Quando era criança, o ator e escritor Daniel Viana já tinha visto Aline Rafael Sebastião de vista. A menina era neta da benzedeira da cidade, no interior de Minas Gerais, que a família dele frequentava.

“Na sexta série, Aline veio morar aqui e foi estudar na minha turma. Lembro que a achei metida em um primeiro momento. Ela tinha um estojo lindo, cheio de canetinhas, e meu material escolar era mais restrito. Minha mãe criava eu e minhas irmãs sozinha”, afirma. “Contudo, percebemos que tínhamos gostos musicais parecidos e viramos amigos”, relata.

Segundo Viana, a escola pública foi essencial para que eles se aproximassem. “O ambiente escolar teve essa função de revelar as nossas similaridades dentro das diferenças. Também ajudou nesse movimento de interesse pelas artes. Respondíamos ao que a sala de aula provocava em termos de criação artística”, revela.

Hoje, mesmo morando em estados diferentes, o contato ainda é mantido de forma intensa. “A gente continua presente, comemorando os pequenos troféus da vida, como uma viagem, um prêmio etc. Quando a gente se encontra, a sensação é que estamos continuando um assunto que começou na escola. A gente só atualiza as novidades com as quais a vida vai nos presenteando”, destaca.

Daniel Viana e Aline Rafael: “Ambiente escolar revelou similaridades dentro das diferenças”

 

Respeito ao outro

O ano era 1994 e Rose Marins mal havia sido transferida para a sexta série da Escola Estadual Antônio Firmino de Proença (SP), quando se viu em uma situação delicada. Após sentar ao lado de um grupo de meninas briguentas, foi acusada de roubar o lugar de uma delas na sala.

Na mesma classe estava Grazi Dias, que assistia a confusão. “Fiquei com pena dela naquela situação e a chamei para tomar lanche comigo. Ela viraria minha melhor amiga para a vida”, relembra.

A dupla, contudo, vinha de contextos bem diferentes. “A família da Rose tinha um histórico artístico e eu queria ser atriz, o que me ajudou na minha escolha profissional. Ela também já tinha mudado de casa e de escola inúmeras vezes e possuía pais separados. Já minha mãe tinha pouco estudo, mas um coração imenso e muita sabedoria de vida. E eu sempre havia estudado naquele mesmo lugar”, assinala.

Os trabalhos no ambiente escolar aproximaram a dupla e ajudaram a consolidar a amizade. “Lembro que dormi na casa dela e passamos uma noite estudando e fazendo brigadeiro. Lemos o livro ‘A marca de uma lágrima’ juntas e foi marcante”, conta Dias.

“A Grazi era mais autoconfiante e sempre me colocava para cima. Aprendi muita coisa com essa relação, principalmente que existe amigo para a vida toda. Sou grata pela escola ter nos aproximado”, destaca Marins.

Vinte cinco anos depois, as personalidades, visões de mundo e objetivos continuam diferentes, mas a parceria é a mesma.

A amizade de Grazi Dias e Rose Marins em dois registros: 1994 e 2019. “Aprendi a respeitar uma opinião divergente”, diz Dias

 

“Já brigamos para mostrar pontos de vista diferentes e por coisas do cotidiano mas, devagarzinho, as brigas viraram diálogos. A Rose foi uma das pessoas com quem mais aprendi sobre respeitar a fala do outro, sobre discordar. E tudo bem. Às vezes conseguimos influenciar a opinião alheia, porque estamos abertas a ouvir. Mas ainda que isso não aconteça, nossa amizade é maior do que tudo isso”, garante.

Aprendizado mútuo

No primeiro ano do ensino médio noturno da Escola Estadual Visconde de Taunay, em Santo André (SP), Lilian Martins e Eliana Araújo sentaram lado a lado, nas primeiras carteiras.

“Ela estava super bem vestida. Achei ela bonita, mas pensei: deve ser patricinha”, diverte-se Martins. “Eu era da turma que usava tênis e a gente parecia ser de mundos diferentes. Mas já na primeira oportunidade, ela soltou um sorrisão e puxou assunto. Começamos a conversar e não paramos mais”, descreve.

As meninas descobriram que moravam em ruas próximas e passaram a fazer trabalhos juntas. “Nos encontrávamos de manhã, fazíamos a tarefa e isso era pretexto para passarmos a tarde juntas conversando”, relembra Araújo.

“Lilian é paciente com as coisas, sabe lidar com adversidades e com as diferenças de opinião de forma serena. Eu sempre tive personalidade mais forte e fui ansiosa. Ela me ensinou e continua me ensinando a ser alguém melhor”, elogia Araújo.

“A determinação e a alegria da Eliana sempre me contagiaram. Acho que ela me mostrou que, apesar de todas as dificuldades, a gente poderia dar um jeito”, retribui Martins.

Atualmente, Martins é jornalista e mora no interior do Mato Grosso, enquanto Eliana trabalha com publicidade em São Paulo. “A amizade é grande, a ponto de eu chorar quando falo dela”, emociona-se Araújo.

Eliana Araújo no casamento da amiga de ensino médio, Lilian Martins. “Conviver com diversidade é importante para formação”

 

Para Lilian, a escola pública foi fundamental para aproximar pessoas vindas de diferentes contextos e ajudou a expandir sua visão de mundo. “Quando eu tiver filhos, quero que estudem em colégios públicos. Conviver com a diversidade se mostrou importante para a nossa formação”, reflete.

Veja mais:
Promover a diversidade na escola se faz por meio do convívio, afirma pesquisador
Pesquisa de jornalistas aponta que diversidade é a marca das escolas estaduais de São Paulo

Crédito das imagens: arquivo pessoal

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