Produtos naturais e alimentos orgânicos costumam ser mais caros e difíceis de encontrar no varejo. Uma forma de democratizar seu acesso é quando um grupo de pessoas se reúne para comprar grandes quantidades desses itens diretamente do produtor. As chamadas “compras colaborativas” possuem, hoje, como apoio redes sociais, entre elas Facebook e WhatsApp, que facilitam o encontro e a interação de pessoas desconhecidas, mas com interesses em comum.

Esse foi o caso do grupo virtual Comida da Gente, iniciativa pioneira idealizada por Tatiana Dutra em 2013. Vegetariana e consumidora de orgânicos, ela retornou ao Rio de Janeiro (RJ) após morar no exterior e se deparou com um cenário de poucas opções e preços altos, quando descobriu um produtor de tomates orgânicos de outra cidade.

“Ele enfrentava dificuldades de vender sua safra porque não tinha o selo de orgânico e por não conseguir acessar distribuidoras, feiras e varejo, correndo o risco de perder o plantio”, relembra.

Como o agricultor necessitava de uma quantidade mínima de pedidos para pagar o transporte entre municípios, Dutra reuniu amigos e parentes por meio da sua conta pessoal no Facebook. A primeira compra resultou em 20 kg vendidos. 

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“Nas semanas seguintes, chegaram mais pessoas e vendemos 300k g. Fundamos um grupo na rede social, criávamos pontos de entrega em lugares estratégicos na cidade ou aproveitávamos o percurso das pessoas para o trabalho. Meu marido, por exemplo, levava os pedidos para a sua empresa em Niterói (RJ).”

Criando pontes

A safra do tomate acabou e Dutra conheceu um produtor de um arroz integral orgânico de uma marca conhecida do interior de São Paulo (SP). Ele se disponibilizou a vender pela metade do preço de varejo. “Foi aí que o grupo se tornou um sucesso e começaram a entrar pessoas de fora da nossa rede”, descreve.

Grupo permite o relacionamento direto entre consumidores e produtores (crédito: arquivo pessoal)

Os próprios participantes passaram a criar suas listas, assim como produtores do entorno começaram a oferecer seus alimentos. “Se alguém queria comprar quinoa e outro participante sabia onde vendia, eles mesmos abriam uma lista. As dinâmicas tornaram-se as mais variadas possíveis”, revela.

Para completar, uma reportagem de televisão fez o grupo saltar de sete mil para 30 mil participantes. De acordo com a idealizadora, isso aumentou os ganhos sociais da iniciativa. “Conseguimos que orgânicos chegassem a pessoas da periferia, que desejavam consumi-los, mas não conseguiam pelos altos preços”, comemora.

“Do outro lado, produtores artesanais encontraram um público para vender sua safra a preço justo”, diz.

Como o pagamento é realizado adiantado, os agricultores têm segurança. “Eles trabalham na roça durante os dias úteis e vendem nas feiras aos finais de semana. Caso não consigam consumidores ou enfrentem uma chuva, podem perder todo o trabalho. O modelo de internet também dribla a burocracia exigida para criar ou participar de feiras”, contextualiza.

Na lista de ganhos ambientais, há uma menor emissão de gás carbônico ao transportar mais produtos de uma única vez. “E há mais pessoas consumindo alimentos que não demandam agrotóxicos na sua produção”, acrescenta.

Concorrentes unidas

Em São Paulo (SP), um grupo de WhatsApp reúne pessoas interessadas em comprar óleos essenciais, manteigas vegetais e outros insumos usados em cosméticos naturais. A iniciativa junta desde interessados em fazer seus produtos pessoais sem aditivos químicos, até pessoas cuja atividade é fonte de renda e terapeutas de aromaterapia e massagem.

“Um ganho ambiental é que mais pessoas passam a trocar cosméticos químicos, que são poluentes, por aqueles produzidos com matérias-primas naturais e que não prejudicam o meio ambiente”, aponta a professora de ioga e produtora de cosméticos naturais, Larissa Martins, conhecida por Silpii.

Economicamente, os produtos comprados saem até 10 vezes mais em conta do que quando adquiridos em lojas. “Por conta do preço, muitas de nós não conseguiríamos comprar se não fosse dessa forma”, justifica.

Ela lembra que, no passado, quem produzia cosméticos naturais eram pessoas de classes mais abastadas. “Hoje, metade do grupo são mulheres da periferia que dependem da compra para viabilizar seu trabalho”, compara.

“Outro ponto é que poderíamos nos considerar ‘concorrentes’, mas, na prática, nossa união é o que garante que todas possam acessar os produtos e desenvolver seu trabalho”, ressalta.

A organização, contudo, é trabalhosa e realizada por poucas voluntárias. Elas organizam as listas de compras, cotam as empresas onde cada produto é mais barato, recolhem o dinheiro, dividem os depósitos em diferentes bancos, efetuam a compra e – ao final – se reúnem para fracionar os pedidos e distribuir. “Compramos em litros e dividimos em potes de 50 ml”, ilustra.

Desenhe sua rede

Para criar um grupo de compra coletiva de produtos naturais e orgânicos, o primeiro passo é construir uma rede de contatos. “Mapeie as necessidades dos amigos e parentes e crie seu catálogo de produtos. Depois, orce o valor com produtores e veja o fluxo das compras – se semanais ou mensais”, ensina Dutra.

Primeiro encontro dos organizadores do Comida da Gente, realizado em 2018 (crédito: arquivo pessoal)

O maior desafio, claro, é a organização, que exige tempo e energia. “Conforme o grupo foi crescendo, problemas começaram a surgir e chegamos a criar uma plataforma com mais ferramentas, mas que precisou ser descontinuada por falta de recursos”, diz a idealizadora do Comida da Gente, que hoje tem 40 mil participantes.

“Para organizar, hoje, postam os pedidos somente pessoas e produtores autorizados. Além disso, estudo formas de remodelar o modelo usando novas ferramentas do Facebook”.

Silpii ainda destaca a importância de uma boa comunicação, escuta, paciência e de dar espaço para todos participarem. “Nem sempre, há um número de voluntários disponível para dividir o trabalho. De toda forma, é importante entender que quem apenas está lá para comprar também colabora, pois permite que uma compra que beneficiará a todos aconteça.”

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