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Em 1984, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo promoveu um diálogo entre Paulo Freire e Frei Betto sobre o sonho de ambos em relação à emancipação do povo brasileiro. Desse encontro foi gerado o livro “Essa Escola Chamada Vida”. Em entrevista ao podcast do Instituto Claro, o frade, jornalista e escritor explica o que uniu os pensamentos dele e do patrono da educação brasileira: “Um olhar crítico para o conjunto da vida e saber fazer as perguntas indutoras […]: por que um é tão rico e outro tão pobre? Por que alguns conseguem ascender na escala social e outros milhões e milhões não conseguem?”.

frei betto e paulo freire
Paulo Freire, Frei Betto e Nita Freire em 1996 (crédito: acervo pessoal)

Ele destaca também a contribuição da educação popular para os movimentos sociais: “O método Paulo Freire é um método conscientizador – até por isso ele foi proibido durante a ditadura e em muitos países de direita – porque é um método que leva à consciência crítica.”

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No áudio, ele ainda traça similaridades entre o método Paulo Freire e a Teologia da Libertação e ressalta a importância dos pilares freirianos nos dias de hoje. “Paulo Freire falava em ‘esperançar’. Esse verbo é ativo, propositivo, ou seja, não é só ficar à espera, mas é aquilo que diz a canção do Vandré: ‘quem sabe faz a hora, não espera acontecer’ e esse é o grande desafio que temos pela frente”, enfatiza.

Este podcast é parte do especial ‘Paulo Freire 100 anos’. Acesse todos os conteúdos!

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Atualizado em 02/09/2021, às 09h25

Transcrição do Áudio

Música “O Futuro”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo:

Frei Betto:
A vida é a nossa primeira e grande escola permanente, mas é preciso saber aprender o que ela tem a ensinar. Então no Método Paulo Freire de alfabetização, antes de ensinar propriamente o letramento, é ensinado a leitura da vida, a leitura da realidade. Em outras palavras: tanto melhor o alfabetizando entende o texto, quanto antes ele entender o contexto. É a partir do contexto que ele apreende o texto.
Meu nome é Frei Betto, eu sou escritor, frade dominicano, assessor de movimentos populares, de movimentos pastorais. Um peregrino da vida que viaja a bordo de um paradoxo e tem um axioma que rege os meus passos hoje: vamos guardar o pessimismo para dias melhores.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Em meados dos anos 1980, na PUC de São Paulo, Frei Betto e Paulo Freire estiveram reunidos para falar sobre o sonho de ambos, em relação à emancipação do povo brasileiro. Desse encontro foi gerado o livro “Essa Escola Chamada Vida”.

Frei Betto:
A escola chamada vida é justamente isso: é preciso ter um olhar crítico para o conjunto da vida e saber fazer as perguntas indutoras, que nos permitem aprender as lições que ela tem a nos dar. Exemplo: por que que um é tão rico e outro é tão pobre? Por que que uns conseguem ascender na escala social e outros milhões e milhões não conseguem? Por que que uns têm em abundância e a outros faltam? E é aí que a gente chega aos fundamentos da realidade em que vivemos. E suscita em nós a possibilidade de um engajamento pra transformar essa realidade. Então justamente a leitura crítica da vida é fazer, a partir dos fenômenos, as perguntas das causas.

Música: “Semear” (Paulo Roberto Padilha)
Vamos conhecer
Cantar com imaginação
Cada canto da nossa comunidade
Da nossa nação
Somos as sementes, o plantio, a plantação
Cuidamos da escola, da cidade, do campo e do sertão

Frei Betto:
Não é preciso nós – pequenos burgueses, classe média, classe alta – que temos consciência crítica, ir lá para ensinar eles. Não, nós precisamos, sim, ir lá pra poder aplicar uma metodologia que os ajude a saber que sabem, só que não tinham ainda aberto os olhos pra esse saber que eles carregam ou não tinham ainda feito as perguntas certas, o elementar, o essencial. Então o Método Paulo Freire é um método conscientizador – até por isso ele foi proibido durante a Ditadura, ele foi proibido em muitos países de direita – porque é um método que leva à consciência crítica, que faz com que todas as pessoas colonizadas ideologicamente pelo sistema capitalista, despertem para um senso crítico diante desse sistema.

Marcelo Abud:
Frei Betto destaca a contribuição da educação popular proposta por Paulo Freire para movimentos sociais e para a luta por direitos da parcela de brasileiros que vivem sob a opressão.

