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Parentalidade suficientemente boa é um conceito que surge a partir do trabalho do pediatra e psicanalista britânico Donald Winnicott , como resultado da tese “A mãe dedicada comum”, de 1987. “Seria um jeito de ser pai ou um jeito de ser mãe que atende às necessidades do outro indivíduo, ou seja, consegue colocar as necessidades do outro à frente das suas próprias. Não vai ser possível o tempo todo, porque vai ter momentos em que você vai estar irritado, vai estar cansado, vai estar frustrado, e nesses momentos vai se colocar à frente das necessidades do seu filho”, explica o psicólogo Walter Mattos.

Entrevistado neste podcast, o especialista prefere o termo à chamada parentalidade positiva. Ele defende que mães e pais “suficientemente bons” são aqueles que estabelecem diálogos e buscam a convivência mais solidária e compreensiva. Nisso, aproximam-se também das bases da comunicação não-violenta .
“Esse encontro, fundamental nas relações maduras, nas relações de trabalho, só vai acontecer se houver essa parentalidade ‘suficientemente boa’, essa percepção de que o filho foi amado e reconhecido na sua potência pelas pessoas que fizeram o papel de mãe e de pai”, conclui.

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Transcrição do Áudio

Música: versão instrumental de “Retrato Cantado”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Walter Mattos
O caminho do crescimento é você encarar a sombra. É a consciência que me traz pra luz e não a rejeição. Eu acho que esses termos de positivo e negativo caminham muito no sentido sectário de você atribuir valores e se identificar com os valores positivos e projetar os valores negativos no outro. Então, ao invés de pensar num pai negativo, eu prefiro pensar num pai que não está conseguindo ser suficientemente bom. O que está ativo dentro dele que impede de ver a necessidade do filho? Aí eu caminho numa ética de aproximação, de inclusão.
Meu nome é Walter Mattos, psicólogo clínico, me especializei na Unifesp; Minha abordagem teórica é a psicologia analítica. Meu grande objeto de interesse é o desenvolvimento humano e eu junto essas duas coisas, sendo parte de um núcleo de estudos de desenvolvimento humano, da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
A educação com base em princípios da comunicação não violenta é aquela construída em aprendizados que se valem de respeito e diálogo. Há especialistas que têm chamado estas relações de parentalidade positiva. Walter Mattos explica, por que, em vez disso, prefere o conceito de parentalidade suficientemente boa.

Walter Mattos:
A forma de colocar, né, parentalidade positiva, é relativamente recente. Então ela está muito ligada a um espírito da época, que é um pouco rígido, no sentido de enxergar as coisas no preto ou branco, perde um pouco os tons intermediários; nesse sentido, ela não só é nova como eu te diria que ela é um pouco preocupante. A gente poderia dizer uma parentalidade “suficientemente boa”, meio que adaptando isso de um conceito de um psicanalista chamado Donald Winnicott, que diz da “mãe suficientemente boa”. É aquela que consegue fazer as funções maternas dentro das necessidades do filho, sendo boa, digamos assim, na maior parte do tempo.

Música: “Barriga de Fora” (Kleber Albuquerque)
Ô mãe,
Cuidaste bem da minha catapora
Hoje sou homem forte e agora
Posso seguir a minha solidão

Walter Mattos:

Acho que nenhum pai ou nenhuma mãe vão conseguir ser adequados o tempo todo. Seria necessário você ter muito equilíbrio e estar desprovido de absolutamente qualquer tipo de necessidade. Então consideraria que isso é praticamente impossível. Mas você ser adequado, “suficientemente bom”, é importante. Um jeito de ser pai ou um jeito de ser mãe que atende às necessidades do outro indivíduo. Ou seja, consegue colocar as necessidades do outro à frente das suas próprias necessidades. Não vai ser possível o tempo todo, porque vai ter momentos em que você vai estar irritado, vai estar cansado, vai estar frustrado, e nesses momentos você vai se colocar à frente das necessidades do seu filho.

