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Em 31 de julho deste ano, depois de uma edição online durante a pandemia, a Perifacon voltou a acontecer com presença de público, na Fábrica de Cultura da Brasilândia, em São Paulo. O evento gratuito visa democratizar a cultura pop e dos quadrinhos, por meio de temáticas que geram identificação nas pessoas que visitam a feira.

“Eu diria que a gente se enxerga neles. A gente se enxerga fisicamente, a gente se enxerga nas problemáticas que acontecem, nos vilões, que estão mais próximos ali de um embate. Assim como no filme do Pantera Negra, com o Killmonger. Será que ele é mesmo um vilão ou será que é uma questão ali que a própria sociedade criou?”, destaca a pesquisadora do programa de pós-graduação em Humanidades, Direitos e outras Legitimidades da Universidade de São Paulo Juh Oliveira. Sua pesquisa é intitulada “Manifestação da cena cultural geek e periférica: acesso, produção e utilização de quadrinhos no evento Perifacon”.

Juh Oliveira estuda a democratização dos quadrinhos a partir  de eventos como a Perifacon (crédito: Marcelo Abud)
Juh Oliveira estuda a democratização dos quadrinhos a partir
de eventos como a Perifacon (crédito: Marcelo Abud)

O podcast ouviu Oliveira, além de Sandro Vaz, idealizador da Butantã Gibi Com, e a grafiteira e poeta Mari Memo. Eles trazem um panorama dos temas que os quadrinhos das quebradas abordam.

perifacon 2022
Mari Memo durante a Perifacon 2022 (crédito: Marcelo Abud)

Veja mais:

Relembre a cobertura da 1ª Perifacon, em 2019

Transcrição do Áudio

Música: “Blue Nude”, de Verified Picasso, fica de fundo

Juh Oliveira:
Existe um termo que a Sueli Carneiro colocou que chama epistemicídio, que é justamente este apagamento cultural. É como se as pessoas que estão nessas margens, as pessoas que fazem parte dessas minorias, não produzissem cultura ou produzissem uma cultura inferior, uma cultura que não é vista nem como cultura.
Então, eventos como o Perifacon eles vão ser um intermediário muito importante e isso diminui esse apagamento. Ele valoriza a cultura periférica.
Oi, eu sou a Juliana de Oliveira Silva, geralmente conhecida como Juh Oliveira, além de professora de história e sociologia, formada nessas duas áreas, eu tenho uma atuação com a cultura pop, geek, nerd; tenho feito uma pesquisa sobre quadrinhos periféricos e eventos de feiras de quadrinhos periféricos, como a Perifacon.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música continua de fundo

Marcelo Abud:
No domingo, 31 de julho, a equipe do Instituto Claro esteve na 2ª edição presencial da Perifacon, na Fábrica de Cultura da Brasilândia. Na companhia da pesquisadora Juh Oliveira, acompanhamos o perfil dos quadrinhos e temas abordados pelos expositores.

Juh Oliveira:
Eu diria que a gente se enxerga neles. A gente se enxerga fisicamente, a gente se enxerga nas problemáticas que acontecem, a gente se enxerga nos vilões, que estão mais próximos ali de um embate; assim como no Pantera Negra, né, no filme, tem a questão de que o Killmonger. Será que ele é mesmo um vilão ou será que é uma questão ali que a própria sociedade criou? Dentro do novo filme do Coringa ou do Batman, será que esses vilões eles são produtos dessa sociedade desigual?
E aí quando a gente vê as temáticas que estão presentes em feiras de quadrinhos periféricos, a gente se enxerga não só nesse herói, em algumas vezes no anti-herói ou no vilão, e que muitas vezes, na quebrada, quem a gente se identifica é justamente ele.

Música: “Pantera Negra” (Emicida)
A era vem selvagem
Pantera sem amarra
Mostra garra negra
Eu trouxe a noite como camuflagem
Sou vingador, vingando a dor
Dos esmagados pela engrenagem
Ceis veio golpe, eu vim Sabotage

Juh Oliveira:
Então, os quadrinhos na Perifacon eles vão abordar a diversidade, não só na questão LGBTQIA+, vão abordar a diversidade racial, as nossas raízes, questões religiosas também, né – fora somente um padrão -, mas também trazendo as raízes africanas, as raízes indígenas.
Muitos trabalhos que a gente vê aqui tem as referências do mangá, do quadrinho, mas vai trazer a originalidade que a quebrada tem. Então vai ser um Naruto vestido com uma camisa de time, vai ser um personagem ali da Marvel ou da DC, mas com as adaptações dos morros, das favelas, dos conflitos nelas. É o que torna muito, muito, muito ‘daora’, muito melhor do que até mesmo o herói original.

