Os critérios para o pagamento de impostos e transferência de valores arrecadados são os objetivos da reforma tributária, discutida atualmente na Câmara dos Deputados e Senado Federal.

“No campo do pagamento de tributos, ela define quem paga, quanto e por quê. Do lado da transferência de recursos, estipula-se quem arrecada e o destino dos valores”, resume o advogado e representante do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), André Lima.

Em agosto de 2020, a Frente Parlamentar Ambientalista – que reúne deputados e senadores de diferentes partidos – e um movimento de 12 entidades da sociedade civil lançaram uma proposta de Reforma Tributária Sustentável.

Além da simplificação da carga de impostos e de trazer para o debate a justiça social – ou seja, quem ganha pouco, paga menos tributo –, a medida faz da sustentabilidade um eixo estruturante da proposta.

“Defendemos que, assim como quem tem maior renda deve pagar proporcionalmente mais imposto, aquele que polui e degrada a qualidade ambiental, também”, sintetiza o professor de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador de política ambiental, Carlos Eduardo Young.

Ele aponta que tal premissa ganha os nomes de poluidor-pagador e protetor-receptor. “Isso já ocorre nos 18 estados que adotam o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) Ecológico. Eles estipulam critérios para a distribuição de recursos, premiando os municípios que melhoram a proteção ambiental. Com isso, estimulam boas iniciativas”, aponta.

Concorrência desleal

A justificativa para cobrar instituições que degradam a natureza é que prejudicam também a economia e a saúde por consequência.

“A poluição atmosférica provoca aproximadamente 100 mil mortes por doenças cardiorrespiratórias nas regiões metropolitanas do país. Quem paga essa conta é o Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, todos nós cidadãos contribuintes”, exemplifica Lima.

Enquanto isso, “indústrias de automóvel e de combustível lucram com a emissão de gás carbônico na atmosférica. Setores que justamente hoje contam com incentivo tributário e pagam menos impostos. O mesmo ocorre com produtores de agrotóxicos”, denuncia.

Com a reforma tributária, o maior valor cobrado dessas categorias financiaria transportes coletivos, com fontes de energia renováveis e a saúde pública.

Para completar, ainda evitaria que agricultores e indústrias sustentáveis saiam prejudicados na guerra de preços contra aqueles que exploram o meio ambiente de forma predatória.

“A madeira sustentável, por exemplo, exige que o produtor espere trinta anos para explorar uma área que sofreu retirada de árvores. Ele não conseguirá o mesmo preço daquele que desmata locais protegidos e que faz o corte raso no tronco das árvores, impedindo-as de crescer novamente”, ilustra Young.

“O mesmo vale para produtores de grãos e pecuaristas que desmatam e provocam embargos dos produtos brasileiros exportados”, analisa o economista.

Unificação de impostos

Para Lima, diversos fatores fazem com que aprovação da reforma tributária verde seja urgente, principalmente a falta de recursos. Segundo ele, desde 2019 os órgãos do governo federal responsáveis por fiscalização – o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – investem 40% a menos em fiscalização.

“O Fundo Amazônia [com verba doada por países europeus] para a proteção ambiental está com R$ 2 bilhões parados. E há a lei do teto dos gastos, que impede o aumento no investimento na gestão pública até 2036”, acrescenta. Em razão de medidas tomadas pelo governo Bolsonaro, como a extinção do Conselho Orientador do Fundo Amazônia, deixando os valores pendentes de uso.

Outro fator é que desde a Constituição de 1988, os municípios ganharam responsabilidade em temas como fiscalização ambiental, demarcação de áreas protegidas e licenciamento.

“Motivo pelo qual cidades que cumprirem critérios ecológicos devem receber mais investimento”, opina o advogado.

A origem dos recursos deve ser definida pelo legislativo. Assim, para viabilizar a reforma tributária sustentável, o movimento das 12 entidades da sociedade civil que construiu a proposta indica a destinação de um percentual do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – atualmente discutido na Câmara – para financiar as ações verdes de cidades e estados.

A proposta é que tal tributo reúna cinco impostos atualmente em vigor: os federais, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); o estadual ICMS e o municipal Imposto Sobre Serviços (ISS).

Apoio popular

Para ser aprovada, a reforma tributária deve ser votada duas vezes tanto na Câmara quanto no Senado, com quórum de 3/5 de parlamentares. Motivo pelo qual a comissão que avalia a pauta é mista, contendo parlamentares das duas casas.

Segundo Lima, porém, o envolvimento de deputados e senadores nas eleições municipais das suas regiões fará com que o tema seja esquecido este ano. “A discussão ocorrerá fortemente no primeiro semestre de 2021”, prevê.

A falta de apoio político, desconhecimento da população sobre o tema e seus impactos, e baixo apoio popular são fatores que colocam o projeto em risco.

“Para participar, o cidadão pode cobrar os deputados e senadores nos quais votou a se comprometerem com a proposta, acompanhar e divulgar as ações da Frente Parlamentar Ambiental e o Movimento pela Reforma Tributária Sustentável”, recomenda Young.

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