1Leonardo Valle
Há mais de dez anos, os pacientes do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), da Prefeitura de São Paulo (SP), contavam com um projeto social de geração de renda a partir de livros doados e consignados por editoras. “Os assistidos, geralmente pessoas com sofrimento psíquico e que não conseguiam se encaixar no mercado formal, levavam os livros para vender em eventos, congressos e aulas públicas”, conta a terapeuta ocupacional, Denise Laizo.
Em 2016, com a criação do Ponto de Economia Solidária do Butantã, o projeto ganhou a oportunidade de ter uma sede fixa. Surgia, assim, a livraria Louca Sabedoria. Para ajudar a reorganizar a iniciativa, o espaço contou com o auxílio da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP), da Universidade de São Paulo (USP).
“Houve um olhar para o que precisávamos, com ajuda para organizar a contabilidade e a desenvolver alternativas de complemento de renda, entre elas rodas de leitura e saraus. Como muitos dos facilitadores aqui são da área de saúde, entendíamos pouco sobre a gestão de um empreendimento”, lembra.
Assim como acontece com a livraria Louca Sabedoria, projetos sociais de todo o país podem contar com o apoio de incubadoras de cooperativas populares ligadas a universidades. Aproximadamente 43 delas compõem a Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (Rede ITCP).
“O objetivo desse tipo de incubadora é transformar o trabalho e o saber de um grupo ou comunidade em um produto”, explica a coordenadora executiva da ITCP da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eliane Ribeiro.
“A instituição de ensino transfere esse conhecimento para a população e capacita um determinado grupo para que seu saber vire um negócio. Com isso, gera trabalho e renda para uma parcela da sociedade que necessita”, resume.
Os desafios, contudo, são muitos. “A universidade não tem verba e não cobramos das cooperativas porque são projetos de grupos em situação de vulnerabilidade social. Essas instituições se mantém quando contempladas por editais de fomentos e por parcerias”, pontua a engenheira.
Igualdade e cooperação
Segundo Ribeiro, a lógica das incubadoras de cooperativas populares é diferente da de empresas. “As startups ficam efetivamente dentro das incubadoras. Nós não temos espaço, então vamos até os grupos”, explica. “Além disso, compartilhamos dos princípios e valores do cooperativismo social: todos os membros são iguais, não há patrão, a gestão eleita deve ser a mais democrática e participativa possível e o resultado final favorece a todos os cooperados. Eles exercem a cooperação e a autogestão para serem autossustentáveis”, ressalta.
Em atividade desde 1995, a ITCP da UFRJ ajudou projetos como o Papel Pinel, que atua no Instituto Municipal Philippe Pinel, no Rio de Janeiro (RJ). “Na década de 90, houve um debate com os pacientes do hospital psiquiátrico sobre geração de renda. Eles não conseguiam empregos formais porque precisavam faltar para ir ao médico, a medicação provocava sonolência e era difícil trabalhar oito horas seguidas, sem pausa”, relata a psicóloga e coordenadora da iniciativa, Esther Marco Wenna.
O ITCP primeiramente ajudou a instalar uma cooperativa de produtos alimentícios no espaço. Para diversificar as atividades, anos mais tarde, Wenna resgatou uma antiga máquina de reciclar papéis. “A incubadora ajudou no trabalho de se pensar o plano de negócio, a gestão e os trabalhadores serem sujeitos dessa ação”, conta.
Ela logo percebeu também que o projeto possuía uma função terapêutica para quem participava. “Havia muitas caixas de medicamento no ambulatório e a gente recolhia as bulas descartadas para a reciclagem. De repente, aquilo que todo mundo descartava e temia se transformava em algo colorido e bonito. Era simbólico para o processo dos participantes, que passavam a se sentir valorizados”, diz.
“Ter uma cooperativa em um hospital está alinhado ao nosso compromisso de reduzir as internações ao máximo, de ajudar o assistido a exercer seu direito de cidadão, de não ser isolado do convívio social, de poder contar com serviços abertos, de morar com a sua família e ter renda”, complementa.
Mesma opinião possui Laizo, da Livraria Louca Sabedoria. Ela enxerga melhora no desenvolvimento dos pacientes que atuaram no projeto após a valorização do seu trabalho. “Muitos ganham autonomia para pegar um ônibus ou melhoram sua comunicação”, aponta. Atualmente, a livraria também emprega pessoas da comunidade em situação de vulnerabilidade social e jovens que cumprem medidas socioeducativas.
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Crédito das imagens: reprodução Facebook Papel Pinel