Frei Betto:
Hoje, o desafio mais importante quando você fala de emancipação, pra nós progressistas, pra nós que temos um senso crítico, que abraçamos a utopia de um Brasil e um mundo melhores, – o mais importante é voltar ao trabalho de base. São raros, hoje, os educadores que dominam o Método Paulo Freire, dispostos a ir pra favela, ir pra periferia, ir pra zona rural pobre e fazer o trabalho de formação política desse povo. Não há emancipação de um povo, se não há consciência crítica que resulte em organização popular e mobilização pra poder fortalecer o nosso povo. Muitas lideranças foram formadas nesse processo deixado pelo Paulo Freire. Se não existisse Paulo Freire, não existia esse protagonismo político daqueles que vêm dos setores oprimidos da população. Eles assumindo a sua atitude de sujeitos históricos.

Música: “Semear” (Paulo Roberto Padilha)
Exercer cidadania
É escrever a própria história
Tudo vai dar pé, será pra lá de bom
Mas isso depende da nossa participação

Marcelo Abud:
Há mais similaridades nas maneiras de pensar e de agir de Frei Betto e Paulo Freire. A origem do Método Paulo Freire, nos anos 1960, tem a mesma base da Teologia da Libertação.

Frei Betto:
De fato, a Teologia da Libertação não nasceu na cabeça de um Leonardo Boff ou de um Gustavo Gutiérrez, que são dois grandes expoentes da Teologia da Libertação. Ela nasceu da prática das comunidades eclesiais de base. Ali está a matéria-prima dessa teologia. E os teólogos vão ali, colhem e devolvem a esse povo de uma maneira sistematizada pra que adquira densidade.
É como, né?, você tem a água da chuva e ela escorre pelas ruas, mas sabendo colocar um encanamento, você reaproveita essa água pra várias utilidades. Então é esse o processo do teólogo junto às comunidades eclesiais de base. E elas, desde que nasceram, elas coincidem com o início da aplicação do Método Paulo Freire, no Brasil, que é o início dos anos 60.
Elas traziam o método da ação católica – que é o ver, julgar e agir. Quando a gente se reúne com o povo, primeiro, vamos falar sobre a realidade de vida. Bastam três perguntas: como tem sido a sua vida na família, no bairro e no trabalho? É isso que a gente da educação popular chama de tirar do povo a sua realidade. Na medida em que eles vão falando, vão aparecendo as coincidências e eles vão se surpreendendo com a coincidência dos problemas e desafios que eles têm. Aí entra o julgar: por que que acontece isso? É nessa hora que nas comunidades de base se utiliza a Bíblia. O que que Deus quer de nós diante dessa realidade etc. E aí vem o agir, o que vamos fazer? O Paulo Freire incorporou essa metodologia da ação católica na sua metodologia. Então, de fato, Teologia da Libertação ela é resultado também dessa metodologia sistematizada pelo Paulo Freire.

Música: “Aviso aos navegantes” (Paulo Roberto Padilha)
Comece a refletir
Pare pra pensar
E olhar para si mesmo
Ou à sua volta
Notará coisas erradas, embaralhadas, esquisitas e mal-explicadas

Marcelo Abud:
Frei Betto analisa como essa referência crítica sobre liberdade e autonomia, que Paulo Freire defendia, é importante nos dias de hoje.

Frei Betto:
Nas nossas manifestações, não basta a gente protestar. É preciso, além do protesto, apresentar propostas. Isso é fundamental. A gente vê aí nas redes digitais muita indignação, protesto, crítica, piada, mas são poucas as propostas. Qual é o Brasil que nós queremos? Como queremos? Quem fará esse Brasil? Eu creio que é muito importante suscitar nessa escola chamada vida esse pensamento crítico e prospectivo, ou seja, não basta a gente dizer que o que está aí não presta. Mas e aí, qual é a proposta? Porque as pessoas querem ter esperança, né, o Paulo Freire falava em ‘esperançar’. Esse verbo esperançar é um verbo ativo, propositivo, ou seja, não é só ficar à espera, mas é aquilo que diz a canção do Vandré…

Música: “Pra não dizer que não falei das flores” (Geraldo Vandré)
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe, faz a hora, não espera acontecer

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Frei Betto, assim como Paulo Freire, continua a acreditar que a libertação do oprimido, pela via da educação popular, se dá quando há respeito à realidade das pessoas.

Frei Betto:
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. E esse é o grande desafio que temos pela frente.

Marcelo Abud:
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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