A síndrome de Tourette (ST) é um distúrbio neuropsiquiátrico caracterizado por tiques motores e sonoros involuntários, além de vir acompanhada de outros transtornos que afetam o processo de aprendizagem, como o de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o Obsessivo-Compulsivo (TOC), discalculia – dificuldades com números – e disgrafia – dificuldades com a escrita.

A psicóloga da Associação Solidária do Transtorno Obsessivo Compulsivo e Síndrome de Tourette (Astoc) Tatiana Barricelli Vaz explica que, para caracterizar Tourette, é necessário que a criança ou adolescente apresente dois tiques motores e um vocal, não necessariamente ao mesmo tempo, e durante o período de um ano.

Os tiques motores podem ser simples ou complexos, como: movimentos súbitos da cabeça, ombros ou de todo o corpo; piscar ou revirar os olhos; fazer caretas; comportamentos repetitivos de tocar coisas ou bater com os dedos; cheirar objetos ou ligar e desligar as luzes repetidamente.

Já os tiques fônicos incluem ruídos, palavras ou expressões; fungar, pigarrear ou tossir repetidamente; sons ou gritos; risos; repetição do que outra pessoa acabou de dizer (ecolalia) e dizer palavras inapropriadas (coprolalia). “Este último é menos comum, porém é o mais lembrado pela sociedade”, explica a psicóloga. “Os sintomas podem ir e vir, ter intensidades diferentes e também mudar ao longo do tempo”, acrescenta Vaz.

“Por exemplo, pode apresentar tiques de revirar os olhos e pescoço para, no ano seguinte, apresentar tosse e fungada”, exemplifica a especialista. O tratamento pode envolver acompanhamento de um psicólogo comportamental, psiquiatra e medicação. “Varia do quanto os sintomas causam incômodo e sofrimento para o paciente”, acrescenta Vaz.

Criando um ambiente acolhedor

Como os primeiros sinais da ST podem acontecer na infância e adolescência, os professores podem ajudar a família a identificar o transtorno.

“Além de observar se o estudante apresenta os tiques, ele [aluno] pode se sentir envergonhado e tímido, e apresentar dificuldades de aprendizagem”, lembra o psicopedagogo e fundador da Fraternidade Comunitária Tourettes Brasil Total, Alexandro Cardoso.

Vaz explica que criar um ambiente acolhedor para o aluno com Tourette é importante para evitar que ele abandone os estudos. “A falta de entendimento dos professores e o bullying dos colegas faz com que a escola se torne um ambiente que provoque repulsa. E quanto mais ansioso e estressado ele ficar, mais os sintomas ficam potencializados”, explica a psicóloga.

“Já as adaptações e ações afirmativas devem variar de acordo com os sintomas de cada estudante com ST. Cada pessoa com Tourette é única, elas não possuem os mesmos sintomas”, enfatiza Vaz.

Os especialistas apontam 11 orientações que ajudam a incluir alunos com ST no ambiente escolar. Para mais informações, confira também o Guia para Professores desenvolvido pela Astoc.

1) Comportamento do aluno não é proposital

Da mesma forma que nem sempre uma pessoa consegue controlar um soluço ou um espirro, o mesmo ocorre com os tiques em quem vive com a ST.

“É um movimento impulsivo e não há domínio. Porém, não raro os sintomas são confundidos com indisciplina. Os professores ficam incomodados e castigam esse estudante”, explica Cardoso.

Embora involuntários, entretanto, os tiques podem ser controlados durante um curto espaço de tempo. “Uma criança com tiques fônicos pode permanecer quieta durante a aula e, no intervalo, devido ao esforço, eles saem com mais força”, descreve Cardoso.

“Isso pode fazer com que os professores acreditem que tal comportamento é proposital, que o aluno faz o tique quando quer para chamar a atenção”, alerta Vaz.

2) Ofereça pequenos intervalos ao aluno com Tourette

Como alguns alunos com ST conseguem suprimir seus tiques durante um curto espaço de tempo, é possível oferecer pequenos intervalos para irem ao banheiro ou à uma sala reservada para descarregarem a tensão.

Segundo a Astoc, esses intervalos podem melhorar a aprendizagem, uma vez que a criança não usará toda a concentração para suprimir os tiques.