Sandro Vaz:
Meu nome é Sandro Vaz, mas, no meio dos quadrinhos, eu sou conhecido como San Meg, sou idealizador da Butantã Gibi Com… hoje eu estou fazendo pedagogia e, pedagogicamente, as coisas nacionais elas têm que fazer mais sentido que o super-herói americano. E pra isso precisam eventos. Eu acho que sendo nacional e sendo do cotidiano popular, se aproxima tanto da periferia quanto de uma classe média.
Por exemplo, este do “Último Assalto” é uma HQ bem periférica, por quê? Porque o protagonista encontra no boxe uma forma de sair do crime. Ter zumbis sendo desenhados na frente do Palácio dos Bandeirantes, no Conjunto Nacional e em outros locais, acho que faz mais sentido do que o próprio ‘Walking Dead”.

Juh Oliveira:
A gente quer sim ter acesso, ter a grana, estar ali com a galera e tal, mas a gente também quer denunciar algumas questões que estão rolando ali, como a violência policial que a gente vê pelo jornal, independente de qual classe social, mas ela tá atingindo presencialmente e todos os dias, né, muito perto de quem é de quebrada, enquanto nas regiões centrais, não.

Borges – Lei Áurea (Prod. L3ozin)
Durmo sem saber se vou acordar
Recuar no morro, nunca foi marcar
Tentam impedir a gente de sonhar
Quem não conhece, o que sobra é julgar
Explica que o herói é quem mata
E o vilão é quem te deu chuteira
Perde seu pai em meio a oitenta tiros
Cresce na sombra de uma mãe solteira
Olhos de ódio reluzem saudade
Lei Áurea liberta, não traz igualdade
Casa que habitava felicidade
Hoje só resta frieza e maldade

Marcelo Abud:
A produção cultural da periferia retrata também o jeito de se expressar e conviver que traz muitos aprendizados.

Juh Oliveira:
É um reflexo da tia do salgado que trocou uma ideia com você e falou sobre algumas coisas de conceitos de economia; o tiozinho ali no ponto de ônibus que vai trocar uma ideia sobre os repentes que ele fazia e, de repente, até mandar uma rima ali pra você, né, falando de características suas, características do bairro; vai ser trocar uma ideia com os menorzinhos que vão tá ali, que você acha ‘ah, são tudo umas criança que não tem nada na cabeça’, tem sim. E eles têm muitos sonhos e planos. E aí a gente vai crescendo e vão apagando esses sonhos e planos da gente.
E aí, eventos como esse, eles estão ali pra dar destaque pra esses sonhos e planos, fala ‘pô, cê também consegue, cê também alcança, ó, continua planejando e sonhando, a gente tá aqui e a gente quer incentivar que mais crianças, que mais adolescentes, que mais idosos também possam ter acesso a isso, sejam super-heróis, sejam protagonistas da sua história.

Mari Memo:
Sou a Mari Memo, sou moradora de periferia. As minhas temáticas, eu sempre tento trazer – tanto nos livros, tanto nas ilustrações – coisas além do meu sentimento, mas que refletem também o meu dia a dia. O “Acorda Menó” é praticamente um acorda ‘menó’ pra mim mesma também de ser forma, em pensar que eu devo acordar e realizar os meus sonhos, além de ficar presa naquele mundo ali restrito que a gente tem.
Dentro do livro “Acorda Menó”, eu representei o meu dia a dia durante a pandemia, que era subir no telhado de casa, subir na laje, observando as pipas… e aí aquele mar de caixas d’água, que é característico das quebradas. Então, “Acorda Menó” fala sobre isso, fala sobre essa realidade, fala sobre esse contexto periférico; na favela, você não pode ficar em cima do muro, porque tem caco de vidro, né? Então, a gente tem que sempre estar fazendo alguma coisa pra sair desse mundo e acordar. Tô realizando um sonho aqui!

Marcelo Abud:
Derrubar os muros, né?

Mari Memo:
Derrubar os muros exatamente, não ficar em cima do muro, mas derrubar os muros. É isso!

Juh Oliveira:
Então, quando a gente chega nesse espaço e vê outras minas, e vê pessoal LGBT e vê gente gorda e vê gente deficiente, com cosplay ou com a sua roupinha ali nerd, que está se expressando… esses espaços, com essa potência e com essa valorização eles mostram que a gente pode e pode muito, inclusive como mercado consumidor.
E o 1º Perifacon mostrou isso, né, a gente tem essa grana circulando também, a gente tem gente que tá produzindo, que tá imprimindo, que tá mandando em PDF, que tá aí com as suas produções em outros eventos ou pra chamadas de editais e que foi a partir dessa primeira oportunidade.
Então, o que o site mesmo diz, né? – do Perifacon – “construindo pontes e derrubando muros”. É isso. Esse é o acesso!

Música: “Blue Nude”, de Verified Picasso

Marcelo Abud:
A Perifacon democratiza a cultura dos quadrinhos, ao aproximar criadores e público de temas voltados à diversidade e à realidade da periferia.
Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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