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Autora do livro “Letramento racial crítico através de narrativas autobiográficas: com atividades reflexivas”, a professora do curso de letras da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) Aparecida de Jesus Ferreira é especialista em formação de professores e ressalta a importância de preparar os docentes para uma educação antirracista.

“De que forma eu vou educar uma criança que eu tenho contato, um adolescente ou um adulto para que não faça as mesmas coisas que aquelas narrativas demonstram, porque elas causam dor e fazem com que as pessoas não se sintam acolhidas”, explica a pesquisadora sobre o propósito de sua obra.

educação antirrascista
Aparecida de Jesus Ferreira durante palestra de lançamento do livro “As bonecas negras de Lara”, em 2019 (crédito: divulgação/ Méris Nelita Fauth

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Na prática

O livro traz centenas de atividades com o objetivo de promover uma visão crítica sobre o racismo na sociedade. Para este podcast, Ferreira selecionou três delas, que podem ser utilizadas por docentes como conteúdos de educação antirracista. As sugestões envolvem, além do uso de narrativas autobiográficas, uma análise da literatura e do material didático adotado com estudantes.

“Daí você traz também conceitos como o mito da democracia racial (…);o que é racismo estrutural. E a gente pode ver isso, de forma bem evidente, nas narrativas. Essas reflexões dão várias possibilidades não só de nós nos entendermos, mas de entendermos outras pessoas também e, inclusive, pensar ações”, conclui.

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Transcrição do Áudio

Música: “Eletrosamba”, de Quincas Moreira, fica de fundo
Aparecida de Jesus Ferreira:
Nós moramos em uma sociedade que a pessoa branca é tida como norma, por exemplo, nos materiais didáticos, no que é passado na televisão, nos desenhos… Isso muito cedo é entendido que a estética daquela criança que é negra não é uma estética que é privilegiada. Como ela não é uma estética que é privilegiada, ocorrem várias experiências que estão ligadas a isso na sua vivência da escola.
Oi, eu sou a professora Aparecida de Jesus Ferreira, da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Trabalho no curso de letras na graduação e na pós-graduação, com formação de professores, com as questões de raça, interseccionada com gênero e classe social.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Aparecida de Jesus Ferreira é autora do livro “Letramento Racial Crítico através de Narrativas autobiográficas”. Nessa obra e em toda a atuação dela como pesquisadora, a professora analisa e propõe sugestões de atividades de educação e formação docente antirracistas.

Aparecida de Jesus Ferreira:
Esse livro tem o propósito de fazer isso que o próprio título diz: fazer com que as pessoas fiquem letradas sobre as questões raciais no contexto brasileiro. E no momento que a gente lê uma narrativa, a gente consegue ter empatia, se identificar com as experiências que as outras pessoas tiveram. As narrativas, elas dão uma dimensão de ações, né? Então, a partir do que eu li nas narrativas, ‘o que eu não vou fazer na minha vida?’; de que forma que eu vou educar uma criança que eu tenho contato, um adolescente ou um adulto, pra que não faça as mesmas coisas que aquelas narrativas demonstram?’. Porque elas causam dor, elas fazem com que as pessoas não se sintam acolhidas e não se sintam bem-vindas.

Marcelo Abud:
Neste podcast, Aparecida de Jesus Ferreira traz três atividades que estão entre as centenas do livro. A primeira delas é justamente o letramento racial crítico através de narrativas autobiográficas

Aparecida de Jesus Ferreira:
A gente só passa a se considerar letrado e entender, a partir do momento que a gente mergulha também nessa experiência e tenta entender a experiência das pessoas. Porque daí você traz também conceitos como o mito da democracia racial, o que que é racismo, o que é racismo estrutural… E a gente pode ver isso de forma bem evidente nas narrativas. Porque daí você vai fazendo recortes daquelas falas e vai identificando como é que ocorre, e a gente tem a possibilidade daí de um pouco que teorizar essas experiências, a partir da sociologia, a partir da antropologia, pensando a questão da linguagem, da análise do discurso. Essas reflexões elas dão várias possibilidades, não só de nós nos entendermos, mas entender as outras pessoas também e, inclusive, pensar ações: como é que nós podemos ter uma sociedade mais equitativa?

