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A etimologia se caracteriza pelo estudo da origem das palavras e de suas mudanças de significado. No grego, “etymos” corresponde a verdadeiro e logos a estudo, tratado. A definição está no livro “De onde vêm as palavras”, escrito pelo doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) Deonísio da Silva.

“Os gregos, antigos gregos, antigos latinos, eram muito preocupados – inclusive em debates, no Senado Romano –, com o significado verdadeiro da palavra, aquele que a palavra tivera no berço. Isso não quer dizer que aquilo que está lá no berço ficou exatamente assim. É como nós. Nós fomos um dia crianças, só recorríamos ao choro; tínhamos uma aparência, um tamanho, umas medidas, um peso, e nos alteramos muito. Com as palavras, deu-se algo semelhante”, ilustra o professor.

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Professor há mais de 50 anos, Deonísio da Silva valoriza estudo da etimologia na escola (crédito: divulgação / Bandnews)

É dessa forma, misturando filosofia e curiosidades, que ele defende a importância da etimologia e lamenta o fato de a origem das palavras ter pouco espaço nos currículos escolares atualmente. “As crianças têm muito interesse por saber de onde as palavras vieram. Esses saberes, que têm sabores deliciosos, tornam mais interessante o ensino da língua portuguesa e de todas as disciplinas”, acredita.

A origem de ‘aluno’

No áudio, além de falar sobre como imagina que a etimologia pode ser ensinada na escola, Deonísio da Silva comenta de onde vêm palavras ligadas ao universo escolar e desmistifica que aluno tenha o significado de “sem luz”, como correntemente se ouve dizer.

“Aluno veio do latim alumnus, aquele que se alimentava ou que alguém era encarregado de alimentá-lo. O Império Romano tinha muitos órfãos, por motivos óbvios. Era um império guerreiro, perdia muitos pais. E então eles eram criados, ‘alimentados’, por terceiros – a mãe não dava conta de todos”, explica.

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Era a esse ato de cuidar da criança e ensinar a ela os preceitos do convívio, que se chamava aluno. Alumnus vem do verbo ‘alere’ que é ‘alimentar’, “mas não é no sentido de que você apenas alimenta, porque se alguém não quiser comer, não come. Veja, na etimologia de alumnus, já tem a parceria do professor e do aluno”, completa Silva.
Ainda sobre o vocábulo “aluno”, ele acrescenta: “é impossível formar uma palavra ‘sem luz’ com ‘alunos’, porque o ‘a’ negativo é grego, não é latino (…)luz, em latim, é ‘lux’, lume é ‘lumen’”. Ainda no podcast, o escritor traz uma antecipação do próximo livro, em que está pesquisando de onde vêm os palavrões.

“Por que para ofender uma pessoa de quem não gostamos, ofendemos a mãe dele? Junto com o estudo dos palavrões, vêm os conceitos da opressão da mulher na sociedade em que vivemos, nesta formação patriarcal. Ninguém diz ‘olha, você é um filho do pai’, não é? Você diz ‘você é filho da mãe!”, cita em justificativa sobre o novo estudo.

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Transcrição do Áudio

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Deonísio da Silva:
As crianças têm muito interesse por saber de onde as palavras vieram. Esses saberes que têm sabores deliciosos tornam mais interessante o ensino da língua portuguesa e de todas as disciplinas, de modo que eu entendo a etimologia – os fundamentos da etimologia -, como uma necessidade para todos os campos de saber.
Meu nome é Deonísio da Silva. Eu sou conhecido na ‘Galáxia Gutermberg’, – dos que leem, – como escritor e professor.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Qual a importância de se estudar de onde vêm as palavras? A etimologia é uma maneira de despertar o interesse dos alunos?
Para responder a essas perguntas e trazer a origem de algumas palavras ligadas ao ambiente escolar, o Instituto Claro conversa com o professor, doutor em letras pela USP e autor, entre outros, do livro “De onde vêm as Palavras”, Deonísio da Silva.
Pra começo de conversa, de onde vem a palavra etimologia?

Deonísio da Silva:
Etymo, em grego, quer dizer ‘verdadeiro’ e Logia é do logos, o ‘tratado’, o ‘estudo’, que hoje seria melhor traduzido por ‘pesquisa’, não é, por aquilo que se descobriu. Então os gregos, antigos gregos, antigos latinos, eram muito preocupados – inclusive em debates, no Senado Romano –, com o significado verdadeiro da palavra. Eles chamavam o significado verdadeiro aquele que a palavra tivera no berço. Isso não quer dizer que aquilo que está lá no berço ficou exatamente assim. É como nós. Nós fomos um dia crianças, só recorríamos ao choro; tínhamos uma aparência, um tamanho, umas medidas, um peso, e nos alteramos muito. Com as palavras deu-se algo semelhante.

Marcelo Abud:
O professor lamenta que o Brasil tenha abandonado o ensino do Latim.

Deonísio da Silva:
Eu não digo que todos devessem se formar em latim, mas nos fundamentos do latim. Veja que os antigos livros de latim – e os fundamentos do português que estão radicados ali no latim – se chamam ludos. É de ‘lúdico’, é uma coisa de brincar, de você fazer durante um ócio, como uma espécie de ‘estudo livre’, uma coisa agradável. Qualquer professor pode fazer.

