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O ativismo de crianças negras na mídia ganha um novo alcance com vídeos que viralizam na internet. Um estudo do programa de pós-graduação em educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) analisa como a tecnologia tem sido utilizada por ativistas antirracistas no sentido de oferecer ações de empoderamento que se espalham com rapidez por diferentes cantos do país. Esses exemplos se refletem na visão que as crianças negras têm de si mesmas.

“A gente precisava dizer para a criança [negra], desde bebê, que o corpo, a pele, o cabelo eram tão dignos como o padrão branco que a gente tinha. E isso a gente vai percebendo agora. Tem crescido o número de audiovisuais que produzem essa imagem positiva da criança negra”, avalia a coordenadora do ErêYá Grupo de Estudos e Pesquisas em Relações Étnico-Raciais da UFPR, Lucimar Rosa Dias, que orientou a pesquisa realizada pela professora Andrea Barbosa de Andrade.

Linguagens da infância

O estudo “Sou criança, sou negra, também sou resistência: narrativas que re(educam) produzidas por meninas negras no Youtube” analisa perfis de crianças influenciadoras e ativistas negras e conclui que suas falas são construídas a partir de diferentes linguagens e estratégias, como a leitura, a dança e a música. “É um discurso antirracista, a partir das linguagens infantis. E não é à toa que quando as crianças falam, viraliza. A gente tem uma escuta para a infância, as pessoas param pra ouvir, se comovem com crianças”, afirma Dias.

No podcast, ela traz exemplos de crianças que ganharam voz na internet com discursos antirracistas, como Elis MC , Tatielly Lima e Carolina Monteiro. “Só o fato de elas estarem ali a gente já considera uma fissura nesse racismo estrutural. Porque o racismo estrutural determina um lugar para as pessoas, especialmente para as crianças negras, que é o espaço da invisibilidade”, pontua Dias.

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Transcrição do Áudio

Música: “Djansa” – The Mini Vandals com Mamadou Koita e Lasso

Lucimar Rosa Dias:
Criança negra precisava ter um espelho positivo do seu corpo, do seu cabelo, das suas heranças ancestrais. Então o movimento negro apostou bastante nisso. Tudo começa nesse chão que era a autoestima dessa criança. A gente precisava dizer para a criança, desde bebê, que o corpo, a pele, o cabelo eles eram tão dignos como o padrão branco que a gente tinha. E isso a gente vai percebendo agora, tem crescido o número de audiovisuais que produzem essa imagem positiva da criança negra.
Eu sou Lucimar Rosa Dias, sou professora da Universidade Federal do Paraná. Tenho trabalhado com o curso de pedagogia, sobretudo com formação de professores, estágios.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Vídeos com crianças negras têm sido um importante elemento para a educação antirracista. De acordo com a coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Paraná Lucimar Rosa Dias, outras crianças veem nessas ativistas um espelho positivo que gera autoestima.

Lucimar Rosa Dias:
Por conta do acesso às mídias, hoje, existe um movimento também de colocar essa criança negra de forma valorizada pelos próprios familiares, pelo movimento negro. Então, se você colocar no Facebook, você vai encontrar muitas páginas que valorizam essa criança negra; no Instagram, hoje tem uma presença significativa de crianças negras colocadas nessa perspectiva positiva, que exibem seus cabelos crespos, uma estética negra; dialogam com questões do campo da cultura e da história afro-brasileira.
Não sei se eu estou sendo muito otimista, porque assim as crianças continuam sofrendo racismo nas escolas. A gente não vê isso disseminado como nós gostaríamos, mas eu percebo que há uma mudança qualitativa.
A MC Elis canta funk. Depois ela vai crescendo, vai desenvolvendo letras nessa pegada de valorização de si, da sua cultura, do seu corpo, da sua linguagem.

Música: “Vem dançar com a Elis” (Luis Marques), com Elis MC
Eu já estou cansada dessa ideia de racismo
Eu não tô de mimimi
Fale o que quiser nem ligo
O meu cabelo não é duro
Ele é crespo e muito lindo
Vou passar logo a visão
Tá incomodado comigo?

Marcelo Abud:
Lucimar orientou a pesquisa de Andrea Barbosa de Andrade e de Cíntia Cardoso no programa de pós-graduação em educação da UFPR.

