O Slam é uma disputa de poesia falada, na qual os participantes apresentam seus textos e são avaliados por jurados da plateia. No Brasil, há mais de duzentas batalhas, que aconteciam nas ruas antes da pandemia. Algumas delas migraram para o ambiente virtual e acabaram atingindo mais pessoas.
É o caso do Slam da Guilhermina, organizado pelo escritor Emerson Alcalde.“Começaram a vir poetas de outros estados brasileiros: Acre, Pernambuco, Rio Grande do Sul e até de outros países que falam português, como Angola e Moçambique”, aponta o slammaster. Neste podcast, Alcalde destaca que os coletivos usam a poesia falada como instrumento de denúncia e resistência.
O áudio traz também alguns participantes, como um jovem poeta de Moçambique e Lucas Koka Penteado, que é um dos responsáveis pela popularização do Slam Resistência, outro que está promovendo disputas pela internet.
Veja mais:
Plano de aula: Slam, poesia falada
Música: “Trap Picasso”, com Verified Picasso
Emerson Alcalde:
Slam é um ruído, é um som, é o ‘pow, pah’ dos quadrinhos, quando fecha a porta. Aquilo é um Slam, né? Ele é muito utilizado no esporte, se usa Grand Slam, do tênis, do basquete, que é um campeonato um pouco mais estruturado, uma grande final. Em 86, o Marc Smith, em Chicago, colocou o Grand Slam da poesia. Aí ficou só Slam Poesia.
Emerson Alcalde, escritor e slammaster.
Vinheta Instituto Claro – Cidadania
Música instrumental, de Reynaldo Bessa, fica de fundo
Marcelo Abud:
O Slam, no Brasil, tradicionalmente acontece nas ruas. Mas, diante da pandemia do novo Coronavírus, como essa batalha de poesia tem feito para se manter ativa? Para entender esta adaptação para o ambiente virtual e o que deve acontecer quando o slam voltar para a rua, o Instituto Claro ouve o criador do Slam da Guilhermina, Emerson Alcalde. Ele começa explicando o que caracteriza as cerca de duzentas batalhas espalhadas pelo Brasil.
Emerson Alcalde:
Assuntos mais políticos, poesias um pouco mais diretas, um público mais jovem: skatistas, a molecadinha da escola ali que começou a frequentar o Slam. E os poetas passaram a fazer poesias pensando nesse público, né? Hoje o público do Slam e também os poetas são uma galerinha bem jovem, de 14 – 15 anos, até os 25 em sua maioria.
Felipe Nikito (SP), vencedor do Slam da Guilhermina de Julho de 2021, com poesia sobre Stevie Wonder:
Na infância
De pequeno, aprendeu baixo, piano, gaita
(cantarolando) Até cantava no coral, desde cedo genial
Em tempos de preconceito extremo
Ele era cego, preto e pobre
Mas era preciso mais do que força de vontade e talento
Era preciso sorte
E ele teve
Vai que vai, pequeno Stevie
O mundo não é uma maravilha
Mas o pequeno Stevie é Wonder
Marcelo Abud:
Esse é Felipe Nikito, de São Paulo, vencedor da edição de julho deste ano do Slam da Guilhermina. Alcalde afirma que hoje a versão online está funcionando muito bem, mas nos primeiros meses não foi fácil a adaptação da batalha para o ambiente da internet.
Emerson Alcalde:
Porque a dinâmica era outra: chama o poeta, o poeta levanta ali, vem, os jurados a gente escolhe na hora. “Quem quer ser jurado?” E a gente tentou fazer isso online e não deu certo. A pessoa entrava, saía…. Então a gente teve que mudar todo o formato de inscrição de poetas e de jurados. Então os poetas também se inscrevem na hora. Só que online a gente resolveu abrir um formulário Google, com uma semana de antecedência, e os jurados também a gente convida pela internet, pega o contato da pessoa e conversa antes – coisa que não acontecia presencialmente. E funcionou bem.
Marcelo Abud
Midria é do Paraná e foi uma das poetas do Slam da Guilhermina de Julho de 2021.
Midria (PR) no Slam da Guilhermina de Julho de 2021:
(cantando) Sai da frente com a sua intolerância
Que o meu axé vai passar
Vai se benzer, tomar um passe
Eu não mereço ouvir de você
Qualquer coisa que não seja o respeito, não me interessa
Estupros, assassinatos, invasões, roubos, colonizações inteiras, genocídio,
Não é nesse Deus que eu quero acreditar
Emerson Alcalde:
Mas assim que a gente abriu o formulário, começou a vir poetas de outros Estados brasileiros: do Acre, Pernambuco, Rio Grande do Sul e até de outros países que falam português, como Angola e Moçambique. E a gente resolveu, então, fazer um sistema também de divisão de vagas. Então a gente começou a dividir as vagas aí de São Paulo, outros Estados e também vagas para outros países. Então tem duas vagas para países lusófonos, principalmente Angola e Moçambique, que são os países que se inscrevem. Assim como também a questão do gênero, metade mulher, metade homem e não-binários também, né?
