Leonardo Valle

Cursar a universidade representa uma conquista para o jovem com paralisia cerebral (PC). Apesar de, na maioria das vezes, a condição não estar associada à deficiência intelectual e cognitiva, podem ocorrer dificuldades de locomoção, comunicação, escrita e movimentos involuntários. Isso também exige ambientes de estudo e práticas adaptadas.

A falta de acessibilidade foi vivenciada pela graduanda em geografia, Emanuelle Aguiar, logo no segundo dia na faculdade. Assistindo aula no terceiro andar, ela, que tem mobilidade reduzida, se deparou com o único elevador do local quebrado.

“Durante 47 dias, minha turma foi alocada para ambientes no térreo completamente inadequados para aula, que nem lousa possuíam. Os demais alunos, claro, reclamavam”, lembra ela, que também possui uma primeira graduação em gestão de recursos humanos.

Cursando nutrição, Luís Guilherme Pereira dos Santos encontrou a cozinha da faculdade sem adaptação para cadeira de rodas. “Tenho certa dificuldade em alcançar a pia e o fogão”, descreve.

Professores do ensino superior também se mostraram despreparados para adaptar atividades aos seus estudantes. Aguiar, por exemplo, não consegue ler legendas na mesma velocidade que uma pessoa sem paralisia cerebral.

“Sem filmes dublados, a docente sugeriu que eu assistisse em casa sozinha, pausando as legendas. Não considerei como uma medida inclusiva”, opina. “Por fim, uma colega se prontificou a ler as legendas em voz alta para mim”, conta.

“Eu também demoro mais tempo para digitar um trabalho, e foi difícil sensibilizar os professores sobre extensão de prazo”, lamenta.

Graduanda acredita que para universidade ser um sonho possível para o aluno com PC, incentivo deve começar ainda no ensino fundamental (crédito: arquivo pessoal)

 

A inclusão foi alcançada no segundo ano, com a contratação de um professor assistente para auxiliá-la. “Meu desempenho melhorou”, garante.

Preconceito velado

Para o universitário com PC, o preconceito aparece de forma camuflada. “Como sou uma pessoa que se expressa e participa do debate, não vivenciei discriminações diretas. Lembro de piadas que a gente capta no ar”, ilustra Aguiar.

“Primeira pessoa com PC formada em educação física no Brasil”, como se apresenta, Bruno Roberto Macedo foi rejeitado por um possível orientador na pós-graduação. “Pela conversa, senti-me discriminado”, confessa ele, que foi nadador paraolímpico.

Nadador paraolímpico, Bruno Roberto Macedo se formou em educação física (crédito: arquivo pessoal)

 

Diferente dos seus colegas de classe, Santos demorou muito mais tempo para conseguir um estágio não remunerado em nutrição. “Eu sou a primeira pessoa com paralisia cerebral nos cursos de saúde da minha faculdade. Precisei contatar mais empresas e muitas sequer retornavam. Minha orientadora comentou que essa dificuldade era inédita para ela”, ressalta.

Para o trio, o universitário com PC também costuma ser subestimado. “Você precisa primeiro batalhar pela oportunidade e depois mostrar que tem capacidade de exercer a atividade”, sintetiza Santos.

“Ainda há um mito generalizado de que a pessoa com paralisia cerebral nunca realizará um trabalho de alta performance e excelência”, acrescenta Aguiar.

Contudo, o contato com uma pessoa com PC costuma ser benéfico para os colegas de classe, que geralmente desconhecem essa deficiência.

“Muitos dizem que, quando lecionarem para pessoas com a mesma deficiência, vão lembrar sobre como eu gostava de ser tratada”, destaca a licencianda em geografia.

Expandir horizonte

Apesar dos percalços, Macedo avalia sua experiência na universidade de educação física como positiva. “O curso exige mobilidade e motricidade, que podem ser difíceis para o aluno com PC, mas consegui realizar todas as práticas propostas. Inclusive o rapel, algo que pensei não ser possível”, revela.

Para ele, o ensino superior foi uma conquista pessoal. “Você se enxerga como protagonista da sua história, especializando-se em algo que gosta de fazer. Também se torna mais independente”, lista.

Já Aguiar destaca o ganho como cidadã. “Quando a pessoa com PC está na academia, ela pode falar por ela mesma quando o tema é inclusão, sem a mediação de um terceiro.  Hoje, escrevo artigos científicos como pesquisadora que viveu preconceito e acessibilidade na própria pele”, compara.

Mesma opinião de Santos, que criou a conta @nutricaosobrerodas no Instagram e prepara um TCC sobre as dificuldades do estudante com deficiência na graduação em nutrição. “Como sou o primeiro do curso, quero colaborar com a faculdade para que ela possa pensar práticas mais inclusivas”, aponta.

“É estimulante ver que alguém como você conquistou algo antes”, reforça Santos sobre representatividade (crédito: arquivo pessoal)

 

Para garantir mais universitários com PC é necessário um trabalho de base logo ao final do ensino fundamental, na opinião de Aguiar. “Isso mostra que o ensino superior é um sonho possível”, resume.

A expansão das cotas é outra saída. “O secundarista com essa deficiência fica mais seguro em saber que irá concorrer entre iguais, não com estudantes que tem todas as habilidades desenvolvidas”, indica.

O trio ainda reforça a importância da representatividade na faculdade para os vestibulandos com PC. “É estimulante ver que alguém como você conquistou algo antes. A sensação é a de que, se ele conseguiu, eu posso conseguir também”, resume o futuro nutricionista.

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