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Próximo de completar 5 anos dos canais digitais “Histórias de Ter.a.pia” e com o lançamento do livro “A história do outro muda a gente”, os comunicadores Alexandre Simone e Lucas Galdino fazem da hora de lavar louça um momento de reflexão e de ouvir e contar histórias de pessoas comuns.

“O legal de trazer pessoas anônimas é trazer uma representatividade muito do dia a dia. Eu não quero que as pessoas só se inspirem pelas pessoas que elas estão assistindo no vídeo ou no podcast. É meio que ativar um olhar de que, talvez, a pessoa que está ali do seu lado, no trabalho, na família, vizinho, é alguém que pode te inspirar e te trazer alguma coisa”, explica Alexandre.

histórias de terapia
Alexandre Simone e Lucas Galdino nos bastidores da gravação (crédito: divulgação/ Juliana Frug)

O maior valor dos conteúdos é a proposta de estabelecer um canal de escuta para histórias e gerar identificação com quem ouve. “Algumas pessoas assistem às histórias como puro entretenimento. E, de certa forma, está na rede social, enfim, tem um quê de entretenimento ali também. Mas o propósito do ‘Ter.a.pia’ não é esse, não é entreter. É levar realmente discussões de pautas importantes para a sociedade, de uma forma, talvez, não simplória, mas singela ali, simples”, defende Lucas.

Vínculos afetivos

Os criadores definem os canais que mantêm como espaços para gerar vínculos afetivos entre quem conta e quem ouve as histórias. Segundo Lucas e Alexandre, o ter.a.pia é aquela macarronada de domingo, aquele encontro de amigos que sempre acaba na pia com reflexões de vida.

“Quando a gente traz uma mulher trans para contar a história dela, a história dela não é só para você (pensar) ‘poxa, tadinha, sofre’. É para você repensar de repente as coisas que você já fez que podem soar transfóbicas ou que são transfóbicas, quando a gente traz uma pessoa preta, também, é para a gente pensar o racismo estrutural do dia a dia”, comenta Lucas.

“A longo prazo, são histórias que a gente conta que a gente espera que um dia não precise mais contar elas. Essa é a grande intenção”, conclui Alexandre.

Os conteúdos também são divididos em playlists no canal do YouTube, como “Histórias para além da deficiência”, “Histórias transformadas pela educação”, “Histórias de luto”, “Amor de pai” e “Histórias f*das de mulheres f*das”. Já “A vida continua”, criada para falar sobre a importância da doação de órgãos, conta a experiência de doadores e pessoas que receberam órgãos por meio de transplante.

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Transcrição do Áudio

Música: Introdução de “O futuro que me alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

 

Alexandre Simone:

A coisa mais importante da nossa vida é a nossa própria história e dividir isso, é dividir a nossa maior riqueza com o outro. Então eu acho que a louça ajuda a deixar um pouco mais leve e, ao mesmo tempo, para quem assiste, causa uma identificação – ‘poxa, essa pessoa está fazendo uma atividade que eu também faço. Ela não tá sentada numa poltrona chique, com uma super luz, uma super maquiagem’. Então também tira um pouco do glamour da história, que é bom pra quem conta e aproxima quem está escutando.

Eu sou Alexandre Simone, sócio-fundador do ‘Histórias de ter.a.pia’, apresentador, podcaster, escritor e curador de histórias inspiradoras.

 

Lucas Galdino:

Hoje, 99% das histórias que a gente conta – tanto em vídeo, né, com as pessoas lavando louça, quanto no podcast, que é o ‘Histórias para ouvir lavando louça’, que aí a gente coloca o ouvinte para lavar louça enquanto está ouvindo a história – são oriundas da nossa comunidade. São as pessoas que nos seguem, as pessoas que nos acompanham que mandam suas próprias histórias. Então a nossa comunidade, que a gente vem criando aí desde 2018, há cinco anos quase, participa do canal ativamente.

