O role-playing game (RPG), que pode ser traduzido como jogo de interpretações de papéis, é uma atividade em que os participantes assumem personagens em narrativas colaborativas, tomando decisões que afetam a história. Pode ser usado nas aulas de matemática para engajar os alunos e contextualizarem problemas matemáticos em situações fictícias.
“Quem nunca ouviu um aluno perguntando onde ele vai usar a fórmula de Bhaskara na vida? Por meio do RPG, é possível criar uma situação em que o estudante é um super-herói tentando impedir uma bomba que foi jogada em direção à cidade, cuja trajetória é uma parábola. Aí a fórmula de Bhaskara é incorporada”, exemplifica o doutorando em ensino pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) Felipe Queiroz da Silva.
Para isso, Silva indica prezar pela simplicidade de regras e incorporar o conteúdo curricular de forma pincelada. “Regras simples fazem com que o professor gaste o tempo da atividade com o enredo e com as situações-problema que irá propor”, justifica. “Por sua vez, trazer o conteúdo matemático de forma transversal impede uma quebra gritante na história, como abrir uma porta e ter uma equação de segundo grau para resolver. Isso deixa a atividade chata”, adverte Silva. “O ideal é criar as situações em que aquele conhecimento seja necessário”, aconselha.
Adaptando questões do Enem
Mestre profissional em matemática e professor do município do Rio de Janeiro (RJ), Rafael Racca Roberto explica que o RPG pode ser utilizado nas aulas de todas as etapas de ensino e para ensinar qualquer conteúdo. “Você pode simular com os alunos até uma situação de conta em uma padaria”, afirma.
“É possível, por exemplo, pegar uma questão de matemática do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e apresentá-la em um contexto de aventura”, exemplifica Silva.
A doutoranda em ensino e professora de matemática Renata Teófilo de Sousa indica o uso do RPG nas aulas de matemática como exercício de fixação de um conteúdo. “Ou seja, o aluno precisa ter determinados conhecimentos prévios antes da atividade. Mas tudo depende do objetivo do professor”, opina.
Para que seja atrativa aos alunos, Silva recomenda conversar com a turma e definir juntos a melhor ambientação para a aventura. “Alguns podem não se interessar por heróis, mas se identificar com uma história medieval de fantasia, ou futurística, em um faroeste etc.”, completa.
Criando um jogo colaborativo
Em atividade desenvolvida com os alunos do 3º ano do ensino médio, Souza sugeriu que os próprios estudassem criassem não apenas a história, mas também os desafios matemáticos.
Para terem conhecimento sobre o jogo, eles leram os livros da coleção Tormenta RPG – Editora Jambô – e construíram as narrativas com base nas regras do manual do jogo Dungeons & Dragons. “As soluções das atividades e desafios podem ser majoritariamente construídos pelos alunos em grupo e de forma colaborativa, sendo aceitas quaisquer tipos de estratégias, desde que não sejam pesquisas na internet ou uso de inteligência artificial (IA)”, orienta. “O importante é instigar o raciocínio lógico-matemático, a criatividade, o trabalho em equipe e a oralidade. Além de criar uma estratégia em grupo, o estudante deve saber explicá-la claramente”, diz.
Conheça abaixo três ideias de RPG desenvolvidas por professores que podem ser usadas nas aulas de matemática durante os anos finais do ensino fundamental e ensino médio.
1) Escola de Pitágoras
Na dissertação “O uso do RPG (Role-playing Game) para o ensino do teorema de Pitágoras em uma escola municipal do Rio de Janeiro”, Roberto apostou em um enredo que se passava na escola de Pitágoras em Crotone, na Itália, para ensinar potências e raízes nos anos finais do ensino fundamental. “A hipótese era que inserir o aluno no contexto da história da matemática lhe daria mais curiosidade e motivação para entender como o teorema de Pitágoras apareceu, assim como os conteúdos de potências e raízes”, justifica.
A classe foi dividida em dois grupos – o de estudantes da escola pitagórica e o de forasteiros que queriam entrar naquele lugar de ensino.
Na dissertação, o professor compartilha o enredo da história e os desafios que podem ser feitos com os alunos. “Elaborei um fluxograma que, a partir das respostas dos alunos para cada desafio, o professor pode [ir] seguindo com eles para diferentes rumos”, conta.
2) Ataque ao laboratório
Na dissertação “Usando RPG no ensino da matemática” (2014), Silva criou um jogo para o 9◦ ano do ensino fundamental que pudesse trabalhar operações com números reais; equações polinomiais do primeiro e segundo grau; razão e proporção; regra de três simples; semelhança de figuras; elementos do círculo e da circunferência e perímetro da circunferência.
Na história, um esquadrão de investigação e luta do governo é enviado para socorrer os funcionários de um laboratório farmacêutico presos em um incêndio, que foi resultado de um ataque de dois vilões. Na dissertação, Silva compartilha a planta do laboratório, cards para montar as características dos personagens e diferentes desafios que podem ser aplicados com a turma.
3) Fortaleza de Gauss
Na dissertação “Gênios do cálculo RPG: uma ferramenta para o ensino de matemática” (2022), o mestre profissional em matemática Hélio Halley Albino desenvolveu uma história para ensino médio, na qual os alunos jogadores acordam em uma fortaleza cuja sala de estrutura tem formato hexagonal. A partir daí, ele apresenta desafios que podem ser usados para trabalhar conteúdos de estatística; geometria espacial e plana; probabilidade; progressão aritmética e geométrica; raciocínio lógico; sequência de Fibonacci e trigonometria.
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