Lucimar Dias:
Quando a gente foi levantar as páginas de Facebook, a gente foi encontrando várias que tratavam das crianças, da infância negra. Aí depois uma pergunta que a gente se fez: ‘será que só tem pessoas que postam fotos das crianças ou as crianças também estou produzindo o que a gente chamou de discurso antirracista? Aí a gente começou a perceber que havia uma presença de infâncias negras a partir de vídeos que viralizavam e aí fizemos essa pergunta, né? Quem são, o que elas estão falando, será que estão com essa perspectiva mesmo de antirracista ou isso é uma questão do adulto e não da criança? Essas perguntas nos movimentaram de ir atrás de ver se existiam essas crianças e quem eram.

Marcelo Abud:
O estudo demonstra a importância de três crianças negras que têm atuação relevante na internet: Elis MC, Tatielly Lima e Carolina Monteiro.

Lucimar Dias:
Elas estão também colaborando com a fissura deste racismo estrutural na sociedade brasileira. O que a gente consegue compreender assistindo os vídeos dessas que foram escolhidas é que elas fazem isso a partir das linguagens de infância.
Elas estão preocupadas em falar do cabelo, do racismo, mas em produzir a partir da literatura, da dança, da música, das linguagens da infância. E elas estão dizendo também ao ocuparem este espaço ‘olha, eu também posso estar aqui. Esse lugar também é de criança negra’.
Só o fato de elas estarem ali a gente já considera uma fissura nesse racismo estrutural, porque o racismo estrutural determina um lugar pras pessoas, especialmente pras crianças negras é o espaço da invisibilidade. E à medida que elas ocupam esse lugar, elas estão também dizendo ‘eu sou uma pessoa, eu posso existir na minha completude’.

Carolina Monteiro, aos 6 anos, no youtube:
Olá, criançada! O meu nome é Carolina. Hoje eu vim falar sobre cabelo black, bem crespo. Aí no outro dia na escola, a minha amiga falou assim: ‘Carolina, por que você não abaixa mais o seu cabelo?’. Aí eu falei assim: ‘não, eu gosto do meu cabelo assim, bem black’. Então criançada, quando ele falar que o seu cabelo é feio, você fala assim ‘não, meu cabelo é muito bonito e muito poderoso.

Lucimar Rosa Dias:
Além dessa presença que por si só seria suficiente para fissurar este racismo estrutural, há relatos a situações vividas por elas e elas estão ali tecendo também as suas críticas, se posicionando.
Mas a dimensão que este ativismo hoje alcança é muito grande e é importante. Essas crianças quando elas constituem essa posição política em relação ao racismo e a se valorizar elas estão produzindo educacional antirracista.

Tatielly Lima:
Um dia eu fui sair e meu cabelo tava dum jeito que era black power de matar uma pessoa. Uma mulher disse assim: ‘mulher, por que tu não amarra o cabelo da tua filha quando ela vai passear?’. Minha mãe disse assim: ‘aí, porque minha filha gosta de cabelo assim’. Deu vontade de eu falar: ‘e tu, que não amarra essa língua?’.

Lucimar Rosa Dias:
A Tatielly, a gente vai percebendo nos comentários, que outras crianças assistem, que as pessoas dialogam nesse espaço, colocando a importância que ela tem de representação. Tem um momento em que elas falam ‘meu cabelo é bonito, feio é o seu racismo’, coisas desse tipo. Ou indicam livros de literatura. A Carolina Monteiro tinha essa pegada de fazer indicações de material, de mostrar as bonecas que ela tinha, as bonecas negras.
Então, isso é um discurso antirracista, a partir das linguagens infantis que foram capturadas na pesquisa. E não é à toa que quando as crianças falam, viraliza… a gente tem uma escuta para a infância, as pessoas param pra ouvir, se comovem com crianças.
Essas meninas negras – ao lado de suas famílias – entendem o quanto é importante que a sua voz esteja ali presente também.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
A conclusão da pesquisa é que as crianças negras que fazem vídeos na internet funcionam como um espelho. Elas transmitem uma imagem positiva para outras crianças negras e descontroem visões racistas que ainda hoje são uma marca da nossa sociedade.
Marcelo Abud para o podcast de cidadania do Instituto Claro.

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