Todo segundo semestre, os estudantes do terceiro ano do ensino médio da Escola Estadual Fadlo Haidar, em São Paulo, já sabem que é hora da atividade pedagógica de júri popular. A dinâmica já acontece há 14 anos e simula um julgamento, no qual o “réu” é um tema da atualidade, enquanto os alunos se dividem entre advogados de defesa e promotoria.
“O foco é a redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que acontece em novembro e exige a composição de um texto argumentativo e dissertativo”, explica a professora de língua portuguesa Maria Nilde de Sá Ferreira, hoje responsável pela dinâmica na escola. “Se o aluno souber defender um ponto de vista com bons argumentos, com certeza, ele irá bem nesse desafio. O júri ajuda a treinar a análise do tema e a estruturação do seu ponto de vista”, resume.
Na escola, o processo do júri começa no final do primeiro semestre, um pouco antes de os alunos saírem de férias. Nesse momento, todos os terceiros anos do ensino médio recebem uma lista com dez sugestões de temas para a atividade.
“A escolha é por temas complexos e que exigem reflexão, como a redução da maioridade penal, a prisão perpétua ou mesmo a reforma do ensino médio”, conta a professora. “As classes escolhem um tema e também se desejam trabalhar na defesa ou acusação. Se duas classes escolherem a mesma posição, fazemos um sorteio entre elas”, revela.
O próximo passo é escolher, em cada classe, os advogados de defesa e a promotoria, que fará a acusação. São escolhidos, por votação, dois alunos para cada categoria, mais um suplemente. Esses terão a tarefa de representar o ponto de vista da classe na hora de elaborar suas teses. “A escolha do suplemente é importante, pois já aconteceu de o aluno que representa o advogado ou o promotor não poder comparecer em virtude de algum problema. Esse advogado ou promotor substituto se prepara da mesma forma que os demais”, assinala Ferreira.
Por sua vez, são escolhidas as testemunhas de defesa e acusação – alunos que interpretarão personagens que vivenciaram histórias de vida relacionadas à temática pesquisada. “Se o tema pesquisado é a redução da maioridade penal, por exemplo, uma testemunha de acusação pode ser uma pessoa que sofreu um crime praticado por um menor.”
Argumentos em ação
Os alunos saem de férias com a tarefa de pesquisar a temática escolhida por sua classe e apresentar uma pesquisa na segunda ou terceira semana de agosto. Quando chega esse mês, os estudantes da escola trazem as suas pesquisas e se reúnem em um dia para discutir os argumentos para os temas pesquisados. “Nessa hora, os professores ajudam a fazer uma curadoria sobre o que pode e o que não pode ser aproveitado em uma tese”, pontua a professora.
“Lembramos, nesse momento, que nem tudo é argumento. Por exemplo, ser homofóbico é algo inaceitável e que não pode ser defendido. Já a criminalização da homofobia é um tema passível de discussão. Eles aprendem a fazer essa diferenciação”, relata. O mesmo vale para a diferença entre fato e opinião. “Nenhum advogado convencerá um júri dizendo ‘eu acho’, ‘eu acredito’ ou ‘eu penso que'”, exemplifica.
Professores de diversas disciplinas também utilizam suas aulas para ajudar os alunos a refletirem sobre a temática escolhida. “O docente de história pode trabalhar o tema pelo ponto de vista histórico, o de sociologia, pelo viés comportamental, e assim por diante”, aponta. Outros membros da comunidade escolar podem participar. “Eles recebem a ajuda de psicólogos e estudantes de direito”, revela a professora.
A composição do júri é feita por funcionários, professores e estudantes de direito. Ferreira, responsável pela organização, não participa como jurada. “O ideal, ainda, é que o juiz não seja um professor que lide com os alunos diariamente, para haver uma posição mais neutra. Nos últimos anos, nosso juiz foi o funcionário que atua como mediador de conflitos na escola”.
Os alunos ajudam a decorar uma sala especial da escola, inclusive com púlpito, para ser usada como local da audiência. No dia, os jurados e os juízes recebem uma lista de temas que devem ser avaliados, como bom uso da gramática, argumentação e postura ética.
“Os membros do júri devem estar abertos aos argumentos dos alunos e se deixarem surpreender. Quando um aluno consegue, por meio de argumentos, convencer o jurado sobre um tema complexo – como defender ou recriminar a descriminalização do aborto, por exemplo -, você percebe que seu trabalho como docente foi realizado com sucesso”, finaliza.
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