O primeiro ano do atual governo foi marcado pela militarização das escolas públicas, o projeto Escola Sem Partido e uma tendência a privatizações na educação. Essa é a opinião do professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Dermeval Saviani. Para ele, a principal prejudicada será a geração futura.
“Há uma formação precária do aluno. Com isso, você atinge as novas gerações, que não terão oportunidade de inserção no mercado de trabalho”, explica.
“A reforma do ensino médio, por exemplo, é um grande retrocesso. Por trás dela, quer se inviabilizar o acesso à universidade pública das camadas mais pobres da população, limitando-as ao ensino profissionalizante”, acrescenta.
Qual era o contexto das políticas públicas em educação até 2019?
Dermeval Saviani: Havia uma esperança em relação ao Plano Nacional de Educação (PNE), de 2014. Apesar de muitos pontos defendidos não terem sido incorporados no texto final, foi aprovada a meta de direcionar os 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a área. Para completar, também havia a perspectiva de usar a verba do Pré-Sal para educação e saúde. O investimento ajudaria a universalizar o ensino e garantir um salário digno ao professor, com jornada de 40 horas, em uma mesma escola, sendo uma parte desse tempo dedicada à preparação das aulas e outras atividades extraclasses. O impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff e a gestão de Temer mudaram isso. Foi aprovada a emenda constitucional (EC) 95, de 2016, conhecida como emenda do teto dos gastos públicos, que estabeleceu o congelamento de investimentos em educação por 20 anos, sendo apenas reajustada a inflação. Isso reforça a ideia da área como gasto, não como direito da população e investimento na sociedade.
Como se caracterizou a política educacional do país em 2019?
Saviani: Não houve políticas estruturais, mas medidas de “destruição”. Há um movimento de privatização da educação. Esquece-se que ela é um direito do cidadão previsto pela Constituição e um dever do Estado de ofertá-la. Quando você privatiza, precisa garantir a margem de lucro dessa instituição privada, então, recursos públicos vão para o ralo. Cito ainda a militarização das escolas, que transpõe para a educação a ordem dos quartéis em que um manda e o outro obedece. Cria cidadãos alienados, obedientes.
Quais as consequências das medidas para um futuro próximo?
Saviani: Há uma formação precária do aluno. Com isso, você atinge as novas gerações, que não terão oportunidade de inserção no mercado de trabalho. A reforma do ensino médio, por exemplo, é um grande retrocesso. Por trás dela, quer se inviabilizar o acesso à universidade pública das camadas mais pobres da população, limitando-as ao ensino profissionalizante. Assim, a universidade se torna somente para as elites.
Quais podem ser as saídas para melhorar o cenário educacional?
Saviani: Continuar trabalhando para mudar a educação. Introduzir uma pedagogia crítica nas escolas. O importante, agora, é a mobilização e união de todos aqueles que são prejudicados pelas atuais políticas, como organizações educacionais, de professores, de pesquisadores, para frear a perda de direitos.
Quais as perspectivas para 2020?
Saviani: Penso que uma questão ainda será o projeto Escola Sem Partido. Ao contrário do que essa iniciativa diz, nunca se entendeu a escola como partidária, mas sim como tendo uma função política de formação crítica do aluno. E isso reflete positivamente na sociedade. Uma população analfabeta ou formada precariamente terá dificuldade de escolher seus governantes. E é justamente esse movimento sem partido que é doutrinário e partidário.
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