A área de tecnologia não tem sido receptiva com as mulheres. Ainda na formação, se por um lado elas são maioria nas universidades brasileiras – correspondendo a 59,9% dos formandos, segundo o Censo de Educação Superior 2015 – nas graduações de computação a presença feminina mal chega a 20%.

Este cenário, que reverbera diretamente no mercado de trabalho, está longe de ser uma exclusividade do Brasil. Segundo o estudo Stack Overflow Developer Survey (2015) realizado em 157 países, apenas 5,8% dos profissionais de tecnologia em todo o mundo são mulheres.  E um estudo da Harvard Business Review revelou que 52% dessas trabalhadoras de tecnologia abandonam a carreira por volta dos 30 anos. Tecnologia seria um assunto pouco interessante para elas, poderiam concluir alguns. Não é, porém, o que apontam os estudiosos ligados às questões de gênero e educação.

“Há uma narrativa cultural de que mulheres não são boas em matemática, que são emocionais e com pouca aptidão para a lógica. Isso começa desde cedo: o último PISA apontou que meninas tem mais sentimentos negativos em relação à matemática”, analisa a fundadora da Programaria, projeto que aproxima mulheres da programação, Iana Chan. “As meninas ouvem e internalizam essas crenças e isso impacta na forma como elas enxergam suas habilidades. Isso, claro, refletirá nas escolhas profissionais futuras”, pontua.

Lugar de menina
“Educação, tecnologias e gênero” foi justamente o tema da dissertação de mestrado da educadora Jane Reolo.  Ela lembra que, apesar das escolas serem mistas desde a década de 40, desenvolveu-se um “currículo oculto” para meninas permeado por sexismo, misoginia (sentimento de ódio e aversão em relação às mulheres) , expectativas e estereótipos de gênero.

“A menina é ensinada que não pode errar, que não pode ser desleixada, que deve ter a letra e o caderno mais bonitos. Educa-se para um ideal de perfeição impossível de alcançar. Pois o cerne da programação é o erro: erra-se muito antes de acertar um código. Não saber lidar com o erro faz muitas alunas desistirem da programação”, exemplifica.

A divisão de brinquedos e espaços como sendo masculinos e femininos também influencia nas habilidades que serão desenvolvidas e nas expectativas sociais. “Ainda é difícil desassociar a mulher da família e o homem da carreira. A menina ganha boneca e panela para servir e ser dona de casa. Já o menino recebe carrinhos, blocos de montar, computador e videogames. Isso amplia o discurso de que há lugares que homens e mulheres devem ocupar ou não”, acrescenta Iana.

Buscando respostas
Mas como a escola pode colaborar para aproximar as meninas da tecnologia? Segundo a pesquisadora Jane Reolo, o primeiro passo é enxergar as relações que incentivam o discurso de que a mulher é inferior ou de que há lugares que a menina não deve acessar. “A própria ideia de uma fila para as meninas e outra para os meninos reforça esse imaginário”, destaca.  O segundo passo é problematizar questões tidas como “naturais”. “Por exemplo, ser mulher no século 21 me impede de fazer algo? O professor de História pode ajudar nessas discussões”, orienta.

Entender a origem da segregação de brinquedos por gênero é outro ponto fundamental para quebrar estereótipos. “Foi na década de 80 que o marketing descobriu como segmentar e atingir de forma eficaz um grupo demográfico lucrativo que havia sido ignorado até então: as crianças. A partir daí, a segmentação de brinquedos por gênero decolou a níveis nunca antes vistos. A indústria decidiu que computadores eram domínio exclusivo de meninos, e durante décadas a publicidade dos computadores pessoais foi direcionada a eles”, esclarece a criadora da coaShe – plataforma mobile que estudantes e mentoras mulheres na área de tecnologia, Carolina Bonturi.

Por fim, é preciso incentivar o letramento digital sem distinção de gênero. “É como aprender a ler e escrever. Você não aprende, necessariamente, para ser escritor, mas para desenvolver habilidades. O mesmo acontece com a programação: ninguém precisa ser programadora profissional, mas a fluência e habilidade com as máquinas são necessárias para as profissões do século 21”, contextualiza a vencedora do prêmio Woman of Vision 2015 e autora do blog Mulheres na Computação, Camila Archutti. “O problema é que cada vez mais precisamos de tecnologia, e as meninas não estão educadas para isso. É preciso correr contra o tempo para reverter esse quadro”, adverte.

Veja mais: 
Para Maria da Penha, machismo dentro da escola precisa ser revisto
ONU lança currículo e planos de aula para discutir gênero na escola 
Escola precisa refletir como lidar a questão de gênero 
Gênero na escola é tema de e-book gratuito

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