Um mês após as execuções da vereadora carioca Marielle Franco (Psol-RJ) e do motorista Anderson Gomes, tanto o governo federal quanto as Forças Armadas não descobriram os responsáveis pelos crimes. Para o professor e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Sérgio Pinheiro, a demora acentua a responsabilidade do Estado no assassinato da ativista.
“Os relatos de testemunhas que foram afastadas da cena do assassinato pela Polícia Militar (PM) só acentuam a gravidade da situação”, complementa. “Além disso, não termos um retorno sobre essas execuções reforça a característica de impunidade relacionada aos crimes contra defensores de direitos humanos no Brasil, país que é campeão nesse segmento”, complementa ele, que também é presidente da Comissão Internacional de Investigação para a Síria pela Organização das Nações Unidas (ONU).
O carro que levava Marielle e Anderson foi atingido por nove disparos na noite de 14 de março de 2018. As balas faziam parte de um lote de munição utilizado pela PM. Dias antes da sua morte, a vereadora havia denunciado violações de direitos humanos por policiais nas comunidades do Rio de Janeiro (RJ). Confira, abaixo, a análise do cientista político.
Passado o primeiro mês das execuções da vereadora carioca Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, o que se pode afirmar sobre o ocorrido?
Paulo Sérgio Pinheiro: Que foi um atentado, provavelmente, de natureza política. Ligado, sim, à criminalidade, mas resultado da forma como Marielle atuava em seu mandato, denunciando violações de direitos humanos pela PM nas comunidades do Rio de Janeiro (RJ). Passadas essas quatro semanas, a falta de retorno por parte do governo e das Forças Armadas sobre os dois assassinatos é escandalosa. Cabe a ambos dar um retorno à sociedade, principalmente, neste momento em que, pela primeira vez desde o fim da ditadura militar, temos um militar à frente do Ministério da Defesa.
Quais os recados que esses dois assassinatos transmitem à sociedade?
Pinheiro: A execução de uma vereadora negra, que combatia a intervenção militar e as ações terroristas da PM contra a população negra na periferia, coloca no centro o racismo. Alem disso, calou-se uma voz que protestava. Isso manda um recado aos que vivem nas periferias: não repitam o que ela fez. Quem luta por direitos civis e por justiça pode ser morto também
As investigações ainda não avançaram. O que essa demora representa?
Pinheiro: Primeiramente, incompetência do governo e das Forças Armadas. Em um segundo momento, entender que o silêncio também reforça a responsabilidade do Estado no crime. Os relatos, por exemplo, de testemunhas que foram afastadas da cena do assassinato pela PM só acentuavam a gravidade dessa situação. Também não podemos perder de vista que a nossa democracia estava em fase de consolidação até o golpe que retirou do poder uma presidente eleita democraticamente. Desse momento em diante, jogamos muitas conquistas relacionadas à segurança pública e aos direitos humanos no lixo. Perdas acentuadas por esses assassinatos e por uma intervenção militar cara e que somente restringe a liberdade dos negros, que vivem um apartheid nas periferias do Brasil.
Caso não se avance na apuração do crime, há impactos na sociedade?
Pinheiro: não termos um retorno sobre essas execuções reforça a característica de impunidade relacionada aos crimes contra defensores de direitos humanos no Brasil, país que é campeão nesse segmento. Lembrando que muitos crimes não possuem visibilidade, como os dos ativistas ambientais e indígenas no Pará. Impunidade também manifestada pela esdrúxula Lei da Anistia, cuja validade foi assegurada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Lei que, para a Organização dos Estados Americanos (OEA) não tem valor algum, uma vez que foi elaborado pelos próprios militares para continuarem impunes pelos crimes que cometeram. Por fim, diria que, de 1964 para cá, o brasileiro aprendeu a protestar. Contudo, ainda fica esta sensação de quem se manifesta pelos direitos humanos pode ser morto. E é difícil lutar com uma ameaça rondando a vida.