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O game “Árida – Despertar do Sertão” foi idealizado pelo historiador Filipe Pereira, quando ainda fazia parte do grupo de pesquisa “Comunidades Virtuais”, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Com força no foco narrativo, a jornada da personagem Cícera – uma garota de 13 anos que vive com o avô – tem sido utilizada em algumas escolas para aproximar estudantes da cultura e da história do sertão brasileiro.

“Quando ela (Cícera) precisa sair da vila para ir rumo a Canudos, a gente traz os elementos da escassez, mas, ao mesmo tempo, traz um sertão muito rico visualmente, de uma forma que seja alheia aos estereótipos”, afirma o criador da Aoca Game Lab.

Uso Pedagógico

No enfrentamento das peculiaridades de uma grande seca no século XIX, ambientada no arraial de Canudos, em 1896, o game “Árida” traz múltiplas manifestações culturais regionais, com destaque para a oralidade, com a utilização, por exemplo, do cordel, que você pode ser conferido no áudio.

“É um elemento regional cultural extremamente potente, que diz muito sobre a cultura que a gente está trabalhando, mas a gente sabia que a gente coloca isso aqui dá uma vazão pra língua portuguesa, pra literatura, enfim”.

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Transcrição do Áudio

Música tema do game “Árida – Despertar do Sertão”

Filipe Pereira:

O Sertão ele acaba sendo sim o nosso antagonista, mas ele é também o nosso protagonista. Você precisa saber como você convive com ele e, de alguma forma, tirar o meio de sustento dele.  Claro que eu não estou dizendo que isso é fácil. O êxodo existe, muitas pessoas saem de lá, mas você vê o sentimento predominante de uma relação muito amorosa com aquele espaço ali, né? As pessoas dizem ‘mesmo do jeito que está, eu pretendo ficar aqui e aqui é meu lugar, é aqui que eu nasci, aqui eu vou morrer’ e tudo mais. Isso é uma coisa que a gente viu muito, quando a gente pesquisou. Isto está muito presente na construção da jornada da personagem – de Cícera, né? – porque quando ela precisa sair da vila dela para ir rumo a Canudos, vai muito desse lugar assim. ‘Beleza, eu vou procurar um novo lugar, um lugar melhor pra minha existência, mas é ainda dentro do sertão.

A gente traz os elementos da escassez, mas, ao mesmo tempo, a gente traz um Sertão muito rico visualmente, de uma forma que seja alheia aos estereótipos, né?

Sou Filipe Pereira, atualmente eu estou muito mais imerso nesta área de desenvolvimento de jogos, mas a minha formação ela é original em história. Até o ano passado eu estava bem vinculado à parte de educação, porque eu dava aula na estadual daqui, no curso de desenvolvimento de jogos, meu mestrado é em educação e tudo mais.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música instrumental do game Árida fica de fundo

Marcelo Abud:

Em 2016, foi criada a Aoca Game Lab, a partir do grupo de pesquisa Comunidades Virtuais, da Universidade do Estado da Bahia. Formada por 8 pessoas ligadas à pesquisa e criação de games com viés educativo, “Árida – Despertar do Sertão” é um dos projetos da empresa, que utiliza a força no foco narrativo para aproximar cultura e história.

Filipe Pereira:

A gente sempre tenta se respaldar muito cada escolha criativa que a gente faz. Não apenas do ponto de vista mais conteudista, por assim dizer, mas também do ponto de vista da vivência, né, de ir pros lugares, de fazer pesquisa “in loco”, vira e mexe a gente vai lá no sertão e tudo mais. Então essa abordagem da pesquisa é um ponto que eu acho que é bem fundamental, assim. E a outra seria a relação da potencialidade do jogo em sala de aula. E aí a gente não acaba escolhendo uma ou outra temática em específico, pensando em conteúdo escolar, mas isso acaba acontecendo naturalmente.

Música: “Canudos” (Antonio Carlos Ferreira De Brito / Eduardo Lobo), com Quarteto em Cy

Entre Rios, Belos Montes
Quem é esse que vagueia?
Conselheiro que tonteia
E apeia sem chegar

Filipe Pereira:

O pano de fundo ele se dá no século XIX, no período ali de recém-formação do povoado de Canudos, né? Um período de seca, o êxodo rural ele tá acontecendo com bastante frequência naquela região ali do sertão baiano, que é onde a gente foca mais especificamente esse processo da escassez, de como lidar com os poucos recursos que são ali trabalhados e as diversas outras questões relacionadas com a formação do povoado de Canudos, com esta tentativa da construção de uma sociedade alternativa e com o republicanismo que estava acontecendo naquele momento ali…

No “Árida”, você se depara com a história de Cícera, que é nossa protagonista, que é uma menina de 13 anos, que vive na região ali de Uauá, mais ou menos, que é próximo de Canudos, com o avô, que era um antigo vaqueiro, e eles estão passando por um momento de seca muito forte e eles descobrem, ouvem falar nos boatos da cidade, que acabaram de fundar um lugar onde as pessoas dizem que a seca não ousa abater, né? Existe uma utopia de um lugar, de partida, onde você consegue viver com recursos e sem tanta carestia, como no contexto que eles estavam vivendo. Esse, de certa forma, é o pano de fundo do contexto narrativo do “Árida”.

