Alunos que dormem em sala de aula são uma situação comum em todas as escolas. Mas, afinal, o que impacta no sono de crianças e adolescentes?

“O ciclo de vigília-sono é o ritmo que se repete mais ou menos a cada 24 horas. Essa repetição sofre ajustes continuamente e tem quatro estímulos ambientais: o ciclo claro-escuro, alimentação-jejum repouso-exercício-físico e a interação social”, resume o doutor em ciências e professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) Luiz Menna.

“O adolescente está buscando o seu nicho temporal onde tem mais poder e autonomia. Nessa procura, ele pode querer fugir da família e se isolar à noite”, analisa.

Confira abaixo a entrevista completa com o pesquisador.

O que influencia a sonolência em sala de aula?

Luiz Menna: Há bases que sustentam o sono. Ele não é único: é uma fase de um ciclo de vigília-sono, ritmo que se repete mais ou menos a cada 24 horas. Essa repetição sofre ajustes continuamente, e esses ajustes têm quatro estímulos ambientais ou situações determinantes. A primeira é o ciclo claro-escuro, ou seja, a exposição à luz e a resposta do organismo a ela. As outras são alimentação-jejum e repouso-exercício-físico. Finalmente, há a interação social, que é um potente sincronizador do ciclo circadiano. Porém, é importante destacar que todos esses estímulos temporais que modulam a ritmicidade do ciclo circadiano passam pelo sujeito: você acende e apaga a luz, come ou não, pratica atividades físicas etc.

O que é a cronobiologia?

Menna: É a tendência de privilegiar esses marcadores temporais. O indivíduo está saudável quando seus ritmos estão razoavelmente sincronizados e quando é possível ajustá-lo a desafios. Por exemplo, se você vai a uma festa de madrugada – isso desajusta seus ritmos –, no outro dia, você paga um preço. A recuperação não é imediata: pode ser um, dois ou três dias, dependendo da situação. Assim, é fundamental entender o entorno temporal desse aluno, onde eles estão enganchados temporalmente. Vale ainda destacar que a difusão da noção de relógio temporal apresenta impropriedade linguística e temporal. Não é um relógio, pois o sistema de temporalização se ajusta a cada dia, por meio desses quatro estímulos mencionados. Ninguém compraria um relógio que muda todo dia.

O sono é maior entre adolescentes?

Menna: Na adolescência, a espécie humana passa por uma fase fascinante: as pessoas estão construindo e buscando os seus nichos temporais, os horários nos quais podem viver melhor. O adolescente está firmando o seu nicho temporal onde tem mais poder e autonomia. Na procura, ele pode querer fugir da família e querer se isolar à noite, nas redes sociais, onde pode sentir que tem mais liberdade. Em geral, os adolescentes sofrem mais com a sonolência do que crianças, por exemplo, por isso. Ele pode se atrair por uma vida mais noturna. Esses desajustes temporários crônicos são comuns em adolescentes. Isso faz ele ficar doente, ter alterações na aprendizagem, na memória e no humor. Mas não é impondo 8 horas de sono que resolvemos a situação.

É necessária uma quantidade mínima de horas de sono?

Menna: Um ser humano adulto pode dormir de quatro a 12 horas por dia, uma variabilidade entre indivíduos que é normal, independente da idade. Falar que toda pessoa precisa de oito horas de sono é o mesmo que dizer que todo mundo deve ter 1,70m de altura, que é a média do brasileiro.

Outro ponto é que o ser humano é biologicamente social e socialmente biológico, não é possível separar esses dois fenômenos. Quando falamos de estímulos ambientais, há intervenção do indivíduo. As pessoas constroem seus tempos dentro de contexto individual, social, cultural e até religiosos.

Como o professor pode lidar com a sonolência do aluno em sala de aula?

Menna: Um recurso pode ser pedir para o estudante fazer um diário com as suas atividades, incluindo refeições, atividade física, interações sociais e horas de sono. Com paciência, é possível entender o que está escondido por trás da sonolência. Por exemplo, se na madrugada de domingo para segunda ele dormiu apenas quatro horas, na primeira aula da semana ele estará com sono.

Outro ponto é a conversa e o diálogo para haver troca com o aluno. E, claro, rever como a aula está sendo realizada, tentar torná-la mais interessante. Isso também não é trivial.

É interessante tratar o tema dentro do conteúdo de biologia e ciências da natureza?

Menna: Sim, é interessante tentar introduzir conceitos básicos de ritmicidades biológicas em todos os níveis de ensino.  Indico a animação “Tempo na Vida”, do Grupo de Pesquisa Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos (GMDRB) da USP, que acompanha os ritmos biológicos de sete membros de uma mesma família, entre adultos, adolescente, idosos e bebês.  Mostra que o organismo muda ao longo do dia, ajudando a compreender, por exemplo, que o vovô pode acordar de bom-humor e depois brigando. Assim, entendemos que o sono passa pelo biológico, mas não se reduz a ele.

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Crédito da imagem: Jose Luis Pelaez Inc – Getty Images

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