Além de melhorar a qualidade do ensino, a gestão democrática envolve professores, equipe pedagógica, pais e alunos em um processo de fortalecimento do papel da escola como formadora de cidadãos críticos e reflexivos. Como aplicar, no entanto, essa gestão no cotidiano escolar? “Crônicas de uma educação possível”, de Bruno Martins, reúne 40 textos com situações concretas vivenciadas em contextos distintos, mostrando que não é preciso, necessariamente, ter condições ideais para se viver uma prática educativa diferente.

Educador com formação em pedagogia e história, e autor de “Oprimidos da Pedagogia: de Paulo Freire à Educação Democrática”, Martins traz, na nova publicação, sua experiência como tutor na escola Lumiar, em São Paulo (SP), assim como “histórias emprestadas” de outros educadores que conheceu em eventos como a Conferência Nacional de Alternativas para uma Nova Educação (Conane) e o Encuentro Nuestra América (ENA), e em espaços como a Rede de Educação Democrática e a Red de Educación Alternativa (Reevo), esta última formada, sobretudo, por educadores latino-americanos.

Tornar essas práticas mais acessíveis é um papel fundamental, defende o autor (crédito: divulgação)

 

Confira abaixo a entrevista com Bruno Martins.

Como surgiu a proposta do livro?

Bruno Martins: Quando a gente fala de uma educação democrática, vejo que as pessoas ficam com dúvida sobre como ela acontece no dia a dia. Uma coisa é falar “tem que sensibilizar o educador para ouvir as crianças”, “tem que engajar na participação”, mas pouco se diz como isso acontece. Então achei importante reunir acontecimentos cotidianos, contar como fizemos em uma determinada mediação de conflito, falar das consequências quando alguém, por exemplo, quebrava alguma regra ou não estava respeitando algo coletivo. Então a ideia do livro é trazer como trabalhar isso dentro do que é possível se fazer, e de acordo com cada idade.

Como você traz a temática do gênero nas crônicas? Poderia contar uma situação prática que você vivenciou?

Martins: É muito importante trabalharmos esse tema desde cedo. Por exemplo, diante de um relato de uma atitude machista de um aluno, o grupo entendeu que faltava informação para o agressor e combinamos que ele pesquisasse sobre a situação de gênero. Teve também uma menina que percebeu que o campeonato de xadrez não tinha nenhuma menina. Ela nem jogava, mas quis participar porque entendeu que aquilo era importante.

E como você traz o papel do educador nesse processo?

Martins: O educador tem o papel de estar junto. Há uma crônica sobre um professor de educação física que comenta sobre a importância de o educador participar das atividades esportivas, pois, na maioria das escolas, essa é a hora do cafezinho dos professores dessa disciplina. Então se estou ali, na função de mediador, cabe a mim observar, chamar a atenção, conversar e, se preciso, trazer a família para dialogar também. E nosso grande desafio é saber não interferir quando a gente não precisa. Às vezes, você vê que eles mesmos conseguem chegar às conclusões, até com ideias mais interessantes sobre como lidar com a situação.

E em relação à formação do professor, o que as crônicas apontam?

Martins: Um ponto que vejo como fundamental é o quanto a gente tem que entender o erro de uma outra forma. Errar é humano. Tem dias que você não está bem. E para lidar com isso, trabalhar em conjunto é muito importante, assim como contar as redes de educação, como a Reevo.

Acho que os estágios também são um problema, pois, muitas vezes, os novatos não são bem recebidos nas escolas. E isso já desestimula a pessoa que está em sua formação. Então, no livro, eu trago um exemplo de como a gente recebeu um estagiário na escola, de como ele pôde participar, e o relato dele no final do estágio.

Martins durante sarau na Escola Lumiar, em São Paulo (crédito: divulgação)

 

Que experiências de outros países latino-americanos você vê nessa proposta de uma outra educação possível?

Martins: Um ponto que vejo muito forte nesses educadores latino-americanos é o olhar político, não no sentido de trazer questões partidárias para a escola, mas de ter um olhar crítico para a sociedade. Outro ponto é que, quando se começou a falar em educação democrática, muitas das experiências que chegavam para nós eram de escolas da Inglaterra, dos Estados Unidos, entre outras. Então uma contribuição importante foi o filme A Educação Proibida, em que pudemos ver instituições que estão indo pelos mesmos caminhos, mas lidando com uma questão social muito mais complexa, como é a da América Latina.

Uma outra educação é possível?

Martins: Sem dúvidas, vejo que essa educação é o caminho. Mas isso não quer dizer que ela seja um caminho reto de conquistas e acertos, muito pelo contrário, e esse é o trunfo. A partir do momento em que temos a possibilidade de mudar as coisas, temos a chance de olhar para o que a gente chama de “erros” de uma outra maneira. Então, como é que esse coletivo pode lidar com as questões de uma maneira diferente?

O nome “possível” no título vem da ideia de tentar mostrar experiências reais para pessoas em contextos diferentes – de escola da periferia, particular, rural, urbana. A gente não precisa, necessariamente, ter condições ideais para viver uma prática educativa diferente. E também é ser capaz de admitir as dificuldades no processo. Espero que o livro inspire que outras pessoas relatem situações do seu cotidiano, porque tornar essas práticas mais acessíveis é um papel muito importante.

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Wagner Teixeira
Wagner Teixeira
5 anos atrás

Incrível as coincidências entre mim e o autor. Ambos tivemos formação em Pedagogia e História, e acreditamos numa experiência pedagógica “possível”, mesmo em condições muito longe do ideal. Claro que as coincidências param por aqui, afinal eu já estou perto de me aposentar e o Martins ainda é um “garoto”… rsrsrs. Minha primeira experiência como docente foi na Maré (RJ), verdadeira dureza. Mas já me afastei de lá e hoje sou pedagogo de uma escola de Ed. Infantil em Sta. Rosa, Niterói. Entre uma e outra existe muita história, mas fica pra outra oportunidade. Parabéns Martins

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