O professor ainda pode criar códigos junto à criança para que ela saia da aula discretamente, sem chamar a atenção dos demais alunos. Um exemplo é dizer ao aluno para que “saia da sala para tomar uma água”.

3) Escolha o lugar em que a criança deve se sentar

Cardoso sugere que a criança sente na fileira próximo à porta. “O ideal é no quarto ou quinto lugar. Isso permite que ela possa sair para descarregar os tiques discretamente”, explica.

Outras razões para acomodá-la nesse lugar é que, em caso de TDAH, pode haver distrações se ela se sentar em frente à porta, janela ou no fundo da sala. “E colocá-la na frente e no meio da sala pode deixá-la vulnerável às observações dos colegas e ao bullying”, completa Cardoso.

4) Provas em local reservado

“Tiques verbais e motores podem atrapalhar os demais colegas”, explica Vaz. “Além disso, não haverá gasto de energia emocional na contenção dos tiques, o que pode prejudicar o desempenho do aluno com ST”, completa. Segundo a psicóloga, também pode ser necessário oferecer tempo extra para que o aluno faça a prova se houver quadro de TDAH, discalculia e disgrafia.

5) Sensibilização dos colegas para prevenir o bullying

O professor pode explicar o que é a ST para os alunos, reforçando seu caráter involuntário. Isso evita que o estudante que vive com o transtorno seja vítima de implicância e ridicularizações. “Ele pode ou não estar junto nessa palestra explicativa, dependendo da sua relação com a classe e do seu bem-estar”, lembra Cardoso.

“Para desmistificar a Tourette, é possível apresentar histórias de jovens e artistas que vivem com o transtorno, e isso não os impede de ter uma carreira bem-sucedida, como a cantora Billie Elish”, acrescenta Vaz.

Os alunos também devem ser ensinados sobre o sintoma de ecofalia – repetição das próprias palavras ou de terceiros –, caso o aluno com ST o apresente. Isso evita que os colegas se aproveitem do problema e sussurrem palavras inapropriadas apenas para vê-lo repetir involuntariamente.

6) Dependendo do sintoma, escolha apresentações orais ou escritas

Para crianças que apresentam tiques sonoros graves, a apresentação de um trabalho frente a frente com classe pode ser constrangedora. Porém, se o aluno apresenta discaligrafia, o ideal é evitar trabalhos escritos. Em todos os casos, gravar exercícios orais faz com que o estudante seja avaliado sem o estresse de se expor diante da turma.

7) Lidando com problemas de escrita

Crianças com ST podem apresentar complicações visuais-motora e, por isso, dificuldade em copiar matérias da lousa, escrever durantes longos períodos e manter uma escrita sem erros ortográficos.

“Assim, o ideal é que o aluno com ST apresente suas ideias oralmente; use dispositivos como computador para escrever; conte com a ajuda de uma pessoa que escreva enquanto ela dita; grave a aula ou fotografe o conteúdo da lousa”, recomenda Vaz.

8) Estratégias para atividades de leitura

Há situações em que a criança fica “presa” na leitura, retornando à palavra anterior sem avançar. Uma alternativa para evitar isso é oferecer um cartão com um recorte em formato de “janela”, fazendo com que ela enxergue uma palavra por vez. A leitura é realizada enquanto ela desliza o cartão por meio das palavras.

9) Apagar o que escreveu pode ser sintoma de TOC

Algumas crianças possem o sintoma de TOC, ao escrever e apagar sem parar, não conseguindo avançar na prova ou nas atividades de classe. As alternativas incluem permitir que elas façam as atividades com lápis e borracha ou respondam oralmente.

10) Lidando com problemas de atenção

Em caso de TDAH, forneça informação tanto visual quanto auditiva, além de informações em gráficos e desenhos. Instruções orais devem ser dadas com calma, em passos, e também por escrito. “O aluno deve trabalhar intensamente durante curtos períodos de tempo, com intervalos. Além disso, mude as tarefas com frequência. Por exemplo, passe alguns problemas de matemática, depois mude para caligrafia”, sugere o guia de professores da Astoc.

11) Atenção a mudanças de humor

 O professor pode também ficar atento às mudanças repentinas de humor do estudante. “Dependendo dos outros transtornos que acompanham a ST, pode haver acesso de raiva, quando o aluno perde a regulação emocional. Isso também pode ser confundido com birra e malcriação”, lembra Vaz.

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Crédito da imagem: FG Trade – Getty Images

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