“Careta” foi uma revista humorística brasileira que circulou de 1908 a 1960, sendo bastante ativa na Era Vargas. Agora, as charges publicadas durante o Estado Novo podem ajudar a retratar pontos importantes do período no trabalho com os alunos do nono ano do ensino fundamental, quando o conteúdo é previsto.
“A Careta era uma revista barata, de longo alcance, produzida no Rio de Janeiro e que contou com a participação de chargistas de renome. Devido à sua vida longa, conseguiu burlar as proibições do Estado Novo em um momento em que outras revistas ilustradas eram censuradas pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)”, explica o mestre em história Eduardo Kamitani.
“A publicação conseguiu fazer críticas aos principais eventos do Estado Novo. Por meio das suas charges, o aluno consegue compreender não apenas cada evento, mas a visão de quem participou dele. Como se a revista fosse uma expectadora daquele momento”, destaca Kamitani.
Charges já abordavam possível golpe
Autor da dissertação “Ensino de história e o governo Vargas (1930-1945): uma análise de charges” (2022), Kamitani explica que, no período, o presidente Getúlio Vargas deixa de ser personagem central retratado na capa da Careta para figurar no miolo.
“É retratado com aparência infantilizada, com seu sorriso característico e, às vezes, transformado em uma espécie de bom velhinho”, descreve.
“Ao lado dele, aparece frequentemente o Zé, que é um personagem que representa o povo”, resume.
Em sua dissertação, o professor aponta algumas charges que podem ser usadas com os estudantes ao ensinar o período. Duas delas já antecediam o golpe de Estado dado por Vargas, justificado por uma “ameaça comunista”
“Em uma charge de 1937, logo no início do Estado Novo, Vargas aparece diante de uma cerca. Do outro lado, há uma floresta boreal de onde desce uma matilha de lobos, representando a União Soviética e a Coluna Prestes, de 1935”, descreve Kamitani.
“Vargas está com uma espingarda, escrito nela Lei de Segurança Nacional, e o Zé questionando se a arma será mesmo necessária”, assinala.
A segunda charge aborda uma corrida de automóveis que remete às eleições de 1937, que nunca ocorreram. Vargas está de pé e há uma pessoa que vai dar a largada, mas o Zé questiona se a corrida vai mesmo acontecer.
“Ou seja, muitas vezes olhamos para o passado achando que não havia consciência do que estava acontecendo, mas era lugar comum que Vargas já pensava em um golpe de Estado usando o comunismo como justificativa”, aponta Kamitani.
Além das charges apontadas pelo professor em sua pesquisa, outras podem ser pesquisadas no acervo digital da revista, que se encontra na Biblioteca Nacional.
Relação com temas da atualidade
Professor do mestrado profissional do ensino de história da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) e orientador da pesquisa, Carlos Edinei de Oliveira diz que é possível fazer um paralelo com os temas trazidos nas charges sobre o Estado Novo e situações do tempo presente.
“Por exemplo, o discurso anticomunismo ainda é resgatado por políticos de extrema direita dos dias de hoje. Outro ponto é que o período Vargas marcou a criação de estatais, e hoje vivemos um processo inverso, de privatizações”, compara.
“É necessário, contudo, diferenciar o discurso anticomunista desses dois tempos históricos”, complementa Kamitani.
“No contexto da Era Vargas, havia a União Soviética, superpotência socialista que financiava partidos comunistas mundo afora, o que fazia o discurso da ‘ameaça comunista’ ser aceito. Hoje, porém, ele não se sustenta, sendo uma pauta mais do campo da moral que da política”, finaliza Kamitani.
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Crédito da imagem: Rodrigo Soldon – Flickr