O encarceramento em massa no Brasil é um problema que também atinge a escola pública, que recebe os filhos de homens e mulheres privados de liberdade. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen, 2018), 47% dos homens e 74% das mulheres privadas de liberdade no país afirmaram ter filhos. No caso feminino, são mulheres majoritariamente negras, entre 18 e 29 anos, com baixa escolaridade, dois a cinco filhos e presas por envolvimento com o tráfico de drogas.

“Considerando que a maioria dos indivíduos que vivem situação de encarceramento são predominantemente pessoas de baixo poder aquisitivo, seus filhos estarão matriculados em escolas públicas”, explica a psicóloga e docente da Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná Gabriela Isabel Reyes Ormeño.

O estigma contra filhos de pessoas privadas de liberdade pode aparecer em ambiente escolar. “Ele é uma marca social sobre o indivíduo. Nesse caso, é como se a criminalidade da mãe e do pai passasse para a criança, como se o seu destino já estivesse traçado e ela não pudesse ser outra coisa além de um criminoso. Algo como no ditado ‘filho de peixe, peixinho é’”, detalha a psicóloga e doutora em Educação Claudia Stella. Porém, Stella explica que as situações de preconceitos podem ocorrer dependendo do contexto de cada escola e comunidade. “As crianças são menos estigmatizadas se há outros alunos com pais presos no mesmo ambiente”, observa.

Realidade que Ormeño identifica em suas pesquisas. “É comum as famílias se mudarem para municípios próximos aos presídios dos seus parentes encarcerados. Em cidades como Itirapina (SP), as crianças falavam abertamente que haviam visitado os seus pais na penitenciária no domingo”, conta.

Em sua dissertação de doutorado em educação, Stella entrevistou jovens adultos que tiveram os pais encarcerados quando crianças. Ela colheu relatos de preconceitos também por parte de professores.“Situações de sumir um estojo de alguém da turma e a criança filha de pais encarcerados ser a única a ficar sozinha na sala e ser revistada. Ou quando uma professora pediu para eu tomar cuidado com a minha bolsa porque havia ali o filho de uma presa”, relembra. Quando são as únicas na escola, dependendo do contexto, podem ser tratadas como se elas tivessem um problema. Esse estigma pode deixar uma marca na criança”, acrescenta.

Para Stella, a escola também reproduz situações de preconceito vividas na sociedade. “Ela é um microcosmo que espelha a sociedade. E há uma pressão da sociedade para que essa pessoa encarcerada, quando solta, não consiga se socializar”, avalia. Em suas pesquisas, Ormeño também identificou bullying vindo de outras crianças. “Nesse caso, é importante o professor parar tudo e discutir o que está acontecendo com a turma”, aponta.

Rede de proteção

Porém, mais do que o estigma, Stella explica que o que prejudicava a criança com pais encarcerados era a vulnerabilidade familiar, o que levava a constantes mudanças de escola. “A criança ainda é filha apenas da mãe na nossa sociedade. Quando o pai é preso, a mãe continua com os encargos. Mas se ela é presa, quem assume a responsabilidade são outras mulheres da família, como tias e avós”, explica Stella.

“Há uma sobrecarga dessas mulheres. Assim, era comum a criança morar com uma madrinha, depois precisar ir para a casa de uma tia, na sequência da avó, sendo transferida de colégio em cada alteração”, descreve. Essa passagem de escola não é bem feita e pode prejudica muito a escolarização da criança, depende de como e onde for inserida”, acrescenta.

Segundo ainda a docente da UFPR, a escola que tem alunos com pais encarcerados precisa funcionar como uma rede de apoio. “Ter uma pessoa encarcerada é como ter um adulto doente na família: muito da atenção, capital social e econômico da família vai para esse parente. E isso deixa a criança mais desamparada”, explica.“Nesse sentido, é importante que alunos nessa situação tenham a possibilidade de permanecer no contraturno em atividades e com acesso à alimentação, fazendo com que a escola tenha um papel de proteção”, ressalta.

Reduzir o estigma

Para reduzir o estigma, Stella explica que o aluno precisa ser olhado individualmente e na sua integralidade. “A aluna em questão pode ser comunicativa, criativa, ir bem em língua portuguesa, ter dificuldades em matemática e, por um detalhe, ter os pais presos. Independente da origem, uma escola inclusiva deve ser acolhedora com pessoas de todas as origens, condições e características”, destaca.

Outro aspecto é a formação de professores para um olhar cuidadoso para as crianças com pais privados de liberdade. No curso de pedagogia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o Projeto Inspira promove, desde 2016, eventos em que mães detentas do presídio regional passam um período com seus filhos fora do ambiente prisional.

“Este trabalho é de extrema relevância para a área da educação, principalmente por estarmos contribuindo com a formação de profissionais mais sensíveis à situação de vulnerabilidade que atravessa a vida dessas crianças e de suas famílias”, justifica a docente da UFSM Graziela Escandiel de Lima.

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