E eu sou o Lucas, Lucas Galdino, também sou sócio-fundador do ‘Histórias de ter.a.pia’, apresentador, podcaster, escritor e curador de histórias inspiradoras.

 

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

 

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

 

Marcelo Abud:

O que veio primeiro: a história de que podcast é bom para ouvir enquanto a gente lava louça ou a ideia de aproveitar o momento de lavar louça para conversar? De um jeito ou de outro, desde 2018 o canal Histórias de Ter.a.pia compartilha experiências de vida de pessoas reais.

 

Lucas Galdino:

São pessoas realmente anônimas, a gente costuma falar, né, aquela pessoa que você vai encontrar na fila da padaria, na feira, no ponto de ônibus… São essas pessoas. O anônimo eu acho que aproxima porque a pessoa consegue se identificar, porque a pessoa fala ‘pô, a pessoa passa a mesma dificuldade que eu, porque provavelmente tá ali no trabalho dela, ganha o salarinho dela ali, que não deve ser grande coisa, assim como eu’. Enfim, rola essas identificações do comum ali, do dia a dia, não tem um patamar diferente.

 

Alexandre Simone:

Mas eu acho que o legal de trazer pessoas anônimas é trazer uma representatividade muito do dia a dia. Eu não quero que as pessoas só se inspirem pelas pessoas que elas estão assistindo no vídeo ou no podcast. É meio que ativar um olhar de que, talvez, a pessoa que tá ali do seu lado, no trabalho, na família, vizinho, é alguém que pode te inspirar e te trazer alguma coisa. Então eu acho que o ‘Ter.a.pia’ tem muito a vontade de despertar nas pessoas esse desejo de ouvir a história de quem está perto. É meio que uma sementinha.

 

Teaser com a história de Jennifer:

(música inspiradora) A minha vó não morava em barraco, mas ela morava em casa de bloco. Só que era uma casa tão antiga, tão antiga… E eu abria a janela e via rato morto, via lixo, via tudo que você imagina. Era um lugar insalubre, um lugar em que a água não é tratada. A minha vó estava passando muita necessidade, fome mesmo. Eu chegava lá e, às vezes, não tinha o que comer ou estava faltando alguma coisa. Então eu fui lá, peguei e assumi essa responsabilidade, entrei num shopping, comecei a trabalhar. Meu primeiro emprego foi num shopping. Desde o dia que eu entrei na vida da minha vó, que eu voltei pra lá, nunca mais ela passou fome.

Lucas Galdino:

Algumas pessoas assistem às histórias como puro entretenimento. E, de certa forma, está na rede social, enfim, tem um quê de entretenimento ali também. Mas o propósito do ‘Ter.a.pia’ não é esse, não é entreter. É levar realmente discussões de pautas importantes para a sociedade, de uma forma, talvez, não simplória, mas singela ali, simples.

A gente sempre bate nessa tecla da gente não romantizar as histórias. ‘Ah, é superação!’, não é superação pela superação, nunca vai ser. Tem, sim, superação, a gente torce, inclusive, pra que as pessoas que contam tenham realmente superado essas dificuldades na sua vida, mas tem um motivo ali, né? A gente nunca vai contar uma história só por contar aquela história.

 

Marcelo Abud:

Alexandre Simone conta qual o objetivo que existe ao compartilhar essas histórias.

 

Alexandre Simone:

A curto prazo, a ideia é que a pessoa assista à história e entenda tipo ‘que legal que essa pessoa passou por isso e eu também posso. Mas, a longo prazo, são histórias que a gente conta que a gente espera que um dia não precise mais contar elas. Essa é a grande intenção. Então, histórias de pessoas trans geralmente são histórias de muita dor. Pessoas que são abandonadas pela família, que já precisaram morar na rua por conta disso. E que bom que elas conseguiram sair desse lugar e a gente pode contar essas histórias, mas a ideia é falar que ninguém deveria passar por isso para conseguir viver.

