O trava-língua é um desafio de palavras que exige rapidez, atenção e boa articulação. Com sons repetidos ou parecidos, provoca trocas e enganos na fala, transformando o erro em parte da diversão. Por esse caráter lúdico, o trava-língua pode ser utilizado na alfabetização, como aponta a psicopedagoga e professora da rede estadual de Minas Gerais Ludimila Mara dos Santos.
“Chamar a atenção de crianças da faixa etária dos sete anos é um desafio que exige estratégias motivadoras, caso do trava-língua”, destaca.
“Os alunos se divertem ao repetirem os sons, tentam acertar juntos e, sem perceber, desenvolvem a escuta atenta, a articulação e ampliam o vocabulário”, afirma a pedagoga especialista em alfabetização Renata Castilho.
Consciência fonológica
Outro motivo para o uso de trava-língua na alfabetização é o desenvolvimento da consciência fonológica, como aponta a professora da rede municipal de Santa Helena (PR) Luci Piletti Niedermayer.
“Consciência fonológica é a capacidade de percepção e manipulação dos sons das palavras, de suas semelhanças e diferenças e da forma organizacional nos vocábulos”, descreve.
“Desenvolvê-la passa por três modalidades: a percepção das palavras como cadeias sonoras, constituídas por rimas e aliterações; a compreensão de que as palavras são formadas por partes, as sílabas; e a compreensão de que as sílabas são constituídas por fonemas”, observa Niedermayer.
“O trava-língua desenvolve a consciência fonológica por meio da sua recitação ou da visualização gráfica, permitindo ao aluno perceber a existência de um fonema ou de uma sílaba quando ocorre a repetição”, acrescenta.
“Em sala, sempre que trabalho essa consciência com as crianças, noto que elas começam a ler e a escrever com mais autonomia e segurança. Já tive aluno que, depois de brincar com um trava-língua, finalmente entendeu a diferença entre o som de ‘p’ e ‘b’, por exemplo”, diz.
Atividades possíveis
Niedermayer sugere que os alunos pesquisem trava-línguas com suas famílias e os levem à escola.
“Em sala de aula, em formato de roda de conversa, cada estudante fala e declama aos colegas o trava-língua encontrado, em um exercício de memória e oralização. Os textos podem ficar expostos em um painel para serem visualizados e declamados diariamente”, orienta.
“Como exercício oral, pode-se, para cada trava-língua recitado, fazer anotações ou marcações dos fonemas repetidos, sempre buscando relacionar o fonema (som) com o grafema (imagem gráfica da letra)”, complementa a professora.
Santos também recomenda utilizar a leitura ensaiada de trava-línguas.
“Como as crianças ainda não leem fluentemente, elas ensaiam com os pais e depois retornam à escola para recitar de memória e desafiar os colegas”, relata.
“Em sala, o professor pode ler os trava-línguas, explorar o gênero e suas características, destacar a repetição de palavras e a separação dos fonemas. Oralmente e no texto escrito, as crianças percebem a repetição de sons, como o ‘r’ em ‘o rato roeu’, relacionando fonema e grafema. Isso fortalece não apenas a consciência fonológica, mas também a compreensão do funcionamento do sistema alfabético de escrita”, afirma Santos.
Percebendo os sons
Niedermayer sugere trabalhar com trava-línguas tradicionais, como: “O rato roeu a roupa do rei de Roma”, “O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem…”, “Três pratos de trigo para três tigres tristes…”, “Olha o sapo dentro do saco…”, “Num ninho de mafagafos há sete mafagafinhos…” entre outros.
“Com os alunos pequenos, prefiro os mais curtos e conhecidos. Eles se sentem mais seguros e se envolvem mais’”, compartilha Castilho, que sugere iniciar o trabalho com o trava-língua pela oralidade e respeitando o tempo de cada criança.
“Não peça que as crianças falem rápido. A velocidade pode atrapalhar a articulação e a compreensão dos sons, comprometendo o principal objetivo, que é desenvolver a consciência fonológica”, explica.
“Celebre as tentativas e não cobre perfeição. O foco não é falar rápido ou bonito, é perceber os sons e brincar com a linguagem”, orienta.
Niedermayer sugere evitar sílabas mais complexas para alunos que ainda não dominam as sílabas canônicas (formadas por consoante e vogal). “O ideal é avançar gradativamente”, destaca.
Já Santos lembra que o trabalho com trava-línguas pode ser associado a outros gêneros textuais, como poesia e parlendas. “Torna o processo de alfabetização mais enriquecedor”, finaliza.
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