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Marcos Lima é o criador do projeto Histórias de Cego, que começou como blog, transformou-se em canal do YouTube e hoje está também nas redes sociais. As histórias recheadas de humor renderam ainda um livro com as melhores crônicas apresentadas por ele.

“Se eu não vou voltar a enxergar, eu posso fazer a sociedade enxergar a gente de uma forma diferente. Então quando eu me comunico, quando eu falo, seja na internet, seja numa palestra, seja numa entrevista como essa, eu pretendo mostrar às pessoas quem eu sou de uma forma alegre, de uma forma divertida e, através da comunicação, quebrar os preconceitos. Porque, para mim, preconceito não é maldade, preconceito é falta de conhecimento”, afirma o jornalista e palestrante.

Neste podcast, Lima conta como é a vivência de um cego em uma sociedade tão visual e as motivações que encontra para usar o humor como antídoto ao preconceito.

“As pessoas acreditam que ser cego é você ser uma pessoa triste, que busca a cura o tempo todo. Quando eu brinco com situações corriqueiras das pessoas com deficiência visual e mudo essa concepção, eu estou mudando a percepção que todo mundo tem de que a vida de quem enxerga é infinitamente melhor e superior à vida de uma pessoa cega”, afirma.

Veja mais:

Capacitismo: como se manifesta o preconceito contra pessoas com deficiência?

Transcrição do Áudio

Música: “The Bucket List – Quincas Moreira”, fica de fundo

Marcos Lima:
Quando a gente corrige acessibilidade e diminui o preconceito, a gente consegue mudar a vida das pessoas sem necessariamente fazer com que elas voltem a enxergar, que é uma coisa que não é possível. Então, se eu não vou voltar a enxergar, eu posso fazer a sociedade enxergar a gente de uma forma diferente. Então quando eu me comunico, quando eu falo, seja na internet, seja numa palestra, seja numa entrevista como essa, eu pretendo mostrar às pessoas quem eu sou de uma forma alegre, de uma forma divertida e, através da comunicação, quebrar os preconceitos, porque pra mim preconceito não é maldade, preconceito é falta de conhecimento.
Sou Marcos Lima, sou jornalista, palestrante e influenciador digital.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Marcos Lima é conhecido na internet por dividir “Histórias de Cegos”. Neste podcast, ele nos conta como consegue mostrar o mundo a partir de sua perspectiva, mesmo vivendo em uma sociedade tão visual.

Marcos Lima:
Segundo algumas estatísticas, uma pessoa que enxerga, 85% dos estímulos que ela recebe todos os dias é por meio da visão. Então nós, cegos, estamos 85 pontos percentuais atrás. A gente precisa recuperar isso de alguma forma, né? Não dá pra recuperar tudo, a visão dá um panorama que os outros sentidos não dão, mas a gente busca através dos outros sentidos, através da tecnologia tornar essa diferença menos palpável, porque quanto menor essa diferença, maior vai ser a nossa inclusão. Se você pegar um grupo de pessoas cegas, mesmo que a gente seja amigos, nós somos diferentes em muitas coisas. O que nos une, talvez, seja as problemáticas que nós enfrentamos a cada dia. Falta de acessibilidade nas calçadas – por exemplo – ou preconceito das pessoas

Passagem: Som de TV sendo sintonizada

Áudio de vídeo do canal “Histórias de Cego”:
(Marcos Lima) Tá, eu não posso rir, já tá valendo ou não?
(produção) Tá, vai!
Tô triste, pensa numa coisa triste.
[Música triste]
(Fingindo choro) … tão triste.

Marcos Lima:
As pessoas acreditam que ser cego é você ser uma pessoa triste, que busca a cura o tempo todo, é você ser uma pessoa limitada, que depende dos outros o tempo todo, uma pessoa que não tem uma independência financeira. Quando eu brinco com situações corriqueiras das pessoas com deficiência visual e eu mudo essa concepção, quando eu cito uma situação em que é melhor não enxergar do que enxergar, eu estou mudando a percepção que todo mundo tem de que a vida de quem enxerga é infinitamente melhor e superior à vida de uma pessoa cega. Eu tiro a pessoa daquele lugar de conforto, daquele lugar de certeza, pra ela poder pensar ‘caramba, o cara, ele é cego, mas é feliz’.

Passagem: Som de TV sendo sintonizada

Áudio de vídeo do canal “Histórias de Cego”:
Na verdade, assim, sinceramente, ser cego é uma desgraça. Não tem acessibilidade, não tem sinal sonoro, mas tem uns momentos que a melhor coisa do mundo é ser cego. Não acredita?
Sabe aqueles papeizinhos, que você ganha, seja vendendo apartamento, volto seu amor em 3 dias ou tudo aquilo? Então, simplesmente não recebo, porque a pessoa estende a mão, e eu passei e não vi. E eu não posso nem dizer que eu sou mal-educado que eu não vi mesmo, fui embora.

Marcos Lima:
Tem outra coisa que acontece muito, que são muitos comentários assim ‘pô, você fica brincando com isso, queria ver se fosse com você, você vai acabar morrendo cego’, não sei o quê. São pessoas que acham que eu não estou sendo sincero sobre minha deficiência que eu não sou cego, porque elas acham que se eu fosse cego mesmo eu estaria triste, eu estaria pedindo, eu estaria reclamando, me contentando com pouco, e jamais estaria fazendo piadas sobre a minha deficiência, as situações que eu vivo, porque eu quando eu faço isso, eu saio daquela caixinha em que as pessoas encaixam em geral as pessoas com deficiência visual. Então as pessoas não conseguem lidar com o fato de uma pessoa cega ser alegre e brincar, então elas começam a achar que eu não sou cego.

