Dark kitchens são cozinhas que vendem comida por meio de serviço de entrega sem acesso de público para consumo no local.

“O modelo já existia no século passado, mas aumentou a partir da pandemia, quando houve maior demanda por parte de consumidores”, descreve o pesquisador do Laboratório Multidisciplinar em Alimentos e Saúde (LabMAS) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Diogo Thimoteo da Cunha.

“No Brasil, especificamente, há um contexto cultural de pessoas venderem comida como complemento de renda, que é diferente de outros países”, complementa.

Segundo o professor, a dark kitchen é pensada para redução de custos. “Como não possuem ‘fachada’, recepcionista etc., ela consegue baratear a produção, oferecer ingredientes de maior qualidade e aumentar a margem de lucro”, contextualiza.

Formatos diversos

Cunha liderou uma pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em 2022, que apontou 1/3 dos estabelecimentos cadastrados no principal aplicativo de entrega de comida como dark kitchens. O estudo é uma parceria com instituições da Inglaterra e Polônia, que também buscam entender como se dá esse modelo de negócio em seus respectivos países.

“No Brasil, há diferentes formatos de dark kitchens: os grandes centros (hubs) que disponibilizam boxes de cozinhas individuais para aluguel; restaurantes que fecham as portas à noite e viram hamburgueria e, principalmente, as domésticas”, relata.

“Essas são uma tendência exclusiva da cultura brasileira e incomum em outros países. Quem não conhece alguém que faz pão ou bolo em casa para vender?”, apresenta.

Cunha explica que as dark kitchens domésticas acendem um alerta por não serem fiscalizadas pela vigilância sanitária e por não seguirem protocolos de higiene para a produção, armazenamento, congelamento, descongelamento de alimentos, entre outros.

“Um ambiente doméstico é diferente. Pode haver animais de estimação circulando; o que sobra da comida da família pode ser reaproveitado nos pratos vendidos; a capacidade de refrigeração de uma geladeira comum é inferior etc.”, aponta.

Problemas sociais e ambientais

Em 2020, moradores de dois bairros residenciais de São Paulo (SP) foram surpreendidos com a criação de grandes estabelecimentos que ofertavam mais de 30 boxes individuais de cozinhas para alugar.

“Inauguraram um galpão com maquinário pesado e chaminés sem isolamento acústico ou filtros naquele momento. Era o barulho de uma turbina de avião ininterrupto, além da gordura lançada sobre as casas e motoboys circulando”, relata o gerente comercial e morador da Vila Leopoldina, bairro da zona oeste paulistana, Marcus Rosier.

“Em nosso bairro, o empreendimento foi instalado sem recuo, fazendo divisa com a parede dos prédios e com as chaminés direcionadas às varandas. Havia o uso da via pública como estacionamento de motos”, relata o empresário e morador do bairro Brooklin José Roberto Villa Nova.

De acordo com Cunha, esses empreendimentos escolhem bairros majoritariamente residenciais por oferecerem aluguéis mais baratos e proximidade dos consumidores. Já a coordenadora do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Viviane Manzione Rubio, explica que as dark kitchens se aproveitaram da ausência de legislação sobre o tema nos planos municipais para se instalar nessas regiões.

“Em todas as cidades, é necessário observar a lei de zoneamento para saber se o tipo de atividade pode ser instalado no local desejado e o nível de incômodo gerado. No caso, as dark kitchens são venda de alimentos, mas também indústria”, analisa.

“Um licenciamento para isso precisaria prever se a região conta com estrutura de água, energia elétrica e rede de esgoto para recebê-lo. Uma irregularidade comum, por exemplo, é que a chaminé precisaria estar pelo menos cinco metros acima do telhado mais alto das casas e prédios dentro de um determinado raio, o que não ocorre”, ilustra Rubio.

Além disso, Cunha explica que o tratamento de esgoto da dark kitchen é diferente da caixa de gordura de uma casa residencial. “O fluxo de gordura é bem maior, podendo provocar entupimentos e vazamentos”, alerta.

União influenciou nova lei

Rosier afirma que há problemas invisíveis que preocupam os moradores vizinhos de grandes dark kitchens. “Fizemos diferentes laudos para entrar com ação no Ministério Público. A fumaça exalada pode ser cancerígena; há maior risco de vazamento de gás e incêndio, e o aumento de gordura despejada no esgoto do bairro pode aumentar pragas, como ratos e baratas”, compartilha.

Em São Paulo (SP), a união dos moradores garantiu audiências públicas na Câmara dos Vereadores e a aprovação da Lei 17.853/2022, que regulamentou essas edificações. Entre as previsões, os estabelecimentos precisam de estacionamento para embarque e desembarque de entregadores.

“A legislação tentou um meio termo entre moradores e empresas. Por um lado, impede que novos empreendimentos assim sejam construídos. Estipula que o tamanho máximo seja 500 m para 10 cozinhas. A minha vizinha, por exemplo tem 998 m e 34 boxes”, compara Rosier.

“Porém, ela não tem carácter retroativo, fazendo com que os moradores ainda lutem para que as dark kitchens instaladas antes da regulamentação serem transferidas para zonas industriais”, destaca.

Futuro da dark kitchen

Cunha explica que regularizações urbanísticas e sanitárias são importantes porque as dark kitchens “vieram para ficar”. “O consumidor tem demandada esse modelo de serviço pelo custo e comodidade’, justifica.

“Para o futuro, não me surpreenderia vermos grandes redes de fast food migrando para o modelo de dark kitchen também”, vislumbra Cunha.

“Porém, elas não são isentas das leis sanitárias e não se deve criar uma legislação exclusiva para dark kitchens, visto que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já estipula o mínimo para evitar contaminações”, conclui.

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Atualizado em 29/11/2023, às 10h08.

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