Música: “Diariamente” (Jose Fernando Gomes Dos Reis), com Marisa Monte
Para todas as coisas, dicionário
Para que fiquem prontas, paciência

Deonísio da Silva:
Eu gosto muito de uma frase do “Grande Sertão Veredas” que diz: “o jagunço é aquele com o poder seco de si mesmo”. Eu sou professor há 50 anos e eu notava que mesmo que não estivesse nas ementas e nas disciplinas, quando eu trazia a etimologia pra sala de aula, para explicar uma ou outra palavra-chave, ela era muito bem recebida. E também os alunos podem fazer isso; e também quem não estuda pode fazer isso! Basta ver o sucesso que têm as colunas de língua portuguesa na mídia e, sobretudo, aquelas explicando a origem de onde vieram as palavras.

Marcelo Abud:
Quando a criança está fora da escola, além da falta de estudo, há quem aponte também a necessidade de se criar estratégias para a distribuição de merenda. Mas há alguma ligação entre saber e sabor? Estudo e alimento? Professor Deonísio, de onde vem a palavra aluno?

Deonísido da Silva:
Aluno veio do latim alumnus, aquele que se alimentava ou que alguém era encarregado de alimentá-lo. O Império Romano tinha muitos órfãos, por motivos óbvios, era um império guerreiro, perdia muitos pais. E então eles eram criados, ‘alimentados’, por terceiros – a mãe não dava conta de todos. Este ato de cuidar da criança e ensinar a ela os preceitos do convívio, o que ela precisava, designou ‘aquele que aprendia’, o alumnus; vem do verbo ‘alere’ que é ‘alimentar’, mas não é no sentido de que você apenas alimenta, porque se alguém não quiser comer, não come. Veja, na etimologia de alumnus, já tem a parceria do professor e do aluno. O professor não vai ali impor alguma coisa para o aluno, ele vai oferecer ‘oh, quer comer, come; está aqui a boia, está aqui a comida’, não é? (risos)

Música: “De onde vem o Baião” (Gilberto Gil), com Gal Costa
De onde vêm a esperança, a sustança espalhando o verde dos teus olhos pela plantação?
Ô-ô
Vêm debaixo do barro do chão

Marcelo Abud:
Talvez você já tenha ouvido uma outra explicação para a palavra aluno, que significaria “sem luz”.

Deonísio da Silva:
Às vezes, inclusive, elas são curiosas, essas falsas etimologias. Primeiro porque é impossível formar uma palavra ‘sem luz’ com ‘alunos’, porque o ‘a’, negativo, é grego, não é latino. A gente diz, por exemplo, ‘anomia’, – não tem ordem -, esse ‘a’ é negativo; o ‘luz’, em latim, é lux, lume é lumen. Então não tem como fazer uma palavra assim. Mas sem descer para esses pormenores etimológicos, o resumo em ‘arroz com feijão’, em linguagem científica, é uma grande bobabem. Não procede a informação de que alumnus é sem luz. O alumnus era esta pessoa, em geral era órfão, mas, aos poucos, aquele jovem, aquela criança – que eram ensinados em casa – passaram a frequentar os mesmos lugares – um terceiro lugar. Porque a primeira escola foi sempre família, mas como é que faz com o órfão, né?

Marcelo Abud:
A sociedade criou locais para que órfãos e não-órfãos possam ser alimentados e aprender. É daí que vem a palavra escola.

Deonísio da Silva:
Escola, escuela, school, ecole, todas são parecidas, porque todas vieram do latim, dessa expansão do Império Romano, como hoje é o inglês. Até o século XVIII o latim era a língua da ciência, era a língua da cultura. ‘Escola’ quer dizer, em latim, descanso, recreio, ócio; era chamado de escola o tempo livre que a pessoa guardava nas casas de banho, antes de chegar a sua vez. E era chamado, de um modo geral o ócio. O tempo livre era aproveitado como? Naquela diferença fatal entre viver e sobreviver: você sobrevive sem escola, mas você não vive sem escola, porque você não vai aprender as delícias dos saberes acumulados ao longo da civilização, que tem o mesmo etimo de ‘cidadão’, de ‘civilidade’ – quer dizer, esta é a ideia de escola. É você aproveitar o tempo livre pra viver! Vai viver melhor do que sobreviver, naturalmente.

Música: “Emprego” (Madan / José Paulo Paes), com Madan
Vamos arranjar um emprego para o bicho-preguiça?

Marcelo Abud:
Neste momento, Deonísio da Silva está em fase de pesquisa para escrever “De onde vêm os palavrões”. O professor explica por que é importante saber também essas origens.

Deonísio da Silva:
Eu também vou levar o palavrão pra sala de aula. Eu sou professor, sou pai, sou avô… Porque eu noto que há uma necessidade de se entender por que que nós chamamos uma pessoa de quem não gostamos, para ofendê-la, ofendemos a mãe dele? Junto com o estudo dos palavrões vêm os conceitos da opressão da mulher na sociedade em que vivemos, nesta formação patriarcal. Ninguém diz ‘olha, você é um filho do pai’, não é? Você diz ‘você é filho da mãe!”.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Explicar a origem das palavras com humor e filosofia é uma forma de despertar o interesse da turma. Para o entrevistado, saborear esses saberes vai além da língua portuguesa e pode fazer parte de todas as disciplinas. Que tal então começar desvendando com seus alunos as origens das palavras-chaves que envolvem a sua matéria?
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

 

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