O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) é um mecanismo de financiamento da educação pública composto por recursos de impostos estaduais, municipais e federais e outras complementações da União. Ele garante investimentos na educação básica, incluindo a valorização dos profissionais da área, e distribui os recursos de forma proporcional às necessidades de cada localidade.

Porém, o Fundeb teve sua estrutura alterada com a promulgação da Emenda Constitucional 135/24, originada da Proposta de Emenda à Constituição que tratava do ajuste fiscal do governo federal.

Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Nalú Farenzena explica que a emenda modificou duas regras do Fundeb a fim de fomentar a criação de matrículas de educação em tempo integral.

Segundo a especialista, ao ter o dinheiro vinculado exclusivamente para este fim, outras áreas usadas pelo Fundeb para o desenvolvimento e manutenção da educação podem ficar descobertas.

“Os governos estaduais e municipais que recebem essas complementações fazem suas estimativas de orçamento a partir delas. Não saber se haverá redução nos recursos bagunça o orçamento deles”, explica.

“Além disso, a grande prioridade do Fundeb, por exemplo, é o pagamento de pessoal. Dependendo do quanto for tirado, pode impactar no reajuste do piso dos magistérios”, acrescenta.

Confira, a seguir, a entrevista completa com Farenzena sobre as mudanças no Fundeb após a EC 135/2024.

Quais as mudanças que a Emenda Constitucional 135/2024 fez no Fundeb?

Nalú Farenzena: Ela modifica duas regras do Fundeb, uma de forma temporária e outra permanente. No primeiro caso, autoriza que somente no ano de 2025 o governo federal possa retirar até 10% de cada uma das modalidades de complementação da União – Valor Anual por Aluno (VAAF), Valor Anual Total por Aluno (VAAT) e Valor Aluno Ano Resultado (VAAR) – para fomentar a criação de matrículas de educação em tempo integral.

No segundo caso, a partir de 2026 os governos estaduais e municipais têm que destinar 4% dos seus recursos do Fundeb para educação em tempo integral. Então, não é que se reduziu o valor global da complementação, mas uma parte será desviada necessariamente para outro programa, de educação integral.

Quanto seria isso em termos de recursos?

Farenzena: Em 2025, o governo poderia usar até R$ 5,6 bilhões para esse fomento à educação integral, sendo: R$ 2,7 bilhões da complementação VAAF, R$ 2,4 bilhões da complementação VAAT e R$ 500 milhões da complementação VAAR. Mas não sabemos quanto nem de quais complementações a União vai se valer.

Quais os impactos dessa mudança?

Farenzena: Os governos estaduais e municipais que recebem essas complementações (VAAF, VAAT e VAAR) fazem suas estimativas de orçamento a partir delas. Não saber se haverá redução nos recursos para a manutenção e desenvolvimento da educação bagunça o orçamento desses entes. Ou seja, a mudança tem impacto no planejamento orçamentário e na própria disponibilidade de recursos. Além disso, a grande prioridade do Fundeb, por exemplo, é o pagamento de pessoal. Dependendo do quanto for tirado, pode impactar no reajuste do piso dos magistérios do ano que vem.

A mudança significa menos recursos para a educação?

Farenzena: Há um potencial de redução de recursos da União para educação.  O governo possui o Programa Escola de Tempo Integral (criado pela Lei nº 14.640/2023) com recursos próprios, vindo de outras fontes, sem precisar retirar a complementação do Fundeb. A escolha de fazer isso foi para contribuir com o ajuste fiscal.  A Lei Orçamentária da União, que ainda não foi votada, apontará quanto de recursos federais irão para o Programa Escola de Tempo Integral e de quais fontes. Então, pode ser que esse programa tenha perdido outras fontes para ficar com o Fundeb.

A educação integral já estava prevista no Fundeb?

Farenzena: Sim, nos chamados fatores de ponderação de matrícula. A matrícula importa no Fundeb: quanto mais matrículas, mais recursos são recebidos. A ponderação da matrícula define o coeficiente que cada ente recebe. As matrículas de educação integral já tinham ponderação maior, eram mais valorizadas. Agora, além disso, estados e municípios terão que obrigatoriamente investir 4% dos seus recursos em educação integral a partir do ano que vem.

E para as redes que vão receber essa destinação de recursos para fomentar exclusivamente a educação integral, quais os impactos?

Farenzena: Se o governo federal utilizar tais recursos previstos na emenda, ele precisará de critérios para repassá-los. Quem fará a gestão da oferta dessa expansão de vagas serão estados e municípios. Se eles receberem esses valores para criar matrículas em tempo integral, terão que fazê-lo. As dúvidas são: esses recursos serão suficientes? Como farão para estruturar isso? Será um momento tenso para as redes, tanto as que vão receber menos recursos, quanto as que receberão mais para educação integral.

Quais foram as problemáticas da Emenda 135/2024?

Farenzena: O Fundeb foi discutido durante cinco anos no Congresso Nacional para definir as prioridades dos valores para a educação, enquanto essa PEC 45/24, instaurada para resolver o problema do ajuste fiscal, foi discutida em um mês e mudou tudo. Importante ainda ressaltar que ela previa o destino de mais verbas do Fundeb para a educação integral, quase 20%, e a Câmara também tentou embutir no Fundeb o financiamento da alimentação escolar (hoje financiada por outras fontes). É necessária resistência política para não abrir precedentes, como aconteceu agora, de usar recursos do Fundeb para pagar isso ou aquilo, impactando no financiamento da manutenção e no desenvolvimento da educação.

Como está a situação agora?

Farenzena: A primeira portaria do Fundeb de 2025 saiu em dezembro e não abordou a emenda, provavelmente porque a aprovação dela foi em 20 de dezembro e não houve tempo hábil para o Ministério da Educação (MEC) verificar como iria fazer. Ou seja, essa portaria não definiu se o governo vai ou não utilizar uma parte da complementação para transferir recursos e fomentar educação em tempo integral. Não sabemos se e quando haverá a publicação de uma nova portaria.

Veja mais: 

Cartilha explica distribuição de recursos do Fundeb

Vídeo responde principais dúvidas relacionadas ao Fundeb

Especial Financiamento da Educação – Fundeb

Crédito da imagem: FG Trade – Getty Images

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