Leonardo Valle
A desigualdade social é um indicador que ajuda a explicar a violência, segundo o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), o geógrafo Damião Medeiros. “Ela é medida por uma composição de fatores, como índices de acesso à educação, saúde, moradia, transporte, renda, maior expectativa de vida, entre outros”, explica.
“Mas não é o único indício, nem uma relação de causa e efeito”, pontua. “Nesse raciocínio, corremos o risco de associar pobreza com violência, o que não é verdadeiro”. Abaixo, confira a avaliação do especialista em entrevista exclusiva.
O que configura a desigualdade social?
Damião Medeiros: É uma composição de fatores, mas ela pode ser vista nos índices de acesso à educação, saúde, moradia, transporte, renda, maior expectativa de vida, entre outros. Eles podem indicar mais igualdade e desigualdade dentro da população de um país e entre países. E são indicativos interligados. Mais escolaridade, em tese, garante postos de trabalho mais qualificados e maior renda. Uma população com acesso a medicamentos e a tratamentos contra doenças terá uma maior expectativa de vida. Mais educação garante subsídios para a pessoa refletir sobre seu cotidiano, sobre a presença e a ausência do Estado, ajudando-a a reivindicar melhorias. E assim por diante.
Quais as características do Brasil em relação à desigualdade? Somos um país desigual?
Medeiros: O território brasileiro apresenta um processo histórico e social quanto a sua formação, de áreas que foram mais ou menos privilegiadas pelo poder público e pelos interesses privados. De maneira geral, podemos apontar que há diferenças marcantes e que podem ser lidas como desigualdade social entre o centro-sul do país e o centro-norte. Além de uma nação desigual, o Brasil é injusto e rico ao mesmo tempo.
E em relação à violência, somos um país violento?
Medeiros: Há um mito de que somos um país pacífico, mas olhar para os dados mostra, concretamente, que somos violentos. A letalidade policial é alta, se comparar com outras nações modernas, que investem na prevenção à violência policial. Ou seja, que o “suspeito” tenha garantias frente à autoridade que aplica a lei. Esse desfecho quase sempre é letal. E a polícia age de forma diferente em relação à abordagem em bairros elitizados e na periferia, sobre o argumento questionável de que, no primeiro, a criminalidade é maior. Na periferia onde a maioria da população é negra e que, historicamente, foi marginalizada e sem acesso à educação, emprego, moradia etc. Aqui, corremos o risco de associar pobreza com maior violência, o que não é verdade. Ela pode ser um preditor, mas não é um elemento a priori da violência. Vemos geralmente na favela a população dizendo que a polícia atua com excesso de força e desrespeito e que lá moram trabalhadores. Temos uma sociedade com herança de preconceito que associa população pobre e negra como mais violenta.
A violência está relacionada à desigualdade social? Quando essa afirmação é verdadeira?
Medeiros: Toda nação produz riqueza, o que não quer dizer que ela será bem distribuída entre seus habitantes. Quando isso ocorre, temos uma nação desigual. A desigualdade é um indicador de violência, mas não o único. Quando se observa a esfera micro – como a comparação entre bairros – com a macro – como nações –, quanto maior a igualdade, menos conflitos e a sociedade tende a ser mais pacífica. Isso não é uma regra, pode haver exceções. Vale destacar que uma nação pobre não significa que seja desigual e violenta. Exemplo da Bolívia, que produz bem menos riquezas que o Brasil e pode ser considerada uma nação pobre, mas com menos conflitos que o nosso país.
Além da desigualdade social, quais outros fatores influenciam na violência?
Medeiros: Podemos mencionar a letalidade por armas de fogo, mortes no trânsito e feminicídio. Alguns desses fatos sociais trágicos podem estar correlacionados com a idade, o gênero, a embriaguez ao volante, o desrespeito às leis, intolerância etc. É possível consultar mais informações sobre isso, produzidas com dados primários ou secundários, em “Mapa da Violência”, o “Monitor da Violência”, o “Instituto Sou da Paz”, o grupo “Geledés”, dentre outros.
Na primeira década dos anos 2000, o Brasil apresentou melhores índices de igualdade social. Mas, e em relação à violência? Houve diminuição?
Medeiros: Você consegue notar nos primeiros anos dessa década melhores índices de distribuição de renda. Assim, a sociedade tende a ser mais igualitária e a ter menos conflitos. Exemplo: quando você prioriza políticas públicas de acesso à moradia você tende a ter menos conflitos no campo e na área urbana. Mas também tem outros fatores, como o crime organizado, facções de tráfico de drogas e outras formas de violência que não são afetadas por essas políticas públicas necessariamente. Isso mostra que a relação entre desigualdade social e violência não é uma causa e efeito.
Veja mais:
Brasil avança em saúde infantil, mas violência contra adolescentes continua sendo desafio
“Pacote Anticrime” pode aumentar violência e mortes praticadas por policiais, avaliam advogados e entidades
Crédito da imagem: istrejman – iStock