Voz de Layna Nascimento no game “Árida”

(em ritmo de cordel) Desde pequena aprendi

A viver com a saudade:

Os meus pais também partiram

Em busca da tal cidade.

Também é chegada a hora

Dessa minha despedida

De partir com meu avô

Pra essa terra prometida.

Quero ver onde o sol nasce,

Explorar esse mundão

Viver novas aventuras

E conhecer o meu sertão

Filipe Pereira:

Falando de   do jogo, essa questão de exploração do ambiente, de você conhecer cada pedacinho do terreno, isso se conecta muito com o desejo que a gente tem de trazer o sertão como personagem. A gente traz um elemento também que é muito importante pra gente, que é a oralidade, uma forma de lidar com o conhecimento muito pertinente com aquele contexto e que a gente tenta reproduzir como principal vetor de comunicação da narrativa do jogo.

Voz de Layna Nascimento no game “Árida”

(em ritmo de cordel) Eu vejo gente valente

Pensando em se retirar,

Juntando sua família

Em busca de um novo lar.

A procura de fartura,

De ganhar seu próprio pão,

Atrás de um lugar assim

Bem no meio do sertão.

Filipe Pereira:

Por exemplo, quando a gente colocou o cordel no jogo, claro, é um elemento regional cultural extremamente potente, que diz muito sobre a cultura que a gente está trabalhando, mas a gente sabia que, tipo, nossa, a gente coloca isso aqui dá uma vazão pra língua portuguesa, pra literatura, enfim.

Mas tem os elementos baseados mais em repetições mais mecânicas, por assim dizer, e os principais vetores são a fome e a sede. Você precisa gerenciar a fome e a sede da Cícera e acabou sendo uma metáfora muito natural de aí colocar os recursos de alimentação e de bebida, pautada nessa relação com o cotidiano sertanejo propriamente.

Marcelo Abud:

Filipe recebe retorno de professoras e professores que têm utilizado o game com suas turmas e conversa em escolas sobre as possibilidades de uso nas mais diversas disciplinas.

Filipe Pereira:

A gente pode pensar obviamente na história, né? Pra além daquele contexto ali que está sendo trabalhado: a questão do êxodo rural e o período ali do segundo reinado – política e economia e tudo mais – a gente pode pensar na produção do imaginário nacional brasileiro: cultura popular, representações visuais…

Acho que as temáticas que podem ser trabalhadas dentro do recorte do “Árida”, geografia, né, a questão da formação do território nacional, as características da população brasileira, já que o jogo ele é muito diverso, o jogo ele traz personagens que a gente normalmente não vê nos jogos, isso também é um elemento bastante diferencial da nossa série: mapas temáticos, a biodiversidade brasileira, a gente fez muita pesquisa de fauna, de flora, isso é uma coisa que está muito presente.

E a gente pode ir mais além, né, o jogo está localizado em várias outras línguas, está em alemão, chinês, espanhol, inglês, isso aí também já abre uma brecha.

Locução em inglês:

I see folks getting along

And They are all careciving

Always looking for new ways

To find water for the living

Filipe Pereira:

Isso pra não falar das temáticas que são contemporâneas, mas que têm tudo a ver com “Árida”, né? Questão da desigualdade de recursos, por pobreza; o êxodo que vem acontecendo em diversos países, desertificação, né, no contexto da seca; alterações climáticas, acho que fica muito na disposição da própria criatividade do professor, né?

Marcelo Abud:

Filipe conta por que a escolha de uma personagem feminina como protagonista.

Filipe Pereira:

A gente queria trabalhar com uma personagem que fosse uma menina, então ela é uma mulher que é fruto daquele sertão, ela tem os traços indígenas, tem traços negros também, tanto culturalmente quanto em termos de fenótipo. A materialização desta personagem, pelo nosso artista conceitual, que é o Bigode Silva, que é um grafiteiro bem famoso até nacional, também internacionalmente, ele pensou em todas as “Cíceras” que ele viu nas andanças dele, que são aquelas meninas que são as primeiras a chegar e aí perguntar ‘o que é isso aí? O que cê tá fazendo aí? Posso pintar? Deixa eu pintar minha bicicleta’. Ele disse que se inspirou muito nessas meninas, no sertão ou não, Brasil afora, e normalmente são aquelas meninas, como diz aqui na Bahia, é a mais gaiata, né, a mais atrevida, as de mais atitude e tudo mais. Então, sim, tem uma inspiração nessa perspectiva aí. E isso é o legal do trabalho criativo, né, porque cada um traz o seu repositório.

E o nome acabou sendo muito da influência, né? A gente foi buscar um nome que tinha alguma conexão com o contexto, Padre Cícero é algo que está muito presente no ideário também. Então essas foram as diretrizes que guiaram a gente na construção da personagem.

Música tema do game árida fica de fundo

Marcelo Abud:

Na jornada de Cícera para vencer a seca, a garota lança mão de ferramentas, comida e objetos que colocam estudantes e gamers em contato com o sertão brasileiro: suas belezas e problemas antigos e atuais.

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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