Marcelo Abud:
Mesmo antes da pandemia, o Slam já tinha alcançado um público mais amplo, por causa da publicação de vídeos gravados nas disputas e compartilhados na internet.
Emerson Alcalde:
Muita gente assiste, inclusive nos países lusófonos, africanos, quando eles participam com a gente eles falam: ‘oh, o meu sonho era tá aí, né, porque eu assisti o vídeo no Youtube’. Então a gente não sabia esse alcance, a gente não tinha noção que na África assistiam nosso Slam. Foi algo que já tinha esse impacto. Quando a gente foi pro online já tinha um público lá nas redes sociais, pessoas que não nos seguiam e iam no Slam, mas acompanhavam por vídeos que eram postados. E agora com as lives eles têm a possibilidade, inclusive, de participar. Quem for poeta pode participar como poeta ou como jurado, né, de uma maneira mais ativa. Mas o que foi feito antes nas redes sociais contribuiu para que hoje seja expressivo o Slam virtual.
Irmãos Poéticos de Moçambique (Slam da Guilhermina, Julho de 2021):
Eu sei que o mundo te julga mal
E que isso é tudo coisa da sua cabeça, tolice
Vivemos num mundo normal
Em que alguém com depressão, que se lixe
É tanta humilhação, mas eu tentei, meu irmão
Depressão não é capricho, não
É um estado que devasta a mente, alma e o coração
Marcelo Abud:
Esse é um dos Irmãos Poéticos de Moçambique, destaque da 7ª edição do Slam da Guilhermina. Se por um lado, a batalha de poesia no ambiente online ganhou uma nova dimensão, Alcalde prevê que, quando for possível, será muito importante voltar às ruas. No entanto, as edições em lives devem continuar em paralelo a isso.
Emerson Alcalde:
Vamos pra praça e fazemos como é de verdade e mantém uma edição extra, online, porque a gente está com uma dor no coração de ter quer abandonar esses poetas que nós conquistamos de outros E stados, de outros países. Toda edição tem sete, oito que se inscrevem, de Moçambique, principalmente. E se voltar presencial eles não vão estar, mas, ao mesmo tempo, tem o nosso público da rua, né, na Guilhermina, no território, que estão sem atividades. É o espaço do encontro o Slam, onde as pessoas vão para estar com outras pessoas.
Marcelo Abud:
O Slam também tem conquistado espaço nas livrarias. Só na Guilhermina já foram publicados 4 livros e outros dois vão ser lançados ainda este ano.
Emerson Alcalde:
Um deles é o protagonismo juvenil, poetas de 14-15 anos que participam do Slam interescolar. A gente selecionou poetas do Brasil todo, cada um com dois poemas. O Koka foi um convidado, ele teve uma expressão nas escolas enquanto era estudante, através de movimentos de ocupação escolar…
Trecho do filme “Espero tua (Re)volta” com Lucas Koka Penteado, no Slam da Resitência, em SP:
Ah, foi tão bom? Tão bom assim, homem branco, rico e hétero?
Foi bravo? De verdade?
Bravo você vai ficar
Quando eu pegar o seu lugar na faculdade
(público reage com entusiasmo)
Agora presta atenção…
Marcelo Abud:
Este é um trecho de vídeo em que Koka fala sobre a luta dos jovens para alcançar a universidade. Foi a partir destas gravações que Lucas Koka Penteado ganhou as telas de cinema no premiado filme de Elisa Capai, “Espero tua Re-volta”, de 2019, e passou a se identificar como um midiativista.
Lucas Koka Penteado:
Arte ativismo e o midiativismo, você utiliza dos meios de comunicação pra emponderar as pessoas e colocar na cabeça delas de que é possível que elas podem ser aquilo que elas quiserem. E isso meio que me liberta. Ao libertar, eu me sinto livre, né? É meio que eu faço uma letra pra explicar pro meu amigo a importância da luta que eu faço parte.
Música: “Era uma vez?” (Martin Andrade De Mendonca), com TRIPLX
Eu sei, que tem muito pra estudar
Porém, na academia da hipocrisia
A matéria que eu não entendia, eles querem tirar
Mas um dia eu chego na universidade.
Eles não tão ligado que a vida serviu de faculdade
Lucas Koka Penteado:
É isso que fez o Koka ser o Koka, eu já era de batalha de rap, eu já cantava, eu já dançava, eu já tinha me formado na Companhia de Teatro Satyros. Decidi usar isso como um dos veículos, né, o meu Cavalo de Tróia (risos).
Música instrumental, de Reynaldo Bessa, fica de fundo
Marcelo Abud:
Alcalde acredita que, quando a pandemia passar, o Slam vai voltar com força às ruas, mas não vai deixar de lado as transmissões ao vivo, que permitem o intercâmbio com participantes de outras partes do país e do mundo.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.