 

Lucas Galdino:

Vou usar aqui exemplos de nomes fictícios, né, mas a dona Maria também pode falar sobre feminismo, por exemplo, com a história dela. Ela pode não usar a palavra feminismo, mas ela está contando a história dela e tem muito da pauta feminista ali.

Quando a gente traz uma mulher trans para contar a história dela, a história dela não é só para você ‘poxa, tadinha, sofre’. É para você repensar de repente as coisas que você já fez que podem soar transfóbicas ou que são transfóbicas, quando a gente traz uma pessoa preta, também, é para a gente pensar o racismo estrutural do dia a dia.

 

Trecho da história de Yorhán Araujo, do “Devaneios HQ”:

Quando uma pessoa preta fala que vai fazer um trabalho que não é braçal, todo mundo vai ser contra. A arte foi uma forma de me aproximar bastante dele, porque eu gostava muito, e meio que foi uma forma de homenagear ele. Eu falei ‘olha, pai, a gente consegue também, né?’.

Toda aquela questão de ser um artista preto, do interior, eu estou conseguindo fazer coisas que, assim, pessoas daqui da minha cidade ainda não imaginam – pessoas pretas aqui da minha cidade.

 

Alexandre Simone:

Então, eu acho que a intenção a longo prazo é cutucar nas pessoas, porque a gente tem que entender que todos nós fazemos parte dessa sociedade. Se essas coisas ainda acontecem, a gente tem também o nosso dedo do que a gente fica reproduzindo… E é contar as histórias para que um dia a gente não precise mais contar essas histórias. As pessoas trans possam contar da vivência delas, sem contar de um período de dor que, na verdade, não era necessário viver, sabe?

 

Lucas Galdino:

Eu acho que o exemplo dessa transformação é que, sei lá, se há alguns anos atrás a gente publicasse uma história de uma pessoa trans, muito provavelmente os comentários seriam transfóbicos. É, mas tem a Doria, ela contou a história dela, ela é uma mulher trans. Ela foi expulsa de casa, morou na rua, sofreu muita transfobia, fez a transição de gênero dela depois dos 30 anos…

 

 

Trecho da história da Doria:

(música tranquila e sons de louça sendo lavada ao fundo) Com 13 anos, eu assumi para minha mãe que eu era gay, que eu estava apaixonada por um menino. E aí nesse assumir, eu lembro que minha mãe me abraçou e ela falou assim ‘não conte nunca isso pra ninguém, porque a mãe, ela suporta tudo, mas o pai não suporta’. E aí com 15 anos eu assumi de vez assim pra todo mundo ‘eu sou gay’. Eu tive que sair de casa, porque eu lembro que foi um dia que foi muito chato na minha vida, porque papai descobriu tudo.

 

Lucas Galdino:

Mas os comentários nesse vídeo eram todos de ‘Deus te abençoe’, ‘que Deus esteja contigo’, eram as pessoas desejando o bem para ela, através da religião… Normalmente quando você fala de religião e questões de gênero são coisas antagônicas, entre aspas, na cabeça de muita gente, mas não. A gente consegue hoje levar essas histórias e as pessoas realmente estarem ali dispostas a ouvir, dispostas a aprender, dispostas a acolher aquelas pessoas, que são, às vezes, diferentes no sentido de pensamento, de ideologia de vida, mas que elas se juntam porque são pessoas, né? Eu acho que esse é o grande mote, assim, e que nos dá muito orgulho quando a gente vê esse tipo de transformação dentro da nossa própria comunidade.

 

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

 

Marcelo Abud:

Alexandre Simone e Lucas Galdino definem o ‘Histórias de Ter.a.pia’ como um espaço para gerar vínculos afetivos. A partir da conexão criada entre quem conta e quem ouve as reflexões de vida, essas histórias geram escuta e empatia.

Marcelo Abud para o podcast de Cidadania do Instituto Claro.

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