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Secretarias de ensino municipais e estaduais têm definido critérios de retorno às aulas presenciais nas escolas, mas algumas delas sugerem a transferência da responsabilização para as famílias.

“Se você não cria condições para as famílias, especialmente as mais vulneráveis, se segurarem nesse período, é como se você pressionasse pela voltas às aulas”, afirma o professor da Universidade Federal do ABC, especialista em políticas educacionais e integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Fernando Cássio, ouvido neste podcast.

Em Prado, na Bahia, escolas fecharam dois dias após reabrirem, no início de agosto, devido ao aumento de casos na região (Foto: divulgação)

Segundo a pneumologista da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, Patrícia Canto Ribeiro, também entrevistada pelo Instituto Claro, é fundamental que a família seja ouvida, mas não deve ser dela a responsabilidade de decidir se é seguro ou adequado que os estudantes retornem para as escolas.

“Não é que a família está optando por não mandar porque não quer, é porque não se sente segura, porque ainda não tem certeza de que seu filho vai e não vai adoecer. Se aquela comunidade escolar opta por não ter aulas nesse momento, precisa ser levado em consideração e ser debatido entre as autoridades de educação, as autoridades sanitárias e essa comunidade escolar”, sintetiza.

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Transcrição do Áudio

Trilha: Dance of the Mammoths – The Whole Other

Fernando Cássio:
Se você não cria condições pras famílias, especialmente as mais vulneráveis, se segurarem nesse período, é como se você pressionasse pela volta às aulas. E os sindicatos e os estudantes, e as famílias têm obrigação – e estão fazendo isso – de se proteger e de exigir do Estado aquilo que é sua obrigação. O Estado não pode se furtar disso.

Sou Fernando Cássio, professor da Universidade Federal do ABC, especialista em políticas educacionais.

Patrícia Canto Ribeiro:
É preciso que haja um investimento também na biossegurança. O uso de máscara para os profissionais, quem vai fornecer? O próprio profissional que tem que ter a sua máscara? Um professor fala o tempo todo, então esse profissional vai ter que trocar a máscara com muita frequência. São coisas que têm que ser pensadas e garantidas, para que haja uma condição mínima de retorno.

Sou Patrícia Canto Ribeiro, pneumologista da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, do estado do Rio de Janeiro.

Vinheta: “Instituto Claro – Educação”

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
De quem deve ser a responsabilidade se a transmissão da covid-19 aumentar no caso do retorno às aulas presenciais nas escolas?

Para responder a essa pergunta, o integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Fernando Cássio, utiliza o artigo 205 da Constituição Federal como ponto de partida.

Fernando Cássio:
… que diz assim: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Então, quando a gente está falando de responsabilização, todo mundo tem que se responsabilizar por isso. Quem não vai se responsabilizar por isso são as crianças e os adolescentes, esses na verdade precisam ser cuidados. Então, assim, se o Estado não cria as condições adequadas, tenta assim dizer ‘olha, famílias, mães, pais, a gente garante o direito de vocês não mandarem as crianças para a escola’, porque o Estado também quer lavar as mãos, né, e dizer ‘olha, a gente abriu as escolas, mas as famílias não quiseram mandar as crianças. Só que não dá para fazer dessa forma, porque o Estado tem obrigações relacionadas a isso. E as famílias também têm obrigações. Inclusive essa insegurança tem a ver com isso, porque as famílias estão fazendo o seu papel, basta ir em cada casa do Brasil em que tem crianças lá estudando… as famílias estão fazendo o seu trabalho, o Estado é que não está.

Música: “Bê-a-Bá” (Toquinho/Elifas Andreato), com Toquinho e Elba Ramalho
“A criança tem direito à educação para desenvolver as suas aptidões, suas opiniões e seu sentimento de responsabilidade moral e social / Quando se aprende a falar, se começa a estudar / Isso não acaba nunca”

Patrícia Canto Ribeiro:
Família é fundamental que ele seja ouvida, não que fique na mão da família a responsabilidade por decidir se é seguro ou se é adequado para que seus filhos retornem pras escolas. Primeiro, você tem que ter uma série de indicadores que devem nortear a possibilidade de reabertura das escolas: queda na mortalidade, leitos disponíveis – você precisa ter serviço de saúde em condição de receber novos casos. E é importante que esses indicadores eles sejam mantidos, ele não pode ser o indicador de um dia: ‘ah, hoje, caiu o número de mortos, então eu posso reabrir semana que vem’, não é assim. As autoridades sanitárias têm que dar às famílias essas informações primeiro, para se pensar numa possível talvez reabertura.