Marcelo Abud:
A parentalidade perfeita não existe, mas é preciso que se tome muito cuidado para ter o mínimo de coerência entre o que se fala e o que se quer transmitir para crianças e adolescentes. Deve-se ter ainda mais cautela, para evitar dizer algo agressivo.

Walter Mattos:
Mas eu costumo, às vezes, até brincar em palestra, aquele pai que fala para o filho assim: “não gritaaaa!!” O que está acontecendo ali, na prática? Você está dando uma mensagem ambígua, você está dizendo algo e fazendo uma outra coisa. Isso é extremamente confuso para a criança ou para o adolescente. Tem coisas que são um pouco mais graves, mais complicadas, por exemplo, uma mãe que fala: “Ai, você é um saco! Não sei o porquê que eu fui ter filho. Só dá trabalho”. E aí na hora que o filho está saindo de casa, ‘olha, leva o guarda-chuva porque vai chover”. Então, o filho pensa: “Mas espera um pouco: mas eu sou objeto de afeto ou não sou objeto de afeto?”. Até coisas um pouco mais sutis, como dar um recado para a criança do tipo: “Olha, é muito importante você ir bem na escola porque isso vai garantir o teu futuro”. E a pessoa fala assim: “Só trabalho, não faço mais nada da vida. A minha vida é um desastre porque eu não tenho tempo para nada”. Então a criança pensa: “Mas ele está querendo que eu tenha a mesma vida que ele está reclamando que ele tem?”. São exemplos aí, sinais trocados, afeto ambíguo, dizer uma coisa e fazer outra.

Marcelo Abud:
A parentalidade suficientemente boa se sustenta ao transmitir amor e confiança.

Walter Mattos:
Tanto o pai quanto a mãe, tanto o homem quanto a mulher – aliás, tanto casal de mulheres quanto casal de homens, se for o caso – vão estar fazendo aquilo que a gente chama de função materna e função paterna. A função materna seria aquele olhar que me diz que eu sou amado, em cujo olho nós vemos refletida a nossa imagem e a gente percebe esse afeto: eu sou amado e, portanto, eu também posso amar. A função paterna, por sua vez, é um olhar no sentido da potência. Tipicamente é aquele que olha pra mim e fala: “Você consegue, você tem capacidade”. Essas duas coisas, em conjunto, vão ser aquelas que vão nos mover positivamente no mundo. É essa ideia de que eu posso ser eu mesmo, junto com o outro, encontrando um campo de relação em que não há necessariamente uma exclusão. Esse encontro, fundamental nas relações maduras, nas relações de trabalho, ele só vai acontecer se houver essa parentalidade “suficientemente boa”, essa percepção de que ele foi amado e reconhecido na sua potência pelas pessoas que fizeram o papel de mãe e de pai.

Música: “Sina” (Djavan)

Pai e mãe, ouro de mina
Coração, desejo e sina

Walter Mattos:

Se eu não tiver essa estrutura psicológica razoavelmente construída, eu vou desejar que o outro seja igual a mim ou que o outro seja só aquele que atende às minhas necessidades. Infelizmente isso é uma coisa que acontece com muita frequência, hoje em dia, e impede o encontro genuíno. Esse mesmo teórico que eu falei, ele diz que você reconhece de fato o outro quando o outro te frustra, porque enquanto o outro não te frustrou você está só projetando nele ilusões de complementaridade. É na hora que ele te frustra que você fala: “Opa, é uma pessoa diferente daquilo que eu imaginava. Eu queria uma coisa e veio outra.”. E como que eu posso, a despeito disso – a despeito dessa frustração – manter um relacionamento com o outro?

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:

A parentalidade suficientemente boa resulta de uma comunicação feita no reconhecimento mútuo, evitando julgamentos e estabelecendo diálogos. É o tipo de convivência mais solidária e compreensiva e que valoriza a educação com consciência.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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