no livro qual o legado que produzir comunicação gera para o resto da escola: você vai deixando sementes em outras áreas. Por exemplo: o pessoal que ia para uma viagem na Amazônia para “Estudos do Meio” resolveu criar um blog dessa viagem e postar de lá. Outro caso, em uma simulação das Nações Unidas, uma galera criou um Comitê de Imprensa. O primeiro blog de uma disciplina no Colégio Bandeirantes foi o do Idade Mídia e hoje todas as disciplinas têm blogs. O que o projeto tem de diferente é que ele dissolve e recria o currículo como ele é hoje e cria outro modelo e construção de conhecimento. Nessas condições, colocar o jovem para produzir mídia e se expressar é também estimular a capacidade do cara de realização.
Que efeitos o uso da comunicação teve nos alunos? Houve alguma história, experiência que te marcou?Sayad – Trinta dessas histórias estão contadas no livro e mais umas sessenta estão contadas no blog. Tem a história clássica da pessoa que quer seguir comunicação: se você ligar na TV Cultura tem um programinha chamado “Deu Paula na TV”, com umas esquetes existenciais. Ela começou fazendo isso no Idade Mídia com a criação de um personagem que viralizou no Youtube. Ela entrou em jornalismo, começou a fazer teatro e com vinte anos é contratada na TV Cultura com o programa dela. E tem o outro lado: uma aluna que foi fazer medicina e falou para mim que trabalhar com comunicação foi muito importante para que ela seguisse medicina, pois não existe um médico que não saiba lidar com comunicação. Ela lembrou a reflexão que tivemos sobre o Dráuzio Varella: o que ele tem de diferente dos outros médicos? O domínio dele da comunicação. Em vez de ser um médico de 15 pacientes em um consultório, ele virou um médico de 150 milhões de brasileiros porque soube usar os meios.
Como foi a adaptação do projeto às novidades tecnológicas ao longo desses anos? Quais foram as dificuldades?
Sayad – O Bandeirantes é um colégio de tecnologia de ponta. Mesmo assim, foi muito difícil dizer para um bando de educadores que o Orkut vale. As tecnologias estão lá mas ainda está se explorando suas potencialidades. Um tablet é tão inanimado quanto um lápis. Resistência eu tive para quebrar esses mitos, mostrar que um blog não era um meio para a escola publicar coisas, mas de o aluno falar com a escola, que Facebook e Youtube são muito legais para a aprendizagem. Quanto ao uso dessas novidades pelos alunos, não houve dificuldades: eles sabem usar tudo, sou eu que aprendo com eles.
O que o seu livro traz para os educomunicadores?
Sayad – Não faltam teorias sobre essa intersecção entre educação e comunicação. A formação enquanto graduação ainda é muito frágil, começou a existir formação específica para isso há pouquíssimo tempo. Metade do meu livro são os alunos contando como foi para eles fazer parte do projeto. E tem um blog, que acompanha o livro, com textos e vídeos produzidos pelos alunos. Isso é importante porque foi a vontade do próprio aluno em participar que deu existência ao projeto. O livro já está sendo adotado na UFRJ no curso de Comunicação e no curso de Educomunicação da USP.
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