Fernando Cássio:
Porque, por exemplo, assinar um termo de responsabilidade não é ter escolha. É você transferir a responsabilidade: ‘olha só, você quer trabalhar, você quer sair de casa? Então você assina esse termo e você se arrisca, sabendo das condições inseguras que estão nas escolas’. O Estado não pode fazer isso. Quer dizer, o Estado se exime da responsabilidade, os pais decidiram mandar a criança pra escola e aí se a criança se contaminou, contaminou alguém em casa ou os professores isso é um problema de quem assinou o termo. Não faz sentido, né? E os professores, professoras, que termo assinam? Quem se responsabiliza por eles? E o problema central é um problema ético, da proteção da vida em primeiro lugar. A garantia de fechamento das escolas também depende de você ter uma política de proteção econômica, alimentar, das famílias, porque aí, sim, as famílias podem ter escolha.

Música: Educação Sentimental II (Leoni, Paula Toller e Herbert Viana), com Kid Abelha
“É tanto medo de sofrimento
Que eu sofro só de pensar
A quem eu devo perguntar, aonde eu vou procurar?”

Patrícia Canto Ribeiro:
Escola é uma coisa essencial, é importante que haja um planejamento de retorno. Esse planejamento não pode ser ditado, vamos dizer assim, de forma verticalizada. É necessário que ele seja construído com a comunidade escolar e a comunidade escolar é: aluno, professor, trabalhador da educação, merendeira, pais, mães… Todos são da comunidade escolar. E essa comunidade tem que ser ouvida dentro das suas expectativas, dos seus anseios, das suas necessidades.

Fernando Cássio:
As comunidades escolares, as escolas, também têm que ser convocadas a pensar sobre isso. Por exemplo, essa coisa dos protocolos centralizados de abertura, eles não dão conta. Pode ler qualquer protocolo que já foi feito em qualquer estado, em qualquer município, você vai olhar e você pensa em uma escola que você conhece, você vai ver que vão ter um tem um monte de adaptações que vão precisar ser feitas. A questão é: as escolas têm autonomia financeira, autonomia de recursos, por exemplo, para decidir que elas precisam de menos desinfetante e mais termômetro? Precisa ter políticas mais centralizadas, mais gerais? Sim, precisa. Precisa ter gestão mais solidária? Precisa. Mas também precisa ter assim empoderamento das comunidades escolares. Isso se faz com recursos. Não basta tratar isso como problema burocrático, porque isso é um problema de proteção à vida e de proteção do direito à educação ao mesmo tempo, o que é difícil. E não basta que a responsabilidade é das famílias ou tentar tirar isso de si, porque esse é um problema social que vai nos acompanhar por muito tempo.

Patrícia Canto Ribeiro:
Não é que a família está optando por não mandar porque não quer, é porque não se sente segura, porque ainda não tem certeza de que seu filho vai e não vai adoecer. Se aquela comunidade escolar opta por não ter aulas nesse momento, precisa ser levado em consideração e ser discutido, debatido entre as autoridades de educação, as autoridades sanitárias e essa comunidade escolar.

É verdade que é uma preocupação no mundo todo. A ONU lançou um documento sobre essa questão da educação no mundo e eles calculam que até 94% das crianças em idades mais novas ficaram sem aula, longe das escolas.

Tradução de Marcelo Abud traduzindo fala em inglês:
Será essencial equilibrar os riscos para proteção das crianças.

Marcelo Abud:
António Guterres – secretário-geral da ONU no lançamento da campanha “Salve o nosso Futuro”

Tradução de Marcelo Abud traduzindo fala em inglês:
Consultar pais, cuidadores, professores e jovens é fundamental.

Patrícia Canto Ribeiro:
A questão de adoecimento mental, violência doméstica, saúde nutricional, tudo isso tem que ser levado em conta, mas a gente não pode colocar isso na frente do adoecimento real, imediato, que é a covid e os riscos que pode haver uma reabertura fora do tempo. Escola tem que ser tratada como um serviço, claro, essencial, mas que só pode se pensar numa reabertura, após a pandemia estar controlada naquele local. Então não é reabrir a escola por reabrir e a qualquer custo, porque existem vidas em jogo. Mas é preciso que, sim, seja discutido o momento e que esse momento deve ser o mais breve possível, dentro de condições seguras para a criança e para essa comunidade.

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
De acordo com Patrícia Canto Ribeiro, o planejamento de reabertura das escolas deve considerar ainda testagem para a comunidade escolar e ser pensado em cada cidade separadamente, com a queda sustentada de casos do novo coronavírus.

Já Fernando Cássio acredita que não haja condição para o retorno das aulas com segurança este ano no Brasil. Em qualquer decisão, é fundamental que sejam ouvidas as autoridades de educação e sanitárias, além da comunidade escolar.

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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