Música: “Não Precisa ser Amélia” (Bia Ferreira)
A caneta, a folha, o lápis
Agora que eu comecei a escrever
Que eu nunca me cale
O jogo só vale quando todas as partes puderem jogar
Sou Frida, sou preta, essa é minha treta
Me deram um palco e eu vou cantar

Aparecida de Jesus Ferreira:
Se temos 56% da população que é negra, esses 56% da população precisa estar represetados em todas as categorias. Nós temos o mesmo contingente de médicos, engenheiros, advogados, dentistas brancos, que nós temos com a população que é negra, que é 56% da população brasileira? Quando nós vamos ver, por exemplo, os postos utilizados dentro das universidades: temos uma mesma quantidade de professoras e professores negros e negras? Então essas são questões importantes que nós precisamos refletir pra que a gente consiga atingir a esse nível de ter uma sociedade equitativa. Que as pessoas negras, e as pessoas indígenas, e as pessoas asiáticas – dentro das suas percentagens, que está dentro da representação do Brasil, – que elas possam se ver representadas em todos os lugares sociais.

Marcelo Abud:
Além das narrativas, a pesquisadora apresenta como segunda atividade para uma educação antirracista o contato com obras literárias que representem a diversidade da população brasileira.

Aparecida de Jesus Ferreira:
Essa literatura infantil, juvenil e adulta, precisa ter dentro da escola pra que elas possam ver pessoas iguais a elas e as pessoas brancas que forem pegar os materiais, percebam, também, que há uma diversidade dentro do Brasil, e que essa diversidade precisa estar presente em todos os lugares. E isso qualquer professor, de qualquer disciplina, pode adotar e pode utilizar como uma forma de, inclusive, expandir a visão crítica e reflexiva. Todas e todos somos responsáveis por essa educação crítica.

Marcelo Abud:
A terceira atividade é a reflexão sobre o material didático adotado.

Aparecida de Jesus Ferreira:
É pensar um pouco em um artefato cultural que é utilizado desde o primeiro ano que a gente entra na escola, que é o livro didático. E daí fazer atividades com as pessoas que são estudantes, que observem: quem são as pessoas que estão representadas dentro daqueles livros didáticos? Como é que elas são representadas? Se são pessoas brancas que têm uma predominância, então há uma predominância eurocêntrica; se falta representação de pessoas – de acordo com o IBGE, que são as pessoas pretas e pardas, nessa categoria social de pessoas negras – então, como é que as pessoas negras são representeadas? Como é que essas pessoas asiáticas, como é que as pessoas indígenas são representadas? Então essa é uma atividade que pode ser feita por qualquer professor, porque todos os professores utilizam livros didáticos, e pedir pra que os alunos façam uma contagem…

Música: “Fotografia 3×4” (Belchior), com Ana Cañas
A minha história é talvez
Igual a tua, jovem que desceu do Norte
Que no sul viveu na rua

Eu sou como você
Que me ouve agora

Aparecida de Jesus Ferreira:
Vamos contar como é que essas identidades sociais são representadas: como é que elas aparecem fazendo atividades intectualizadas e atividades profissionais?; fazendo atividades em família; como é que elas aparecem fazendo atividades de lazer e atividades esportivas? Então é uma ótima forma de pensarem um letramento racial, mas com ações antirracistas. De eles falarem, então, o que que poderia ser feito pra solucionar aquelas lacunas que não estão sendo representadas dentro daqueles livros. As pessoas que tiverem contato com essa prática farão uma análise, no momento que elas tiverem assistindo uma televisão, elas vão perceber ‘mas e cadê a representação das pessoas negras, das pessoas indígenas, das pessoas amarelas (que são as pessoas asiáticas), as pessoas brancas, como é que elas estão sendo representadas?’.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo
Marcelo Abud:
Aparecida de Jesus Ferreira ressalta que professoras e professores só têm como propor atividades de educação antirracista com suas turmas de estudantes se isso for pensado desde a formação desses docentes.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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