Leonardo Valle

A intervenção militar no Rio de Janeiro (RJ) foi anunciada pelo governo federal em fevereiro de 2018 como alternativa contra o crime e o tráfico de drogas no estado. Até o final deste ano, o general do Exército Walter Souza Braga Netto comandará a Secretaria de Segurança, Polícias Civil e Militar, Corpo de Bombeiros e sistema carcerário. Além disso, o general Joaquim Silva e Luna assumiu o Ministério da Defesa. Durante todo o período democrático no Brasil, apenas civis estiveram à frente da pasta.

Mas será que a intervenção militar é uma solução? Para a professora do departamento de segurança pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), Jacqueline de Oliveira Muniz, a resposta é negativa.

“As Forças Armadas têm um papel na segurança pública que é constitucional. Elas fazem o controle aéreo, marítimo e territorial de fronteiras. O que está sendo discutido é seu mau uso, devido aos interesses políticos, partidários e eleitorais, que desvia a função dessas tropas. Esse é o debate que não está explícito para a população”, denuncia. Segundo a pesquisadora, desde a década de 1990, as Forças Armadas foram utilizadas em grandes eventos do estado e em momentos de crise, sem gerar resultados no combate ao crime.

“O ideal em relação à segurança é realizar um processo e uma intervenção pequena no dia a dia. A questão é que isto não dá visibilidade, é mais barato e trivial. Além disso, a origem do problema da segurança é a busca de resultados de curto prazo que tem o sentido de fabricar resultados eleitorais. E é evidente que pra chegar no resultado eleitoreiro atua-se com tiro, porrada e bomba”, resume.

O professor da Universidade Federal do ABC (Ufabc) e cientista político, Vitor Marchetti, também vê as eleições como o principal motivo do governo para decretar a intervenção militar. “O Rio de Janeiro não é o estado do Brasil com piores índices de criminalidade, mas é o que mais tem visibilidade midiática. Nesse cenário nebuloso, há algumas hipóteses. A necessidade do presidente Michel Temer de se eleger em algum cargo para garantir foro privilegiado, uma vez que ele e pessoas do alto escalão do seu governo foram denunciadas por corrupção”, contextualiza. “Além disso, Temer se alinhou a setores liberais para ocupar a presidência e não conseguiu entregar o que prometeu a essas pessoas. Assim, há a necessidade de buscar pautas positivas junto a opinião pública”, analisa.

Intervenção social

Para Muniz, além da violência, a intervenção militar não atua em questões profundas relacionadas à chamada guerra aos entorpecentes. “É fundamental que se discuta uma nova política de drogas, pois a repressão adotada nos últimos 30 anos só multiplicou cadáveres e enriqueceu os senhores da guerra”, enfatiza. “Mas não há receita pronta para a segurança ou pacotes fechados. Daí a importância de políticas públicas intersetoriais que possibilitem prevenção social de situações de violência”, acrescenta.

Opinião semelhante possui o presidente da Federação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj), Rossini Diniz. Para prevenir a violência, ele defende uma “intervenção social”. “São necessárias políticas de emprego e moradia. Já em relação às drogas, o tráfico sobrevive graças à corrupção policial, que não é combatida”, opina.

De acordo com Rossini, o exército é despreparado para lidar com o cidadão comum, que vive nos morros. “A prova disso é a ocupação que ocorreu no Complexo da Maré por mais de um ano. Gastaram R$ 700 mil por dia, sem resultados. Deixaram na comunidade sequelas e violações de direitos humanos”, denuncia.

Periferia é alvo

Outra preocupação dos especialistas é a falta de clareza do governo e das Forças Armadas sobre a ação dos militares. “O que se tem são informações fragmentadas, trazidas ao público de forma descontínua. Isto impede a transparência e a prestação de contas. Impossibilita que possamos avaliar se a experiência está indo bem ou não e como aperfeiçoá-la”, adverte Muniz.

Para Marchetti, a população negra, pobre e moradores da periferia serão os mais atingidos. “Os mandados de busca e apreensão coletiva e as mortes por policiais não vão ocorrer em áreas nobres do Rio, mas na periferia, onde vivem as pessoas à margem da sociedade”, lamenta. “Além disso, vemos no atual governo uma diminuição na alimentação de dados vinculados à transparência. Isso também enfraquece direitos”, completa.

Para a Faferj, o histórico da atuação das Forças Armadas nas comunidades do Rio faz com que o desvio de condutas por parte dos militares já seja esperado. Contra isso, a instituição organizou grupos de trabalho para monitorar e colher informações sobre a ação das tropas.

“A grande maioria dos moradores das favelas é de cidadãos trabalhadores. Eles não querem ser revistados, fichados, fotografados, constrangidos ou verem a mochila dos seus filhos serem reviradas com brutalidade”, finaliza.

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