‘Todo Mundo Odeia o Chris’ é uma série de comédia estadunidense que retrata as experiências de infância do ator Chris Rock em família e na escola, onde é o único aluno negro. Lá, ele vivencia situações de racismo e lida com estereótipos associados à sua negritude. O doutorando em educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Vinícius Pereira indica a produção para discutir relações étnico-raciais a partir do 5º ano do ensino fundamental.

“Apesar de ser uma série que se passa nos Estados Unidos da década de 1980, pode ser utilizada como análise de caso para pensar como as relações étnico-raciais têm se desenvolvido nas escolas brasileiras”, diz. “Eu apresento uma situação vivida por Chris aos alunos e os convido a refletirem sobre sua própria realidade. Eles comparam e criam laços com as vivências do Brasil”, compartilha Pereira, que também é professor da rede municipal de Duque de Caxias (RJ).

Nova perspectiva

A série também estimula analisar a história por outras perspectivas. “No primeiro episódio da série há referência ao movimento por direitos civis que ocorreu nos Estados Unidos. No Brasil, há registros de pessoas e movimentos organizados que também lutaram por igualdade racial. Nesse sentido, professores podem desenvolver ações pedagógicas que abordem esses sujeitos, que são invisibilizados na escola”, sugere.

Para isso, Pereira recomenda relacionar o episódio ao gênero biografia, destacando personalidades negras como Luiz da Gama, Luisa Mahin, André Rebouças e Esperança Garcia. Sobre a última, ele indica o livro “Quando a escrava Esperança Garcia escreveu uma carta”, de Sônia Rosa: “Garcia era uma mulher escravizada que, no século XVIII, escreveu ao governo do Piauí solicitando que ela e sua família fossem bem tratadas”.

Leia também: Como lidar com casos de racismo entre alunos?

Já no décimo episódio da terceira temporada, há referência à celebração afro-americana Kwanzaa, que ocorre entre 26 de dezembro e 1º de janeiro. O professor indica relacioná-lo ao texto ‘Os Sete Novelos – um Conto de Kwanzaa’, de Angela Shelf Medearis. “Tanto a abordagem sobre o livro quanto a série podem fundamentar uma intervenção pedagógica que pense valores como solidariedade, coletividade, cooperação, entre outros”, completa.

Reflexão docente

‘Todo Mundo Odeia o Chris’ também estimula o professor a refletir sobre a sua prática, como apontou Pereira em artigo de 2019. No décimo primeiro episódio da primeira temporada, a personagem da professora Morello isenta Chris de trazer alimentos para uma campanha de arrecadação no Natal por considerá-lo sem condições financeiras. O garoto, porém, é da mesma classe social que os colegas brancos. Já no quarto episódio da mesma temporada, o professor de educação física convida o protagonista a ingressar no time de basquete, mesmo sem ele ter se inscrito. “O que está em tensão são os estereótipos criados sobre a população negra. No caso brasileiro, seria achar que todo aluno negro gosta de futebol, samba ou quer ser cantor”, analisa Pereira.

Em certo momento, há na série a chegada de um professor negro que passa a exigir mais de Chris por considerá-lo capaz. “Os docentes podem se questionar se não esperam menos das crianças negras em relação ao sucesso escolar. O racismo molda o olhar independente de nossa vontade”, adverte. Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Gianni Marcela Ferreira Boechard indica aos professores o vigésimo segundo episódio da quarta temporada: “Ele retrata como o preconceito pode prejudicar os alunos e produzir evasão escolar”.

Ressentimento e violência

Boechard utilizou a série para abrir um canal de comunicação com alunos do 5º ano e discutir questões socioemocionais. “A série traz mazelas vividas diariamente pelos jovens , de forma humorística, como: sobrecarga de afazeres diários, preconceito de professores, falta de reconhecimento por colegas e família, desejo de ser rico e famoso como única opção para mudar de vida e paixões adolescentes”, lista.

A professora trabalhou o conceito de ressentimento com as crianças e trouxe a experiência para sua dissertação de mestrado. “O ressentimento pode produzir relações de ódio injustificadas. Pode-se acreditar que não há alternativa a não ser subjugar ou atacar quem fere. Mas é possível desenvolver uma terceira via: o diálogo”, enfatiza.

Outro ponto destacado é a naturalização da violência. Para abordar esse tema, ela recomenda o décimo oitavo episódio da primeira temporada que retrata o bullying e a violência física contra os mais fracos. “O roteiro tende a naturalizar comportamentos que humilham. Mesmo demonstrando sofrimento físico e emocional, Chris permanece confiante que terá reconhecimento social ao final”, diz. Ela acredita que o professor pode debater esse aspecto de forma crítica, refletindo sobre o que é mostrado na série: “Pode-se criar uma ideia de que somente pelo sofrimento o sujeito consegue respeito e admiração, ou que para ser amado e aceito deve assumir uma postura ressentida ou violenta”.

Veja mais:

Lugar de fala na escola: professores brancos podem tratar de racismo estrutural?

História negra: documentário ‘Emicida: AmarElo – É tudo para Ontem’ pode ser usado em aula

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