Mestre em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professor da rede pública de Belo Horizonte (MG), Leandro Soares Assunção Rafael estuda desde 2019 os desafios e possibilidades pedagógicas do recreio.

Em sua pesquisa de campo, identificou alunos descontentes com o tempo de 20 minutos para enfrentar filas e retirar suas refeições, ir ao banheiro e socializar. Também reivindicavam acesso a outras práticas de lazer, como bibliotecas e laboratórios de informática. Além disso, havia uma questão de desigualdade de gênero, com os meninos ocupando as quadras e as meninas permanecendo às margens.

Já do lado da escola, o pesquisador identificou falta de recursos materiais e humanos para acompanhar os alunos e promover outras práticas.

“Recreio não deveria ser um momento para largar os alunos, deixá-los fazerem o que querem ou estar ali para vigiar e punir de acordo com as regras da escola. Quando há recursos materiais, humanos e diversidade de práticas, há potencial pedagógico”, explica.

“Mas é necessário o trabalho pedagógico dentro da perspectiva do lazer e da autonomia do aluno. Não é transformar o recreio em prática curricular dirigida, que ele já vive em sala de aula”, acrescenta.

Para ele, mudanças no recreio a partir dos relatos dos alunos trazem benefícios. “A escola ganha significado e isso previne a evasão escolar”, defende.

Alguns dos resultados da pesquisa de Rafael foram publicados no artigo “Recreio e adolescências: as práticas de lazer na escola” (2023).

O que é o recreio?

Leandro Soares Assunção Rafael: Em termos institucionais, é o tempo reservado à pausa institucional dos conteúdos, com o Ministério da Educação determinando intervalos de 20 e 30 minutos a cada 120 minutos e 180 minutos de aula, respectivamente. No chão da escola, é o tempo em que o aluno pode escolher o que vai fazer, o lugar onde vai ficar, com quem vai conversar, ou seja, é o momento dentro do currículo em que ele tem mais liberdade de escolha.

O que significa dizer que o intervalo é um espaço de trabalho pedagógico?

Rafael: Recreio não deveria ser um momento para largar os alunos, deixá-los fazerem o que querem, ou de estar ali para vigiar e punir de acordo com as regras da escola. Quando há recursos materiais, humanos e diversidade de práticas, há potencial pedagógico. Mas é necessário o trabalho pedagógico dentro da perspectiva do lazer e da construção da autonomia do aluno. A escola permite que ele acesse práticas que fora dela nem sempre poderia. Então, não é transformar em prática curricular dirigida, que ele já vive em sala de aula. Por exemplo, na revisão da literatura, encontrei relatos de escolas que faziam uma reunião com os alunos e eles que ficavam responsáveis por gerir as quadras, os conflitos que surgiam etc., mas com supervisão. Isso seria algo que caminha mais em direção à autonomia.

O que impede o recreio de ser um momento que promova lazer, cultura e socialização, estando vinculado ao projeto político pedagógico da escola?

Rafael: São três: recursos humanos, recursos materiais – incluindo espaços – e organização. Em relação ao espaço limitador, são dezenas de turmas de diferentes idades para duas quadras. Nas escolas da pesquisa de campo, bibliotecas, salas de aula e laboratório ficavam fechados no recreio por falta de pessoal, de receio de bagunça e furto ou entendimento de que os alunos não queriam usar aqueles espaços.

Há uma preocupação legítima da escola com roubo, furto, namoro inadequados entre alunos nesses espaços, já que a integridade física dos alunos é responsabilidade dela. Mas também há um processo a ser construído de o aluno entender sua responsabilidade nesses espaços e a necessidade de seguir regras e combinados.

Em relação aos recursos humanos, por exemplo, a prefeitura de Belo Horizonte entende os 20 minutos de intervalo como momento de planejamento do professor, que não pode estar trabalhando. Com direção e coordenação ocupados, não há alguém para gerir esse momento.

Quais as possibilidades de aprendizagem do recreio?

Rafael: Por exemplo, nos colégios técnicos integrais, que possuem mais recreios e horário de almoço, vemos que os alunos possuem tempo para se organizar em grêmios, discutir um currículo de lazer diverso na escola e para estudar as relações raciais, de gênero etc. A escola ganha significado e isso previne a evasão escolar. Ou seja, com recursos humanos, materiais e ofertando práticas diversas, é possível outras aprendizagens. Vale destacar que os alunos já reivindicam muita coisa, então o primeiro passo é escutá-los. Esse ano, perguntamos na escola em que leciono qual seria a escola dos sonhos, e muitas das respostas eram sobre aumentar o tempo de intervalo, porque eles vêm como um momento de aprendizagem diferente, pela socialização e contato com outros jovens. Na pesquisa, os alunos também reivindicavam mais práticas e materiais, como jogos, wi-fi etc., que nem sempre é possível oferecer por questões financeiras.

Na sua pesquisa de campo, como os alunos viam o recreio?

Rafael: Trouxeram diversidade de compreensão. A primeira coisa é o lanche, e a reivindicação de mais tempo é que eles passam até metade do tempo do intervalo na fila para lanchar. Vem como momento de descanso, para se preparar e ter folego para o resto do período. E como momento de escolha de uma prática de lazer, como jogar futebol, acessar as redes sociais etc. Há aqueles que não viam sentido no recreio e preferiam não o ter e ir para casa mais cedo, provavelmente fazer coisas do seu gosto. Então também vejo isso relacionado ao fato de não encontrarem nele a prática que gostariam.

E a visão dos educadores?

Rafael: Entendimento comum que também é um momento de descanso dos professores, para conversarem sobre assuntos diversos e se organizarem.

Isso é justo e válido, mas também se perdem possibilidades em relação ao recreio, comparado, por exemplo, se houvesse um rodízio de professores para acompanhar esse momento.

Como as dimensões de gênero impactam o recreio?

Rafael: Nas três escolas que estudei, havia uma dominação masculina das quadras. Os meninos querem jogar futebol e o espaço é deles. Havia o fenômeno dos meninos ocupando o centro da quadra e as meninas às margens. As meninas reivindicavam mais espaço e tempo de quadra, principalmente quando havia apoio da direção e dos professores. Reservar momentos e dias para as meninas pode ser uma alternativa, mas há outros complicadores em dividir a quadra do recreio um dia para meninos, outros para meninas. Há hoje uma diversidade sexual nas escolas, de alunos LGBTs. Um aluno gay pode não se sentir confortável em jogar futebol com os meninos e querer jogar queimada, por exemplo; ou um aluno que sabe que é trans – ainda não em transição – vai se sentir mais confortável em estar com as meninas. Ambos podem não expressar isso com medo de serem expostos, ridicularizados, e acabam se abstendo e se excluindo. É preciso escutar a todas essas questões.

Veja mais:

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Como quebrar preconceitos contra mulheres nas aulas de educação física

Crédito da imagem: Fernanda Bonilha – G1

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