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Uma pesquisa realizada no mestrado em estudos da linguagem da Universidade Estadual de Ponta Grossa discute a importância da leitura das imagens que constituem os livros didáticos de história. A análise levou em conta o livro da coleção “História.doc”, do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD-2017), e foi realizada com estudantes de uma escola estadual da cidade de Ponta Grossa, no Paraná.

“Percebi a necessidade de aprofundar meus estudos sobre o livro didático quando solicitei que [os alunos] me trouxessem, durante uma aula de história numa turma de 8º ano, imagens de pessoas negras que marcaram a história do Brasil. E foi grande a minha surpresa quando, no outro dia, eles apresentaram, majoritariamente, imagens de pessoas escravizadas, com predomínio de cenas de castigo”, afirma a professora de história Paola Clarinda, autora da pesquisa que teve orientação da educadora antirracista Aparecida de Jesus Ferreira.

Representação nos livros

As imagens do livro avaliado caracterizam a identidade negra como subalterna em relação à branca e associada a aspectos negativos, como escravização e pobreza. Já a identidade racial branca é apresentada de maneira positiva, associada à nobreza, posições sociais de prestígio e riqueza, e na condição de liderança sobre as pessoas negras. “[Os estudantes] querem mais imagens que positivem: um professor negro, um médico negro para que eles tenham orgulho do seu pertencimento racial”, pontua a professora.

Clarinda acrescenta que, enquanto as editoras não fizerem a devida revisão neste tipo de construção das imagens, educadores devem trabalhar a visão crítica dos alnos diante do livro. “Se a gente tiver embasamento pode problematizar um material que não está adequado e transformá-lo em um instrumento que venha a ser positivo para a desconstrução do racismo. A formação e o estudo dos professores seria uma estratégia de desarticulação desses discursos racistas”, conclui.

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Transcrição do Áudio

Música: Introdução de “O Futuro que me alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Paola Clarinda:
Percebi a necessidade de aprofundar meus estudos sobre o livro didático quando solicitei que eles me trouxessem, durante uma aula de história numa turma de 8º ano, imagens de pessoas negras que marcaram a história do Brasil. E foi grande a minha surpresa quando, no outro dia, eles apresentaram, majoritariamente, imagens de pessoas escravizadas, com predomínio de cenas de castigo. Dali em diante eu percebi a minha responsabilidade como professora, e que eu teria que fazer alguma coisa para tentar interferir naquela realidade negativa, né, da construção da identidade racial negra. Foi a partir desse dia e dessa tarefa que eu compreendi que as construções ideológicas do livro didático poderiam ter consequências irreversíveis na vida dos estudantes.
Meu nome é Paola Clarinda, professora de história pelo Estado do Paraná e eu me formei em jornalismo, também, e acabei indo pro mestrado em estudos da linguagem, por ser uma área mais interdisciplinar.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Qual a importância da leitura das imagens que constituem os livros didáticos de história? O que a forma como negras e negros representados nesses materiais têm a ver com a construção das identidades de raça? Para responder essas perguntas, a professora Paola Clarinda analisou as imagens do livro didático “História.doc” com estudantes do 8º ano de uma escola estadual da cidade de Ponta Grossa, no Paraná.

Paola Clarinda:
A recepção por parte dos estudantes é de que os negros são apresentados pelo livro didático de história de maneira subalterna em relação à identidade racial branca; nas figuras que remetem à escravização é muito comum os brancos estarem com o chicote na mão; outra característica observada na minha pesquisa foi a associação da identidade racial negra a aspectos negativos, ao estereótipo de escravização e pobreza.
A identidade branca sempre apresentada de maneira positiva, associada à nobreza, posições sociais de prestígio, de riqueza, na condição de liderança sobre as pessoas negras. As imagens, né, dos livros didáticos mostram as pessoas brancas mais felizes, com roupas melhores, em posições de líderes sempre, né? Muitas vezes há uma comparação, na sala de aula, com as imagens do livro didático.

Música: “Alma Negra” (Yzalú)
Pura e verdadeira
Luta guerrilheira, classe tão sofrida
Discriminação

Paola Clarinda:
Eu tenho alguns relatos que foram recorrentes entre esses alunos negros: ‘falam do meu cabelo, que eu era pobre, que eu era preta’. E daí eles dizem que quando eram crianças geralmente eles não ligavam, mas que à medida que eles vão crescendo, eles vão ficando tristes. Chega em casa, chora, ou vai pro banheiro na escola, chora.

Música: “Alma Negra” (Yzalú)
Foi eu que cresci e ouvi
Que o preto não tem vez
Que o preto não tem vez
Que o preto não tem vez

Paola Clarinda:
Daí os outros até perguntavam ‘mas, por que vocês não denunciam?’. Alguns dizem que não adianta, que muitas vezes denunciaram e que não foi feito nada. Só dizem que tem que relevar, que ninguém tomou uma atitude, né? Poucos relatos mostram que os pais fizeram boletim de ocorrência por racismo. Daí eles relatam lá que são chamados de asfalto, piche também é uma coisa que ofende muito, que eles estão voltando da escola, do nada alguém grita ‘Ô, gorila!’.
É uma coisa que machuca, que não cansa de machucar, porque eles têm que conviver, têm que enfrentar; não é fácil pra eles lidar com esse tipo de situação.

