A Lei do Piso (11.738/2008) determina ao professor destinar no mínimo 1/3 da sua jornada de trabalho para atividades extraclasses. Nesse eixo é que entra o chamado Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) ou Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC), para a organização, planejamento e discussão de atividades pedagógicas entre os professores da escola. Além disso, esse momento é entendido como um espaço privilegiado de formação continuada. 

“O HTPC possibilita a troca entre os pares para refletirem, compartilharem experiências, dialogarem e aprimorarem coletivamente a prática pedagógica e o conhecimento profissional já adquiridos. Também é o momento de encontrar os melhores caminhos para a aprendizagem dos estudantes”, resume a mestra em educação pela Universidade de Taubaté (Unitau), Valéria Aparecida de Araujo.

“Por meio da coletividade e por práticas reflexivas podemos tomar decisões eficientes para a melhoraria da comunidade escolar”, completa. 

“É espaço e tempo de formação no qual todos os professores participam do destino da escola”, destaca a pós-doutora em educação e docente na Universidade Católica de Santos (Unisantos), Maria Amélia do Rosário Santoro Franco.

Por que o HTPC surgiu?

O surgimento do conceito do HTPC e sua importância como formação continuada surgiu no contexto de abertura democrática pós-ditadura militar, como explica Franco.

“Foi um momento de repensar a docência e entendê-la como uma atividade complexa. Ou seja, que não há receita para o professor e ele não deve ser tutelado: tem que saber pensar, porque trabalha na imprevisibilidade e na urgência da prática”. 

“Além disso, professor não é somente executor, mas pensador. E a forma como ele pensa a escola tem que ser no coletivo”, completa.

Ainda segundo Franco, a necessidade de uma formação continuada que ocorresse junto da prática também se deu devido às mudanças na forma como a sociedade passou a lidar com a informação, o que transformou o papel da escola e dos professores.

 “Nas gerações anteriores de docentes, a carreira começava e terminava do mesmo jeito, com os professores realizando as mesmas atividades. Isso mudou e exigiu refletir a própria prática constantemente. E essa reflexão deve ser coletiva porque a  reflexão solitária pode referendar erros”, contextualiza a pós-doutora.  

O que cabe (e o que não cabe)  no HTPC?

Disputas políticas, porém, marcam o uso do HTPC nas redes. Segundo Franco, isso pode ser visto na diversidade de nomes que esse espaço de formação passou a receber nas diversas redes municipais e estaduais. 

“Algumas retiraram o termo ‘coletivo’ e ficou apenas HTP, outras chamam de Horário Planejamento (HP)”, exemplifica Franco. 

As mudanças de nomenclatura ainda revelam haver um abismo entre o que o HTPC deveria ser e o que ele é, na prática, para muitas redes. Segundo Araújo, são pontos que cabem no HTPC:

  • propor medidas necessárias ao processo de ensino-aprendizagem;
  • ter momentos de estudos pedagógicos reflexivos entre os pares;
  • troca de experiências na aprendizagem em diferentes momentos de seu ciclo profissional;
  • aprofundar os temas propostos pelos professores no levantamento das necessidades pontuais da equipe;
  • momentos de escuta atenta dos desafios encontrados promovendo um clima de confiança entre todos; e
  • momentos de planejamento de ações do currículo.

Já o que não cabe no HTPC, segundo Araujo, é ele ser encarado como um momento informativo e não formativo. Além disso, deveria ser evitado tudo o que desvie do seu objetivo de ser uma ocasião coletiva. “Eu não sou favorável ao atendimento ao aluno nesse horário, como geralmente acontece”, opina Fraco.

A lista do que não cabe no HTPC inclui:

  • conversas sem objetivo claro ou pauta definida; 
  • excesso de palestras ou monólogos;
  • ignorar a participação dos docentes; e
  • conversas sem registro e acompanhamento.

