Leonardo Valle

O bem-estar social depende de um uso moderado do celular. Essa é a opinião da física, jornalista e roteirista Rosana Hermann, que recentemente lançou o livro “Celular, Doce Lar”, com reflexões sobre como as pessoas usam seus aparelhos.

“A gente nem se desconecta mais das redes sociais, fica ligado ininterruptamente. Não existe mais aquele ócio criativo, todas as brincadeiras passam pelo elo digital. Há questões de saúde, de humanidade e de pouco espaço para o desenvolvimento de criatividade também, já que a interação com a tela é passiva”, alerta.

“As pessoas também tendem a ser mais agressivas no mundo virtual, por não haver a presença física do outro. A realidade é uma forma de voltarmos a nos sensibilizar”, recomenda.

Hermann foi uma das palestrantes do Fórum de Educação, da XIX Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, nesta segunda-feira (2/9), onde falou sobre vida digital.

Quais comportamentos foram alterados com o aumento do uso dos dispositivos digitais?

Rosana Hermann: Não se trata de demonizar o celular, mas refletir sobre ganhos e perdas. Teve ganhos, como o desenvolvimento de habilidades que não tínhamos. Quem saberia editar um vídeo no passado? Contudo, as redes sociais romperam o tecido social e perdemos o critério de identificar o que é realidade ou não, o que é falso e verdadeiro. Desenvolvemos uma persona pública digital que nos parece melhor e mais interessante do que a real. Você sozinho não basta: precisa de uma camada de filtro para uma máscara social. Há uma exacerbação da imagem. Certa vez, ouvi uma menina que usava o Instagram dizer: “eu me olho e tenho inveja da minha vida lá, porque não é verdadeira”. Também me deparei com a história de um lago na Rússia que é azul por conta da contaminação de poluentes, e as pessoas entram nele para tirar uma foto. Se contaminam pelo valor da imagem.

De que forma o uso exacerbado dos meios digitais prejudica nosso bem-estar?

Hermann: De ferramenta, o celular se transformou em meio de vida. Um primeiro ponto é o tempo.  A gente se perde na infinidade do algoritmo das redes sociais, que é elaborado justamente para nos manter ocupados de forma infinita. Isso não acontece com aplicativos de serviço. Ninguém passa o dia mexendo nos serviços de banco do dispositivo: você abre e fecha. Mas nas redes sociais, a gente nem se desconecta, fica ligado ininterruptamente. Virou quase um compromisso social curtir as fotos dos amigos. Não existe mais aquele ócio criativo, todas as brincadeiras passam pelo elo digital. Há questões de saúde, de humanidade e de pouco espaço para o desenvolvimento de criatividade também, já que a interação com a tela é passiva.

“De ferramenta, o smartpnohe se transformou em meio de vida”, enfatiza a autora do livro “Celular, Doce Lar” (crédito: arquivo pessoal)

 

Como a criatividade é prejudicada?

Hermann: Por exemplo, muitas escolas substituíram o relógio analógico pelo digital. A criança não sabe entender as horas desse modo. Ao abordar o analógico, estamos falando sobre a capacidade de criar analogia, ou seja, usar a referência entre duas coisas para criar, por lógica, uma terceira, que não tem ligação a priori. Quem sabe ler as horas no relógio analógico não precisa dos números explícitos: entende somente pelas posições do ponteiro. Se eu simular a posição do ponteiro com os meus braços, também será possível entender a analogia. Nesse sentido, fazer analogias, de forma ativa, está vinculado à criatividade humana.

E em relação à saúde?

Hermann: Num passado recente, pré-celular, havia uma preocupação de usar os notebooks de forma ergonometricamente correta. Por exemplo, de colocar livros embaixo do computador para ele ficar na altura dos olhos. Hoje, com o smartphone, isso se perdeu. Ficamos com o pescoço inclinado, na mesma posição o dia todo. Há também os olhos, que ficam vulneráveis às luzes dos dispositivos digitais por mais tempo.

Quais atitudes são possíveis para melhorar o bem-estar?

Hermann: Vale aqui ressaltar que somos “vítimas” dessa mudança. Ela atinge toda a sociedade em seu coletivo, não apenas uma pessoa ou uma parcela social. Mas há algumas atitudes simples, como desativar notificações, instalar aplicativos que calculam o tempo que você gasta por dia nas redes sociais e tentar diminuí-lo. Fazer acordos com a família, como não usar os celulares nas refeições, conversar olho no olho. São formas de dosar e desintoxicar desse meio. É como se ele não fosse para ser consumido o tempo todo.

Como o uso dosado da vida online nos beneficia?

Hermann: O uso do celular estimula basicamente visão e audição, não todos os sentidos. E precisamos do tato e do olfato, da realidade em três dimensões, para nos sensibilizar. Outro ponto é a empatia. As pessoas tendem a ser mais agressivas no mundo virtual, por não haver a presença física do outro. No convívio com o outro, você modula sua fala e ponto de vista à reação do interlocutor. A vivência online nos tornou menos empáticos e a realidade é uma forma de voltarmos a nos sensibilizar. Ou seja, de não perder a humanidade.

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Crédito da imagem principal: Lightcome – iStock

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