O ensino de sociologia é marcado pela colonialidade, na medida em que valoriza ideias e métodos vindos da Europa nos conteúdos e nas formas de ensinar e invisibiliza os saberes produzidos por intelectuais negros, indígenas e latino-americanos.

“Promover um ensino de sociologia decolonial passa por questionar esses referenciais e ampliar os horizontes do currículo com vozes diversas. É necessário colocar no centro da sala de aula as experiências dos estudantes, os saberes das comunidades locais e os produzidos às margens da academia”, explica a doutoranda em sociologia Vitória Wermelinger.

“Trata-se de deslocar a ideia de ‘ensinar sobre o outro’ para criar espaços de encontro e construção conjunta de conhecimento”, acrescenta.

A seguir, conheça 13 ideias para promover um ensino de sociologia dentro de uma perspectiva decolonial.

1) Incorpore autores não eurocêntricos ao currículo

Segundo Wermelinger, isso rompe com a ideia de que a produção do conhecimento sociológico é um privilégio europeu. “Autores como W.E.B. Du Bois, Lélia Gonzalez, Ailton Krenak e Catherine Walsh não devem ser lidos como complementares, mas como centrais para a compreensão das realidades sociais. Ao fazer isso, não apenas ampliamos o repertório teórico, mas cultivamos novas possibilidades de imaginar o mundo”, defende a professora.

2) Traga pensadores locais para a sala de aula

“A colonialidade se manifesta no ensino de sociologia quando o professor utiliza apenas autores externos ao local de vivência dos alunos para interpretar aquela realidade”, afirma o pedagogo e coordenador do Laboratório de Estudos em Populações Negligenciadas da Amazônia, do Centro Universitário São Lucas (RO), Rafael Ademir Oliveira de Andrade.

“Os clássicos debatem regras gerais para uma sociedade que não é bem a que vivemos. Por exemplo, não podemos pensar que a relação de trabalho na Amazônia é similar à de São Paulo”, compara Andrade.

“Assim, é preciso tratar saberes locais e globais em pé de igualdade. Autores locais ajudam a analisar regionalidades, globalizações e outros elementos que a sociologia debate”, completa.

“Além disso, o material didático costuma excluir autores locais. Cabe ao professor, dentro dos limites das diretrizes curriculares, estabelecer outras discussões”, conclui Andrade.

3) Discuta o colonialismo junto à globalização

As consequências do colonialismo podem ser abordadas a partir da discussão sobre globalização e ocupação de territórios, como aponta Andrade.

“O pensamento decolonial propõe debater essa necessidade de pensar o ‘aqui’. As teorias globais não são apagadas, mas colocadas em perspectiva, considerando o lugar social que o Brasil ocupa.”

4) Ouça alunos e comunidades locais ao debater temas da sociologia

“Isso ajuda a reconhecer que o saber não está apenas nos livros, mas nas vivências, memórias e saberes cotidianos. Essa escuta descentraliza o poder do professor e valoriza o conhecimento produzido nas margens, criando vínculos e sentido no processo de aprendizagem”, justifica Wermelinger.

“Discutir o colonialismo conecta o passado ao presente e ajuda a entender como estruturas de opressão continuam operando nas relações sociais contemporâneas. Esses debates podem partir de questões reais vividas pelos próprios estudantes”, complementa.

5) Não hierarquizar saberes

Andrade lembra que a colonização estabeleceu hierarquias de saberes vividas no Brasil, como a ideia de que as regiões Sul e Sudeste são superiores às regiões Norte e Nordeste. Outra dicotomia que merece atenção contrapõe os conhecimentos produzidos nos grandes centros e nas periferias.

6) Debata a racialização das relações sociais

Segundo Wermelinger, o tema pode ajudar a pautar discussões com viés decolonial. “É possível refletir sobre como a ideia de raça é construída e utilizada para hierarquizar grupos, afetando direitos, oportunidades e representações sociais”, observa.

7) Apresente conhecimentos negros e indígenas

“Apresente outras formas de conhecer o mundo, a partir de cosmologias (estudos da origem do universo) e modos de vida que desafiam a lógica ocidental, como os presentes nas obras de Ailton Krenak ou nas tradições de matriz africana”, recomenda Wermelinger.

8) Explique o conceito de interseccionalidade

Interseccionalidade é a ideia de que diferentes formas de desigualdade (como as de raça, gênero e classe) se combinam e afetam as pessoas de maneira única. Wermelinger indica apresentar o termo à turma. “A partir dele, é possível entender como opressões se sobrepõem e moldam experiências sociais. Para isso, dê visibilidade a sujeitos que estão na interseção dessas categorias”, ensina.

9) Destaque movimentos sociais e resistências históricas

“Mostre como diferentes grupos, como o movimento negro e o movimento indígena, têm produzido saberes e lutado por reconhecimento e justiça”, sugere a professora.

10) Critique o mito da democracia racial

“É importante desconstruir a ideia de que vivemos em uma sociedade livre de racismo e refletir sobre as formas sutis de exclusão ainda presentes”, aponta Wermelinger.

11) Faça uma análise crítica dos livros didáticos

Wermelinger sugere fazer, junto aos alunos, uma leitura crítica dos materiais didáticos, identificando vozes que não aparecem nesses conteúdos e como pessoas não brancas são retratadas, se de forma estereotipada e distorcida. 

12) Oportunizar rodas de conversa com lideranças locais

“Para que os estudantes conheçam experiências de resistência e produção de saberes de suas próprias comunidades”, recomenda Wermelinger.

13) Promover estudos de caso com base em experiências locais

“Peça à turma que investigue eventos reais no bairro ou cidade, como conflitos fundiários ou manifestações culturais”, sugere Wermelinger. 

Andrade propõe trabalhar os direitos humanos e a Declaração Universal dos Direitos Humanos dentro da mesma perspectiva. “Os alunos podem apontar quais direitos da Declaração eles reconhecem – ou não – nos lugares em que vivem”, finaliza. 

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