A alienação parental é tida como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida por um dos genitores ou terceiros, como avós, com a intenção de prejudicar a relação desse menor com o outro genitor.

Ela é regulamentada pela Lei nº 12.318/2010, que se baseou na síndrome de alienação parental, termo criado pelo psiquiatra estadunidense Richard Gardner na década de 1980. Sua chegada ao judiciário brasileiro visou reduzir o uso emocional de menores em divórcios e conflitos por guarda.

“De acordo com a lei, a alienação parental pode se manifestar em campanha de desqualificação de um genitor; dificultar o exercício da sua autoridade ou da convivência familiar; omissão de informações importantes sobre a criança ou adolescente e apresentar uma falsa denúncia contra ele”, descreve a mestra em psicologia social Camila Pires.

“No livro ‘Referências Técnicas para a atuação de psicólogos(as) em Varas de Família’ (2019), do Conselho Federal de Psicologia (CFP), os termos ‘alienação parental’ e ‘síndrome da alienação parental’ se baseiam em critérios de vingança, comportamento doentio do guardião e na ideia de que a criança seria portadora de uma doença”, analisa a psicóloga.

A lei, porém, é amplamente criticada com pareceres negativos de entidades como o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), CFP, ONU Mulheres, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP).

Termo carece de rigor científico

“Apesar de ter sido cunhado há mais de 40 anos, não existem dados seguros ou pesquisas que comprovem essa síndrome, como disposto na lei”, explica a defensora pública especializada em famílias e sucessões de Luziânia (GO) Maria Eduarda Larcher. “Ou seja, o conflito e a disputa no divórcio existem, mas não a síndrome”, acrescenta.

A síndrome da alienação parental não é reconhecida pelo Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), da Associação Americana de Psiquiatria, ou pela Classificação Internacional de Doenças (CID 11).

“Nem há discussões qualificadas em publicações científicas sobre o tema”, informa Pires.

Segundo a psicóloga, os conceitos estabelecidos na síndrome da alienação parental se baseiam em posições cristalizadas de que há uma vítima (alienada), um algoz (alienador) e que a criança foi submetida a uma lavagem cerebral, ou programação mental, ou falsas memórias.

“Esse entendimento da criança como um mero receptáculo se contrapõe aos estudos da psicologia”, completa.  

Lei pode expor mulheres e crianças à violência doméstica

Outra crítica é que a lei pode silenciar denúncias de abusos e violações contra crianças e adolescentes que acontecem na família. Isso porque, caso mães e cuidadores que desconfiam da violência não consigam provar a queixa, eles podem ser enquadrados como alienadores por falsa denúncia.

“A lei vai contra todo o arcabouço de proteção da criança existente no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que afirma poder suspeitar e denunciar. A apuração é realizada pelas autoridades, não cabendo à mulher denunciante coletar provas”, contrapõe a defensora pública.

“Muitas violências por ocorrerem no interior da família são difíceis de provar e isso não significa que não existam. O resultado é que mulheres deixam de denunciar e os próprios agressores já usam a lei da alienação parental para se protegerem”, denuncia Larcher.

Segundo Pires, a lei não contribui para a proteção integral de crianças e adolescentes, podendo agravar condutas violadoras. “Em casos abusivos, ampliar o regime de convivência ou alterar a guarda pode significar expor menores à convivência com quem os violenta”, exemplifica.

Judicialização de questões familiares

Conflitos familiares que não precisariam estar na justiça passam a sobrecarregar o judiciário por meio da lei da alienação parental. Em seu mestrado, Pires apontou um aumento de disputas familiares no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), quando o intuito da lei seria justamente o oposto.

Um dos motivos é a banalização do termo. “Por exemplo, o trecho da lei que adverte sobre ‘realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor’ foi socialmente traduzido como ‘falar mal’ do ex-cônjuge. Isso foi assimilado inclusive por profissionais de proteção e defesa dos direitos da criança”, alerta a psicóloga.

Para Larcher, tais conflitos poderiam ser resolvidos de forma conciliatória ou via outras legislações existentes, como a lei da guarda compartilhada.

“Já a lei da alienação parental exige que o judiciário disponibilize um arcabouço técnico para averiguar se houve ou não alienação parental”, lamenta.

Outro ponto é que a resolução do conflito entre os envolvidos tão pouco é garantida.

“Conflitos familiares ocorrem quando uma relação conjugal acaba. Ao trazer isso para a justiça e com pena de sanções, agrava-se uma situação já sensível”, reflete.

De acordo com Pires, a lei ignora que cada família tem uma história única. “Ela aniquila a escuta qualificada dessa família e não promove a mediação do conflito. Em detrimento de outras formas de pacificação, pune-se”, enfatiza.

“Será que os conflitos relacionais estarão sanados depois da punição? Alienando um dos genitores do convívio com os filhos, a legislação garantirá o direito ao convívio familiar?”, questiona a psicóloga.

Por essas razões, nota técnica do CFP de 2022 recomendou aos psicólogos não se restringirem à análise da presença ou ausência da alienação parental nos conflitos familiares.

“Mas que considerem as relações e questões sociais que permeiam a vida privada dessas famílias”, compartilha Pires. 

Criminalização da mulher

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2023), 54% das guardas dos filhos eram apenas de mulheres em 2021, contra 34,5% de guardas compartilhadas e 3,6% de guarda exclusivamente paterna.

“Quando essa mulher decide se divorciar e pleiteia na justiça regularizar esse papel de cuidado na separação, ela pode ser lida pelo prisma de ser implicância. Resgata-se um estereótipo de que ela é irracional, histérica ou age motivada por ciúmes, vingança ou raiva. Isso compromete o acesso da mulher à justiça”, lembra Larcher.

“Além disso, apesar da lei trazer uma aparente neutralidade, a maioria dos julgadores de mulheres são homens, e estamos todos inseridos em uma sociedade machista”, alerta a defensora pública.

Veja mais:

O que é misoginia?

O que é feminicídio?

Atualizada em 02/10/2023 às 13h06.

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