É possível que todo o professor e coordenador pedagógico já tenha se deparado com um “aluno-problema” durante a sua trajetória profissional. Apesar da indisciplina ser uma característica que contribui para o estudante receber tal carimbo, há outras questões presentes nesse processo que pode ser visto como a estigmatização desse aluno. A conclusão é do professor Edson Soares Gomes, que estudou o assunto em sua tese de doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Gomes acompanhou orientadores pedagógicos da rede pública de um município da baixada fluminense, chegando a 132 alunos considerados indisciplinados. Desses, contudo, 106 tiveram atribuídos à sua identidade características depreciativas. O nome da cidade e das escolas foram tratados por codinomes no estudo para não expor os participantes.

“‘Alunos-problemas’ são, na verdade, estudantes estigmatizados em função da associação de três fatores: aspectos escolares, como rendimento; familiares, que incluem características socioeconômicas; e comportamentais, como indisciplina e violência”, descreve.

“Em outras palavras, um aluno que pertença a uma família considerada presente na escola e que tenha um rendimento escolar satisfatório, dificilmente será visto como ‘problema’, mesmo sendo indisciplinado ou violento”, compara.

Racismo em jogo

De acordo com o pesquisador, um estigma funciona como uma marca que deprecia a identidade de um estudante.

“É como se todas as suas outras características fossem substituídas por algo visto como negativo. Ou seja, o aluno é reduzido às suas falhas”, resume.

Na escola, os estigmas podem se fazer presente em expressões usadas no dia a dia e na reunião de professores, tais como: “aluno que não quer nada”, “famílias desestruturadas”, “repetentes”, “desinteressados”, “desrespeitosos” e “violentos”.

“Pode parecer sutil, mas ser estigmatizado faz diferença na hora de se tomar decisões na escola sobre o que fazer com estudantes vistos como indisciplinados”, detalha.

Apesar da pesquisa não ter o objetivo de mapear aspectos raciais dos estudantes estigmatizados, o autor conta que a literatura já sinalizou que questões étnico-raciais também podem se fazer presentes na construção do estigma de “problemático”.  “Portanto, é possível sim falar de racismo e preconceito de classe”, acredita.

Desconstruindo estigmas

Quando um “aluno-problema” é identificado, Gomes aconselha uma reflexão sobre a prática docente e o papel da escola visando desconstruir os estigmas associados a ele.

“As melhores práticas são aquelas não meramente disciplinares e ajustadoras, mas que provoquem reflexões e aprendizados”, comenta o autor, que enxerga na orientação educacional uma importante aliada nesse trabalho.

“Ela é voltada ao diálogo, escuta e resgata a história desses estudantes, contextualizando suas ações nas experiências internas e externas à escola. Assim, evita que sejam reduzidos às suas falhas”, contrapõe.

Se o processo de estigmatização não for revertido, a presença do estudante na escola pode se tornar insustentável. “Nessa hora, a transferência emerge como saída possível e fatídica para as trajetórias escolares destas crianças e jovens”, lamenta.

O autor, porém, critica a medida. “Sem uma mudança na prática da escola, outros alunos serão estigmatizados no lugar daqueles expulsos ou transferidos”, alerta.

Para completar, eventuais políticas de premiação e bonificação de escolas por desempenho em avaliações externas podem fazer com que haja menor empenho de gestores e professores em trabalhar para manter o “aluno-problema” em sua escola. “Dentre as instituições estudadas na tese, aquelas com melhores desempenhos e reputação transferiam os alunos que não se adequavam para outras escolas”, revela.

Fazer o possível

O papel da escola, contudo, pode ser limitado diante dos problemas sociais que acompanham o “aluno-problema”. “Muitos dos estudantes estigmatizados na pesquisa tinham trajetórias de vida marcadas por pobreza, negligências e violências. Diante de situações tão difíceis, nem sempre as boas práticas da escola são suficientes para resultados”, pontua o autor.

“Penso que a escola não deve ser responsabilizada por todos os problemas sociais que acompanham esses alunos. Contudo, quando se fecha para eles, as possibilidades de um desfecho trágico se tornam maiores”, conclui.

Veja mais:

Mediação de conflitos é caminho para implantar cultura do diálogo na escola

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