São sete horas da noite de uma sexta-feira quando Márcio*, de São Paulo (SP), posta no grupo de WhatsApp “Bora que dá” ser este o seu segundo dia sem cigarro depois de dez anos consecutivos fumando. “Estou com uma enxaqueca terrível desde que acordei. Força para todos nós”, desabafa. Assim como ele, outras 170 pessoas de diferentes lugares do Brasil e até de fora se reúnem nesse espaço virtual. Em comum, buscam abandonar o tabagismo e usam o aplicativo de mensagens para se apoiarem.

Foi o caso da secretária Luciana Bleichvel, 47, de São Leopoldo (RS), que descobriu a iniciativa há um ano e meio por um post no Facebook. Na ocasião, acumulava três décadas de tabagismo. “Quando ficava na fissura e prestes a comprar um maço, alguém que estava online me dava força e me acalmava. Somos um por todos e todos por um”, descreve ela, que hoje comemora 500 dias sem fumar, dez mil cigarros evitados e R$4 mil economizados. Para ela, estar ao lado de pessoas que entendem seus desafios é um diferencial do grupo. “Lembro-me de sentir uma tristeza grande quando parei de fumar”, confessa.

A diarista Liliane*, de Santa Maria (RS), descobriu o link da iniciativa ao buscar no Google formas de amenizar a abstinência. “Logo que entrei, estava desesperada por um cigarro. Deram-me força e explicaram que aquilo era normal. Que piorava nos primeiros dias e uma hora passava. Indicaram livros e vídeos que ajudaram no tratamento”, lembra.

Fortalecimento emocional

Sejam virtuais ou presenciais, grupos de tabagistas podem funcionar de maneira terapêutica. “É um espaço sem cobranças, julgamentos e no qual as pessoas se sentem à vontade para compartilhar seus desafios”, justifica o farmacêutico e mediador de grupos de fumantes, Fábio Alencar.

Outros benefícios incluem fortalecimento emocional e contato com exemplos que podem inspirar. “Quando percebo que existe um caminho com resultado positivo já trilhado por alguém, isso aumenta a minha motivação”, sintetiza o psicólogo clínico e social, Robson Girardello. Para completar, há sentimentos de coletividade e acolhimento. “Cada passo positivo terá um reforço e, na recaída, sei que haverá pessoas para me ‘puxar para cima’”, completa Girardello.

O massoterapeuta Sílvio Duarte, 34, de Joinville (SC) parou de fumar em 2017. “Naquela época, fiz um diário por vídeos no Youtube e interagia com quem comentava”, revela. Hoje, ele participa do grupo de WhatsApp “Unidos para Vencer”, estimulando os novatos. “Quem está há 45 dias sem fumar já pode relatar algo que ajudará aquele que completou três dias”, garante. “É importante ter contato com quem sabe que aquilo não é frescura ou mera fraqueza”.

Mika*, 44, é autônoma e vive em uma cidade de 50 mil habitantes de Minas Gerais. Começou a fumar com 12 anos, em brincadeiras com colegas. No grupo, sente-se tranquila para postar quando recai e conta as estratégias que utiliza para tentar se manter motivada. “Hoje compartilhei uma tática simples: comprar algo para mim com o dinheiro que economizarei dos maços”, alegra-se.

Modelos diversificados

Grupos virtuais, contudo, não são para todos. “Depende do quanto eu estou disposto a interagir com os outros. O anonimato da internet pode ser um facilitador para pessoas com vergonha de se exporem”, assinala Girardello. Há, no entanto, quem necessite de vínculos afetivos mais sólidos e se adapte melhor à versão presencial. “Ela é oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com entrada via Unidade Básica de Saúde (UBS)”, orienta Alencar. Dura aproximadamente três meses e com possibilidade de acompanhamento médico e medicamentoso, se necessário.

“O primeiro e mais importante passo é a mudança de comportamento. A medicação vem em um segundo momento”, desmistifica o mediador. Há, ainda, casos em que o modelo coletivo — virtual ou presencial — será ineficaz. “Tem pessoas que não conseguem motivação pelo exemplo do outro, ou seja, a experiência de um terceiro não será um estímulo”, alerta o psicólogo. A psicoterapia, nesse caso, é indicada. Duarte, por exemplo, aliou o apoio recebido dos amigos da internet com sessões de terapia. “Percebo que o cigarro pode ser sintoma de outras coisas, como ansiedade e depressão. Por isso, a terapia é bem-vinda”, opina.

Link para o grupo “Bora que Dá”

Link para o grupo “Unidos para Vencer”

* Alguns nomes foram alterados a pedido dos entrevistados

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