O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) não é considerado deficiência para fins legais no Brasil, o que impede o acesso a alguns direitos por quem vive com a condição.
“Isso faz com que muitas pessoas não usufruam de apoio educacional e adaptações na instituição de ensino com a justificativa de que não fazem parte do público-alvo da educação especial”, explica a advogada e pós-graduada em Direito da Saúde Marisa Ribeiro.
“Como essas pessoas também não são contempladas pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI), o acesso a tratamento e terapias também pode ser dificultado, obrigando, muitas vezes, a busca pelo direito por meio de processo judicial”, acrescenta.
A judicialização, porém, não é garantia de o direito ser conquistado. “Infelizmente, quando a lei não é expressa, o acesso a um direito depende da interpretação de cada juiz. Mas a gente tem precedentes no campo da saúde e da educação, com Tribunais de Justiça (TJs) dos estados emitindo decisões positivas para quem vive com TDAH”, aponta o advogado e magistrado aposentado Júlio Cesar Ballerini.
Contra isso, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei (PL) 1.063/2023. Caso aprovado, o Brasil se juntaria a países da União Europeia, além de Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália, Colômbia e Argentina, que já consideram o TDAH como deficiência.
Conheça, a seguir, quatro direitos da pessoa que vive com TDAH analisados pelos advogados Ribeiro e Ballerini.
1) Direito a educação inclusiva
A Lei nº 14.254/2021 ressalta que o poder público deve promover programas de acompanhamento integral para educandos com transtornos de aprendizagem como o TDAH.
“Isso deve compreender identificação precoce do transtorno, encaminhamento do educando para diagnóstico, apoio educacional na rede de ensino e apoio terapêutico especializado na rede de saúde, além de formação continuada para professores sobre o TDAH”, descreve Ribeiro.
Porém, há problemáticas: a lei não menciona diretamente a oferta de adaptações pedagógicas para estudantes com TDAH.
“Muitas instituições negam essas adaptações por entenderem que não há obrigatoriedade legal, por não ser o TDAH considerado deficiência para fins legais”, afirma a advogada.
“A lei também não aborda a oferta de professor de apoio. Caso a necessidade seja comprovada e indispensável para desenvolvimento do aluno, pode-se entrar com processo judicial. Decisões do TJ-SP e do TJ-MS foram favoráveis”, lembra Ballerini.
“O aluno não pode ser prejudicado pela falta de apoio educacional essencial para seu desenvolvimento. Isso implica reduzir as barreiras que dificultam uma educação de qualidade, um direito garantido pela Constituição Federal e respaldado por diversas jurisprudências”, adiciona Ribeiro.
Além disso, a advogada lembra que alguns estados já contam com leis próprias sobre o assunto, entre elas:
– AC (Lei nº 3.112/2015 e Lei nº 2.954/2014);
– AM (Lei nº 2.260/2017 e Lei nº 4.790/2019);
– CE (Lei nº 10.891/2019);
– DF (Lei nº 5.310/2014);
– ES (Lei nº 11.076/2019);
– GO (Lei nº 712/2012, Lei nº 9.593/2015 e Lei Nº 19.913/2017);
– MG (Lei nº 10.133/2011 e Lei nº 22.420/2016);
– MT (Lei nº 10.800/2019);
– MS (Lei nº 5.593/2020, Lei nº 3122/2008 e Lei nº 4.499/2020);
– PA (Lei nº 6.447/2020 e Lei nº 4.612/2018);
– PB (Lei nº 11.641/2020);
– PE (Lei nº 16.061/2017);
– PR (Lei nº 20.019/2019);
– RJ (Lei nº 6.881/2021, Lei nº 9.153/2020, Lei nº 8.192/2018, Lei nº 7.354/2016 e Lei nº 6.308/2012);
– RS (Lei nº 15.212/2018, Lei nº 4.165/2013 e Lei nº 8.146/2018); e
– SC (Lei nº 17.292/2017 e Lei nº 15.113/2010).
2) Direito a tratamento pelo SUS
“O direito à saúde é constitucional,l e a pessoa com TDAH tem direito ao tratamento prescrito pelo médico”, lembra Ribeiro.
No caso da Lei nº 14.254/2021, também é preconizado que os educandos, junto ao acompanhamento pedagógico, acessem tratamento terapêutico.
“Caso o estado não providencie esse direito, pode-se entrar com ação para conseguir atendimento especializado. Para isso, pode ser necessário apontar que a pessoa não tem condições de pagar o tratamento particular e juntar declaração do médico responsável alegando por que aquele atendimento é necessário”, orienta Ballerini.
3) Benefício de Prestação Continuada (BPC)
Ribeiro explica que, em alguns casos, comprovando as limitações, comorbidades, gravidade e requisitos de renda, a pessoa que vive com TDAH pode ter direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
O BPC exige que a renda per capita da família seja igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo. Além disso, o beneficiário precisa estar inscrito no Cadastro Único (CadÚnico).
O valor do benefício corresponde a um salário mínimo mensal e não dá direito ao 13º salário.
4) Auxílio-doença
“O TDAH somente não é incapacitante, porém, aproximadamente 70% dos pacientes possuem comorbidades. Caso elas agravem o quadro diagnóstico, pode-se requerer o auxílio-doença, cumprindo os demais requisitos. Nesse caso a incapacidade temporária para trabalhar ou para exercer atividade habitual é exigida”, orienta Ribeiro.
“Também é possível judicializar a questão, caso a Autarquia Previdenciária negue o pedido”, finaliza a advogada.
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