Áudio de vídeo do canal “Histórias de Cego”:
Você já viu cego ter medo de altura?
O cara chegar no alto e falar assim ‘ai, as pessoas lá embaixo estão pequenininhas’. Isso é uma grande vantagem. Já pulei de asa-delta, já esquiei, porque pra mim dá no mesmo, 20 metros, 200 metros é tudo igual, é tudo alto.

Marcos Lima:
O nome “Histórias de Cego” é justamente porque eu conto as minhas histórias – histórias que eu vivi – que não são só humor pelo humor, mas que levem alguma reflexão, né? Por exemplo, eu poderia muito bem falar assim ‘poxa, você quando for atravessar uma rua com uma pessoa cega, você pode perguntar a ela, o que ela quer fazer’. Beleza, eu passei a mensagem. Ou eu posso contar uma história que aconteceu comigo, quando eu tava esperando um amigo numa esquina e eu tava no sinal, porque ali que eu parei, assim, não parei muito perto da rua, parei um pouco afastado. E quando fechou o sinal uma pessoa me pegou pela bengala e falou ‘ceguinho, vamos lá, o sinal fechou, vamos atravessar’ e me puxou pela bengala e me atravessou a rua. Me levou pro outro lado. E aí quando chegou do outro lado, ela perguntou assim ‘agora pra onde você quer ir?’ aí eu respirei fundo e falei assim ‘agora eu quero voltar pra onde eu tava’, porque eu não queria ter atravessado. A pessoa ficou brava, achou que eu tava debochando, mas eu não tava debochando, ela simplesmente me ajudou sem perguntar o que eu queria, né? Quando a gente conta histórias como essa, a gente tá fixando muito mais uma percepção do que a gente simplesmente falar. Então eu acho que histórias chegam muito mais ao coração das pessoas.

Áudio de vídeo do canal “Histórias de Cego”:
Trabalhar com o monitor desligado. Essa eu aprendi na marra. Meu primeiro dia de trabalho, cheguei lá no escritório, a minha mesa ficava num local de passagem, daqui a pouco tava lá digitando, via que as pessoas ficavam atrás de mim, quase coladas. Não era por fofoca não, era por achar ‘caramba, o ceguinho digita!’ ‘o ceguinho digita mais do que eu, caraca que rápido’ não sei o que, e eu não consigo trabalhar com alguém atrás de mim vendo o que eu tô fazendo, né? Aí que que eu tive a ideia? Desligar o monitor. Eu além de evitar esse tipo de situação, ainda economizo a luz e a energia do nosso planeta, que o planeta tá precisando.

Marcos Lima:
Quando eu comecei o canal, eu só me comunicava para as pessoas que enxergavam, porque eu sempre achei que as pessoas cegas não vissem novidade no meu conteúdo. E eu me enganei profundamente, porque eu comecei a receber relatos de pessoas cegas que me viam como um espelho, que me viam como uma referência. E eu comecei a receber tantas mensagens que eu criei um projeto chamado ‘de cego pra cego’, em que eu converso com pessoas cegas, pessoas que estão perdendo a visão ou familiares. Não é um vídeo pro YouTube, é uma conversa particular, sobre um tema que a pessoa eleger, uma dificuldade que a pessoa queira discutir comigo ‘ah, quero entrar na faculdade’, ‘ah, tô perdendo a visão, agora o que que eu faço?’, ‘eu quero entrar num site de relacionamentos, você me dá algumas dicas?’, enfim, eu acabei virando uma referência pra outras pessoas cegas. E isso me fez ver o quanto o que a gente fala aqui tem um poder enorme, por isso a gente precisa ter uma responsabilidade enorme no que a gente fala.
Mas, uma situação que me fez muito, notar isso, que talvez tenha sido pra mim a virada de chave… Eu fui abordado por uma pessoa, que tinha baixa visão, tava perdendo a visão, e aí ela chegou pra mim e falou ‘Marcos, eu vejo seu canal e eu queria te dizer que, realmente, existe vida após a cegueira’ que é uma frase que eu falo no canal. E essa pessoa conheceu meu canal por estar perdendo a visão e ela trouxe essa frase pra vida dela, e eu, de alguma forma, com isso, consegui mudar a vida dela, e nesse momento eu entendi ‘caramba, pessoas cegas, com baixa visão ou com deficiência visual assistem o Histórias de Cego’

Áudio de vídeo do canal “Histórias de Cego”:
Eu assisto televisão do banheiro. É isso mesmo. Imagine a cena, 43 minutos daquele jogo, aperta a vontade de ir no banheiro, número 1, número 2, você lá, você faz o quê? Se contorce. Eu não, eu vou pro banheiro. O máximo que eu faço é aumentar a televisão mas eu continuo escutando, pra mim não faz diferença se eu escuto a televisão de 1 metro ou de 3 metros. Tá aí o único momento em que é vantajoso você não ter que ver pra assistir.

Marcos Lima:
Nosso papo não precisa terminar aqui. Pode me buscar nas redes sociais, Instagram, YouTube, TikTok, no e-mail historiasdecego@gmail.com, procuro responder todo mundo que entra em contato comigo, e obrigado a todos, porque entrevista como essa você nunca viu e nem eu. Valeu, gente. Tchau, tchau.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Por meio dos conteúdos que produz para a internet, do livro que tem o mesmo nome do canal e das palestras, Marcos Lima procura gerar empatia com histórias de cego.
Marcelo Abud para o podcast de Cidadania do Instituto Claro.

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