Marcelo Abud:
A pesquisa busca analisar como essa representação negra no livro didático de história repercute na fala de estudantes.

Paola Clarinda:
Eles comentam nos relatos: ‘exemplo de uma pessoa que prejudicou a sociedade, aí aparecem as pessoas negras’; pandemias, epidemias, quando tem alguém contaminado com a peste negra lá, que a pessoa está jogada no chão, quase morrendo, é um negro que está representado. Então eles dizem ‘por que não colocam um branco todo cheio de bolhas, por que tem de ser no negro?’. Um aluno falou assim: ‘Eu nunca vi Jesus representado negro’. Outro aluno falou: ‘esses dias eu vi até a imagem de um negro com uniforme de presidente num livro de história’ e isso lhe causou, né, muito orgulho. É esse pertencimento que eles querem se ver. Não só nisso, mas eles querem dissociar essa imagem apenas do negro sendo chicoteado, sendo castigado. Eles querem mais imagens que positivem: um professor negro, um médico negro para que eles tenham orgulho do seu pertencimento racial.

Música: “O Erê” (Bernardo Vilhena / Da Gama / Toni Garrido), com Cidade Negra
Pra entender o erê
Tem que tá moleque
Uh! Erê, êê
Tem que conquistar alguém
Que a consciência leve

Paola Clarinda:
As construções desse livro que eu analisei denunciam a necessidade de uma adequação do material didático escolar. No entorno como um todo, né, quando a gente pensa em fazer um cartaz e pendurar numa parede, não existe uma preocupação nessa representação de identidade. Porque os alunos negros querem se ver representados, eles não querem olhar no entorno escolar, no cartaz da divulgação do vestibular na UPG, por exemplo, e verem só pessoas brancas, né? Eles querem se ver ali, como integrantes dessa sociedade.

Música: “O Erê” (Bernardo Vilhena / Da Gama / Toni Garrido), com Cidade Negra
Pare e pense no que já se viu
Pense e sinta o que já se fez
O mundo visto de uma janela
Pelos olhos de uma criança

Marcelo Abud:
Para Clarinda, o ideal é que as editoras revisem a representação de pessoas negras em livros didáticos de história. Mas, enquanto isso não acontece de fato, o que professoras e professores podem fazer?

Paola Clarinda:
Se a gente tiver embasamento, pode problematizar um material que não está adequado, mas transformá-lo em um instrumento que venha a ser positivo pra desconstrução do racismo. A formação e o estudo dos professores seria uma estratégia de desarticulação desses discursos racistas; desconstruir mesmo essa narrativa que, para os alunos, é recebida de uma forma negativa.
Muitas vezes os alunos eles querem conhecer mais sobre as manifestações artísticas, os costumes, a religião dos povos africanos. E aí a gente vem até a desconstruir um pouco do preconceito religioso, né, que a nossa sociedade está tão impregnada, por falta de conhecimento.
O racismo no Brasil ele existe, né? Os dados nos mostram isso. O abandono, a evasão escolar de alunos negros é muito superior ao de alunos brancos e a gente deveria ter um pouco mais de noção desses dados, tentar agir de uma maneira mais crítica mesmo para, nesse nosso papel de educador, tentar reverter um pouco esse número, porque é muito injusto.

Música: “Aos olhos de uma criança” (Emicida / Renam Saman), com Emicida
Miséria soa como pilhéria
Pra quem tem a barriga cheia, piada séria
Fadiga pra nóis, pra eles férias
Morre a esperança
E tudo isso aos olhos de uma criança

Paola Clarinda:
No que me dizia respeito na época que eu comecei a estudar, eu fiquei muito chocada com tudo que eu descobri. Embora a gente esteja ali todos os dias com o livro didático, muitas vezes a gente não para pra analisar que tem muito mais imagem de gente branca do que de gente negra. E aí você vê essa diferença e o aluno negro, sente. A gente enquanto educador não tem ideia do que eles vivem dentro do banheiro, na educação física quando o professor não está olhando, na hora do recreio, na fila do lanche e mesmo na sala, né, porque o aluno não vai ser racista com o colega na frente do professor, mas eles têm as formas deles de agir meio que nos bastidores para que tentem não ser punidos, mas que os alunos negros sentem muito no contexto escolar. E eu como professora comecei a estudar, mas a coisa é muito pior do que eu imaginei que fosse, né?

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Ao analisar as imagens do livro didático “História.doc”, a professora percebeu que a pessoa branca é apresentada como majoritária numericamente e associada à nobreza, posições socais de destaque e na condição de liderança sobre as pessoas negras. Trabalhar um olhar crítico em relação a essas imagens é uma forma de fazer com que estudantes percebam o problema para não reproduzirem o preconceito.
Marcelo Abud para o podcast de Educação do Instituto Claro.

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