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Dois de julho marca um dos capítulos mais importantes da luta contra o domínio de Portugal sobre o Brasil. A data é lembrada pela expulsão dos colonizadores que se mantinham em Salvador, ocorrida de fevereiro de 1822 a julho de 1823. Por isso, tradicionalmente, festas populares em diferentes regiões do estado comemoram o Dia da Independência da Bahia. 

Segundo o professor de história da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), Sérgio Guerra Filho, o mais correto é chamar de Independência do Brasil na Bahia. “Primeiro, a Bahia não ficou independente, não formou um estado autônomo a partir da guerra. Segundo, […] desde os primeiros momentos dessa guerra, as autoridades dessa Bahia que se rebelou contra a presença portuguesa na capital — que chamamos hoje de Salvador — já se articulou com D. Pedro, com o Rio de Janeiro, com outras províncias, para constituir a unidade territorial da América portuguesa”, elucida.

No áudio, ele conta detalhes dos conflitos e como essas lutas entre dois grupos políticos, durante mais de um ano, resultaram na vitória dos defensores da independência. 

“No começo de julho, é organizada uma retirada de grande escala: todo o exército português evadiu em embarcações, mas também muitos civis — portugueses e suas famílias. Portanto, essa retirada militar no dia dois de julho, de Salvador, tem uma grande proporção: acabou com a libertação da cidade, que poderá voltar a ser a capital da Província da Bahia, província essa plenamente integrada ao Império do Brasil a partir daí”.

Guerra Filho defende que a data deve ter uma dimensão para além do seu aspecto regional. “É possível que essa guerra tenha definido a integridade do território da América portuguesa como um império do Brasil, coisa que não aconteceu em outras independências”, afirma. Para ele, estudar esse e outros conflitos que acontecem após o episódio que ficou registrado como “Grito da Independência”, em sete de setembro de 1822, é importante para que se entenda que a independência não foi um ato pacífico e só se efetivou algum tempo depois.  

Independência da Bahia
“O primeiro passo para a Independência da Bahia”, de Antônio Parreiras, (crédito: domínio público).

Participação popular

Sérgio Guerra Filho ressalta como foi fundamental a participação intensa da população comum. Para ele, sem o envolvimento de populares, o dois de julho não seria possível. “Há registros de que inclusive escravizados fugiram para se inscrever (no exército) e supostamente ganhar sua liberdade; libertos, pobres livres, mulheres como Maria Felipa e Maria Quitéria, pessoas das classes populares que lutaram nessa guerra”. 

Apesar da grande participação popular, o professor relata que, ao fim da guerra no solo baiano, o país permanece escravocrata e mantém os privilégios aos grandes proprietários e aos oficiais que lideraram o movimento. No entanto, destaca o fato de festas populares que marcam o feriado na região valorizarem figuras do povo. “Hoje você tem grandes festas — a principal delas é em Salvador, mas não é a única — onde se desfila com caboclos e caboclas, imagens reverenciadas, que representam a participação popular e a vitória desse povo contra a tirania. Ali tem uma lição de que a gente só conquista direitos, liberdades e avanços sociais com a mobilização e com a luta”, conclui.

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Transcrição do Áudio

Música: Versão instrumental de “Um não”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Sérgio Guerra Filho:

O dois de julho de alguma forma ganhou aí uma dimensão significativa para sair dessa expressão de regionalidade, que ela não cabe só nisso, tendo em vista que é possível que essa guerra tenha definido a integridade do território da América portuguesa como um império do Brasil, coisa que não aconteceu em outras independências.

Eu creio que é bem importante que a gente se aproprie dessas batalhas que ocorreram, para gente sair um pouco desta ideia de que a independência foi um ato pacífico que nasceu de um grito de um monarca, que, inclusive era herdeiro do trono da antiga metrópole, né?

Essa independência do Brasil, na Bahia, foi construída a muitas mãos, inclusive com derramamento de sangue. 

Eu sou Sérgio Guerra Filho, professor de história da UFRB, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e pesquiso a independência já há alguns anos. E no meu doutorado, eu puxei um fio dessa guerra para tentar entender os conflitos políticos no Primeiro Reinado, aqui na Bahia. 

Vinheta: Instituto Claro — Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Há 200 anos, no início de julho de 1823, o exército de Portugal deixa em definitivo a província da Bahia. A data celebra a vitória dos brasileiros na guerra travada contra as tropas portuguesas e é um passo importante para a consolidação da definitiva independência do Brasil. Feriado regional, o dois de julho é conhecido popularmente como ‘Independência da Bahia’.

Sérgio Guerra Filho:

Se chama independência da Bahia por uma síntese, mas o mais correto é chamar ‘Independência do Brasil na Bahia’. Primeiro, a Bahia não ficou independente, não formou um estado autônomo a partir da guerra e, segundo, porque essa guerra foi travada, de alguma forma, em nome do Império brasileiro. Na verdade, quando a guerra começa, não havia ainda Império do Brasil — começou em junho de 1822. Mas, desde os primeiros momentos dessa guerra, as autoridades dessa Bahia que se rebelou contra a presença portuguesa na capital da cidade da Bahia, que chamamos hoje de Salvador, já se articulou com D. Pedro, com o Rio de Janeiro, com outras províncias, para constituir a unidade territorial da América portuguesa. 

