A invisibilidade e o preconceito contra a cultura cigana presentes na sociedade também se manifestam no espaço escolar.“Este último é ancorado nas perseguições que o povo sofreu ao longo da História e em representações negativas vinculadas na mídia, no cinema e até no dicionário”, explica o presidente nacional do Instituto Cigano Brasil (ICB), Rogério Ribeiro.“Quando a criança compartilha com a classe que é cigana é comum os colegas dizerem que seu povo é trapaceiro ou ladrão de crianças. Se algo some na escola, suspeitam dela. Tudo isso evidencia o preconceito transmitido por pais e responsáveis aos seus filhos”, descreve.

“Como é uma cultura ágrafa, sem linguagem escrita, muito do que foi registrado sobre ela veio de não-ciganos, o que estimulou estereótipos”, contextualiza a professora de artes e pesquisadora de dança e cultura cigana Greice Rita Marques Kvietinski. Para ela, é importante desfazer essas imagens preconcebidas no ambiente escolar.

Desafios na inclusão

A escola também representa um choque entre culturas. Regras rígidas, autoridade que não é familiar e opressão das iniciativas da criança são situações escolares antagônicas ao modo de vida cigano. “Muitas famílias ciganas relatam que seus filhos usaram na vida apenas os conteúdos do ensino fundamental, quando as meninas são iniciadas nas tarefas domésticas e meninos para seguir nos negócios da família. Ainda que hoje haja ciganos formados em universidades e exercendo profissões variadas”, explica a pesquisadora.

“Os ciganos são família e tudo é realizado no meio familiar. Mas nada impede a inclusão das crianças ciganas nas escolas. Por vezes deslocadas ao estarem fora de seu ambiente familiar, elas se enturmam e fazem amigos”, narra o presidente da União dos Ciganos do Brasil, Marcelo Vacite.

“O ideal seria um mapeamento nacional do povo cigano e pensar em uma educação específica para essa população como ocorre com as escolas indígenas, quilombolas e de outros povos tradicionais”, opina Ribeiro. “Para os professores, é importante entender que são formas de ver o mundo diferentes, e uma não é melhor que a outra”, aponta Kvietinski.

Marcos legislativos

Até recentemente, os ciganos nômades não conseguiam obter documentos ou matricular seus filhos por não possuírem endereço físico. Isso, somados ao preconceito e julgamento cultural, afastava-os do ensino formal. “O nível de analfabetismo entre ciganos calón ainda é alto, apesar de estar se transformando”, destaca Ribeiro.

A situação mudou com dois marcos legislativos. A Resolução CNE/CEB nº 3/2012 definiu diretrizes para o atendimento de educação escolar de populações itinerantes. Em 2006, foi instituído 24 de maio como Dia Nacional do Cigano, como reconhecimento à contribuição das etnias na formação da história e cultura brasileiras. Ainda assim, a falta de um censo sobre a população estimula a invisibilidade.

Uma das autoras do artigo “A inclusão da cultura cigana nas escolas de Bagé desafios e possibilidades” (2017), Kvietinski tentou identificar alunos ciganos matriculados nas escolas públicas da cidade gaúcha, porém, as secretarias escolares não tinham o dado nas fichas dos estudantes. “Logo, não há um olhar diferenciado para elas e sua cultura. Encontrei apenas uma professora que sabia de alunos ciganos e oferecia exercícios para fazerem em casa quando viajavam. Ainda assim, desconhecia a cultura em si”.

Cultura contra estereótipos

Para Ribeiro, conhecimento e visibilidade quebram os estereótipos sobre ciganos nas escolas: “Sugiro palestras com lideranças ciganas da região; promover atividades em conjunto entre crianças ciganas e não-ciganas e apresentar aspectos da cultura, como quiromancia e dança cigana”.

Vacite indica abordar a participação do povo cigano na formação do Brasil. “O historiador Calon Rodrigo Gevegir se refere a sete ferreiros que faziam parte das caravelas portuguesas que chegaram no Brasil, chamados de indianos”, conta. “Fomos os músicos que alegravam as festas da corte; primeiros oficiais de justiça e meirinhos; artistas; poetas; músicos e primeiros circenses”, lista.

Há, ainda, personalidades de origem ciganas que podem ser apresentadas. “Os poetas Castro Alves e Cecília Meireles, assim como artistas como Déde Santana, Zilka Salaberry e Ana Rosa. O Brasil também é o único país do mundo que teve dois presidentes de origem cigana romani, Washington Luís e Juscelino Kubitschek.”, lista.

Etnias ciganas

Kvietinski orienta explicar aos alunos que ciganos são etnias. O Brasil possui três: Calon (desde 1574), Rom e Sinti (chegadas no século XIX).“Da mesma forma que há pessoas descendentes de alemães ou italianos, há as de ciganos”, explica.

Vale esclarecer que cigano não é uma religião. “Cada indivíduo pode escolher seu credo”, acrescenta. No artigo “Vamos falar sobre ciganos? Projetos educacionais, representações e a desconstrução do estigma no ambiente escolar” (2021), Rodrigo Leistner e Mabielle Fanti relatam que o preconceito da comunidade escolar também era baseado em intolerância religiosa, via associação do povo às religiões de matrizes afro-brasileiras.

“Outro aspecto a destacar é a diversidade no interior desse povo tradicional. A cultura e os costumes ciganos mudam dependendo da região do mundo, do estado brasileiro, da etnia ou mesmo da família”, analisa Kvietinski.

Materiais orientadores

O Ministério da Educação (MEC) disponibiliza materiais para apoiar o trabalho pedagógico sobre o povo, como um site para o ensino das relações étnico-raciais e um documento orientador para sistemas de ensino (2014).

Já uma cartilha do governo federal (2007) informa sobre a história do povo cigano no Brasil e no mundo. Kvietinski indica apresentar à classe também o documentário francês “Latcho Drom” (1993), que aborda a jornada dos ciganos do noroeste da Índia até a Espanha. Por sua vez, a Embaixada Cigana disponibiliza vídeos curtos, que explicam temas como organização social, tradições, religiosidade e a relação com a escola.

Veja mais:

Inclusão social de ciganos exige mapeamento da população e combate ao preconceito

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