Imagine um processo industrial em que todo o resíduo gerado fosse imediatamente direcionado e reaproveitado na criação de novos produtos. Esse é o princípio da economia circular, que visa a erradicar a produção de resíduos em qualquer fabricação e desconsidera a ideia de lixo, já que tudo se torna matéria-prima para um novo ciclo produtivo. Por esse motivo, a economia circular também é conhecida como “cradle to cradle” —ou “do berço ao berço”, na tradução do inglês.
“Nela, associamos o desenvolvimento econômico a uma maximização na utilização dos recursos naturais, por meio de novos modelos de negócios. Busca-se menor dependência de matéria-prima virgem, além de promover a utilização de insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis”, resume o professor da pós-graduação em sustentabilidade na gestão ambiental da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) Carmino Hayashi.“Constitui uma alternativa ao atual modelo de crescimento linear que tem consistido em extrair, transformar, produzir, utilizar e descartar”, compara a professora da Católica Porto Business School, de Portugal, Alexandra Leitão.
Leia também: Volume de materiais construídos pelo homem vai superar recursos naturais em 2021, aponta estudo
Oportunidade de negócio
Um relatório do grupo Circle Economy, em 2019, porém, apontou que apenas 9% da economia mundial é circular. Para Leitão, sua expansão é urgente. “Essa exploração de recursos naturais e emissões poluentes colide com a capacidade regenerativa do planeta. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2019, aproximadamente 60 bilhões de toneladas de recursos renováveis e não renováveis são extraídos no mundo anualmente, valor que quase duplicou desde 1980.
“O consumo global de materiais per capita aumentou 15% no mesmo período”, ilustra a professora. Ela ressalta que as emissões de gases com efeito estufa duplicaram, subindo a temperatura média global em, pelo menos, 0,7°C. Além disso, cerca de 75% da energia primária é obtida por meio da combustão de combustíveis fósseis. A poluição por plásticos aumentou dez vezes desde 1980. “Ainda, mais de 80% dos resíduos líquidos são lançados no meio ambiente sem qualquer tratamento”, alerta.
“Em última instância, o objetivo da economia circular é dissociar o crescimento econômico de pressões ambientais e permitir que a sociedade opere dentro dos limites ecológicos do nosso planeta”, completa Leitão. Para ela, além dos benefícios ambientais, a economia circular também garantiria melhorias econômicas e sociais, como geração de empregos e incentivo a inovação. A WGSN, empresa especializada em consultoria de tendências, aponta que a economia circular pode representar uma oportunidade de negócios de um trilhão de dólares. “E a Missão de Economia Circular da União Europeia indica que a Índia geraria cerca de meio trilhão de dólares apenas aproveitamento melhor seus recursos naturais”, compartilha Hayashi.
Desafios na indústria
A transição para a economia circular passa pelos princípios dos ‘3Rs’: redução, reutilização e reciclagem. “A indústria deve começar pelo design de produtos duráveis para utilizar em vários ciclos. Desse modo, é possível fechar o ciclo de materiais e energia, reduzir a dependência de matéria-prima virgem e a pressão ambiental que lhe está associada”, analisa Leitão.
No Brasil, há ainda a necessidade de processo de reciclagem eficiente e com taxas competitivas. “Atualmente, o custo de um produto reciclável é maior do que o de um novo. Assim, é essencial políticas públicas para fazer da reciclagem um evento vantajoso e lucrativo. Isso envolve redução de tributações, preços da matérias-primas, limitação dos riscos de fornecimento, entre outros”, informa Hayashi.
O setor, porém, já dá sinais de adesão à nova tendência. Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), de 2019, apontam que 76% das empresas brasileiras já buscam alguma forma de economia circular, tais como o reuso de água, reciclagem de materiais e logística reversa. A mesma fonte aponta que 88% dos empresários brasileiros consideram a economia circular importante para a indústria nacional, contribuindo para a geração de empregos.
Para completar, a transição com sucesso para uma economia circular também exige mudança de atitude de toda a sociedade. “O papel dos consumidores, sua responsabilidade e consciencialização são igualmente fundamentais. Procura gera oferta”, conclui Leitão.
Veja mais:
Após 10 anos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, destino do lixo ainda é desafio