E, também, pelo fato de que lutaram na Bahia não só os baianos, mas também, tropas vindas de outras províncias a partir da articulação que o próprio D. Pedro fez, então: tropas do Rio de Janeiro, mas também de Pernambuco, de Alagoas, de outras províncias do norte. 

Marcelo Abud:

Para historiadores como o saudoso Luís Henrique Dias Tavares, sete de setembro de 1822 não representa a real independência do Brasil. Afinal, uma boa parte do território do país continuava sob o domínio português. Em muitas regiões do Nordeste, a luta armada acontece. Neste contexto, a Bahia assume grande protagonismo. Os conflitos têm início pouco tempo após a coroa portuguesa nomear o general português Madeira de Melo para exercer o cargo de comandante das armas na província da Bahia.

Sérgio Guerra Filho:

Nesse momento, pessoas que não concordavam com o domínio militar de Madeira de Melo começam a fugir para as vilas e para as fazendas do Recôncavo, que é a região limítrofe à cidade da Bahia. E aí começam articulações políticas que, em junho, vão desaguar em várias manifestações das câmaras. Então, 14 de junho, Santo Amaro aclama D. Pedro e nos dias seguintes tropas enviadas por Madeira de Melo vão fazer  uma arruaça nas ruas da vila, mas depois se retiram, não ocupam militarmente Santo Amaro. 

Marcelo Abud:

Em 25 de junho de 1823, a câmara de Cachoeira se prepara para também aclamar D. Pedro como defensor perpétuo do Brasil. Logo após o ato, tropas portuguesas e cachoeiranos entram em conflito armado. 

Sérgio Guerra Filho:

Os cachoeiranos aprisionam os soldados portugueses e começam a organizar um conselho de defesa, que depois se reúnem outras vilas — inicialmente a própria Vila de Santo Amaro, também a Vila de São Francisco mandam representantes — para que em Cachoeira se constitua um governo para toda a província com exceção da capital.

Então o cenário a partir de junho de 22 é uma capital brasileira da Bahia, que é Cachoeira, uma capital rebelde, e uma capital tradicional que continua portuguesa como sempre fora, ocupada por tropas militares. O domínio da capital por Madeira de Melo não garante nenhuma adesão. Todas as outras vilas aderem à Cachoeira e o isolamento militar de Madeira de Melo é, também, o isolamento político.

Marcelo Abud:

A partir de outubro de 1822, já como imperador, D. Pedro envia reforço às tropas que buscam vencer o domínio português em Salvador. Até julho de 1823 há duas tentativas portuguesas de furar esse cerco: as batalhas de Pirajá e de Itaparica. Ambas sem sucesso, diante da participação de populares que resultará na independência do Brasil na Bahia. 

Sérgio Guerra Filho:

Inclusive, com grupos de mulheres liderados por Maria Felipa, alguns soldados que ali havia, populares também que pegaram suas armas e isso de alguma forma impossibilitou o acesso dos portugueses às áreas produtoras de alimentos. E aí quando fecha o porto de Salvador com a esquadra liderada por Lord Cochrane, que era um marinho inglês contratado por D. Pedro, a campanha portuguesa está fadada ao insucesso e aí, no começo de julho, é organizada uma retirada de grande escala: todo o exército português evadiu em embarcações, mas também muitos civis — muitos portugueses e suas famílias. Portanto, essa retirada militar no dia dois de julho de Salvador, da cidade da Bahia, tem uma grande proporção, que acabou com a libertação da cidade, que poderá voltar a ser a capital da Província da Bahia, província essa plenamente integrada ao Império do Brasil a partir daí. 

Marcelo Abud: 

Guerra Filho ressalta a importância da participação intensa da população comum. Sem o envolvimento do povo, o dois de julho não seria possível. 

Sérgio Guerra Filho:

Essas pessoas se engajaram no exército, há registros de que inclusive escravizados fugiram para se inscrever e supostamente ganhar sua liberdade; libertos, pobres livres, mulheres como Maria Felipa e Maria Quitéria, pessoas das classes populares, mas que lutaram nessa guerra. Mas efetivamente essa guerra foi vencida pela articulação dos grandes proprietários e dos oficiais que lideravam.

Mas há um fato importante que é uma leitura desta guerra feita nas festas populares que se sucederam à Independência. Então hoje você tem grandes festas — a principal delas é em Salvador, mas não é a única — onde você desfila com caboclos e caboclas, imagens reverenciadas e que representam a participação popular e a vitória desse povo contra a tirania. Ali tem uma lição de que a gente só conquista direitos, liberdades e avanços sociais com a mobilização e com a luta.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Sérgio Guerra Filho considera que a proximidade da comemoração dos 200 anos da data tem feito com que o dois de julho ganha importância. A independência do Brasil na Bahia foi tema de manifestações populares como o desfile da Beija-Flor no Rio e a homenagem a caboclos e caboclas feita pelo bloco Afoxé Filhos de Gandhi, no carnaval da Bahia. 

Marcelo Abud para o podcast de educação do Instituto Claro.

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