A seguir as educadoras listam seis dicas que podem deixar o HTPC mais significativo.

1) Ter uma equipe pedagógica ampliada

O HTPC é, geralmente, conduzido pelo coordenador pedagógico. “Entre suas funções está a de ser o formador e mediador de sua equipe docente, buscando articular a teoria com a prática em reuniões semanais”, explica Araújo, que é autora do artigo “Desenvolvimento do HTPC como espaço de formação continuada” (2022).

Porém, Franco defende que as reuniões tenham também a participação de coordenações de área que saibam dos conteúdos curriculares de forma mais ampliada. 

“O coordenador pedagógico está lotado com questões burocráticas e não tem a obrigação de dar conta de tudo. Quando tem formação em pedagogia, como pode aprofundar discussões com os docentes de ciências, linguagens, exatas, etc.? Os coordenadores de áreas ajudariam nesse sentido”, diz.

Franco explica que, em algumas redes municipalizadas, há coordenadores de área lotados nas secretarias que podem ser convidados pelas escolas para as reuniões. 

“Além disso, também deve haver a participação do diretor nesse momento pedagógico, não apenas nas tarefas burocráticas”, acrescenta. 

2) Monte aulas colaborativas

Quando diretora da rede pública de ensino, Franco direcionava o HTPC para apoiar professores que desejavam montar aulas especiais. 

“Eles traziam a proposta e a gente montava a aula juntos. Com isso, ocorria uma troca significativa de práticas. Conseguíamos articular teoria, reflexão, organização, a prática e, depois que a aula ocorria, uma nova análise sobre os resultados”, compartilha.

3) Potencialize a escuta

Segundo Araújo, o ideal é que os momentos formativos partam das reais necessidades indicadas pelos professores a equipe escolar. Isso exige, claro, escuta. 

“Durante minha pesquisa de mestrado, os professores participantes levantaram essa importância do diálogo e escuta atenta das necessidades para que o HTPC realmente cumpra sua função na escola”, relata.

“A escuta tem um potencial de formação grande, pois pode virar um diálogo qualificado. É importante, porém, separar a escuta da queixa da escuta do pedagógico”, indica. 

4) Incentive praticas autorais

Para Franco, reproduzir práticas prontas e externas à escola deve ser evitado. “Quando há inflexibilidade no currículo e os professores têm pouca autonomia, tornam-se reprodutores de práticas em sala de aula e passam a não enxergar sentido no que fazem. Ficam presos em dar tarefas aos alunos quando a educabilidade humana vai além disso”, explica.

“Já quando há práticas autorais, o HTPC é importante para dar mais humanidade e vida à escola”, opina.  

5) HTPC precisa de organização e participação

Silva lembra que é necessário planejamento prévio das ações que serão realizadas no HTPC. 

“Caso contrário ocorre um desleixo administrativo. Já presenciei, por exemplo, diretor ligando a televisão para os professores assistirem e isso contando como HTPC. Ou o horário sendo usado para desvio de funções”, completa Franco. 

“Isso é um veneno porque, quando alguém começa a desrespeitar o HTPC, é reproduzido pelos demais”, alerta.  

6) Encontrar o melhor horário para todos

O indicado é que o HTPC seja realizado no horário de trabalho dos professores, em um período determinado pela instituição de ensino. Na prática, o desafio para o trabalho coletivo são a abundância de docentes da escola em contratos temporários ou efetivos que precisam completar carga horária em outras instituições de ensino. 

“O ideal é que todos os professores pertencessem a mesma escola e que fossem efetivos, já que temporários recebem apenas uma hora-aula para atividades extraclasse”, lamenta Franco.

Por conta disso, algumas escolas disponibilizam três a quatro horários alternativos para o HTPC. “Ou seja, alguns professores conseguem se organizar coletivamente, enquanto outros estarão sozinhos. Isso dificulta o trabalho pedagógico”, aponta Franco. 

Veja mais:

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