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Entre as novidades na lista da Unicamp 2024 está uma seleção de 10 canções de Cartola: “Alvorada”, “As rosas não falam”, “Cordas de aço”, “Disfarça e chora”, “O inverno do meu tempo”, “O mundo é um moinho”, “Que é feito de você?”, “Sala de recepção”, “Silêncio em cipreste” e “Sim”. Algumas dessas canções são conhecidas do público jovem em função de terem sido regravadas por nomes consagrados e outros da atual geração da Música Popular Brasileira.

Segundo o professor do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo (USP) Walter Garcia da Silveira Junior, antes de se tornar conhecido por suas músicas, Cartola enfrentou problemas por sua condição social, como não ter conseguido um emprego que garantisse sua estabilidade. Isto fez com que muitos estudiosos vinculassem a poesia do sambista a uma tradição oral. No entanto, Garcia ressalta que o artista teve oportunidade de estudar em uma boa escola nos primeiros anos de sua formação.

“O avô dele tinha sido levado da cidade de Campos para o Palácio do Catete, por Nilo Peçanha, então senador, depois presidente do país em 1909. E, posteriormente, a família dele vai morar em Laranjeiras. Então, durante essa época, esse período inicial da formação do Cartola, ele frequenta uma excelente escola primária, que vai ser responsável depois pelo Cartola ter um gosto pela poesia romântica. Não a poesia da literatura oral, mas a poesia escrita”, esclarece.

Três capítulos

Para este episódio do Livro Aberto, o professor dividiu as 10 canções escolhidas pelo vestibular da Unicamp em três capítulos: “O Morro”, que inclui as músicas “Sala de Recepção”, em que Cartola canta o amor pela escola de samba que ajudou a criar, a Mangueira , e“Alvorada”; “O Tempo”, que envolve as canções “O que é feito de você?”, “Silêncio de um Cipestre”, “O Inverno do meu Tempo” e “O Mundo é um Moinho”. Esta última utiliza a metáfora de um moinho que tritura sonhos, para alertar a juventude sobre o que o autor aprendeu ao longo da vida. Em outro capítulo, “Lirismo Amoroso”, estão “Sim”, “Cordas de Aço”, “Disfarça e Chora” e aquela que, talvez, seja a composição mais conhecida de Cartola: “As Rosas não falam”.

“Num primeiro momento o sujeito está sofrendo pelo afastamento da pessoa que ele ama – ‘não queres voltar para mim’. E aí ele se queixa. Pra quem ele se queixa? Ele se queixa às rosas. Ou seja, existe aí uma figura de linguagem que é a personificação. As rosas deixam de ser simplesmente flores e passam a ser interlocutoras, personagens que vão ouvir a queixa do sujeito da canção”, comenta. Para Garcia, o estudo e a escuta cuidadosa da obra de Cartola são essenciais para que os estudantes percebem a força poética da música brasileira.

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Transcrição do Áudio

Música: “O Mundo é um Moinho” (Cartola), tocada ao violão por Dudda Motta, fica de fundo

Walter Garcia:
Angenor de Oliveira, o Cartola, nasceu em 11 de novembro de 1908, no Rio de Janeiro, e faleceu com 72 anos, em 30 de novembro de 1980. Primeiro no Catete, depois em Laranjeiras, o Cartola irá participar de ranchos, ele irá à Festa da Penha, ou seja, ele vai tomar contato com a melhor produção musical popular da cidade do Rio de Janeiro, então, capital do país.
Meu nome é Walter Garcia, eu sou músico, compositor e professor do Instituto de Estudos Brasileiros, da Universidade de São Paulo.

Vinheta: Livro Aberto – obras e autores que fazem história

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo.

Marcelo Abud:
A Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, anunciou entre as novas leituras indicadas para os vestibulares de 2024 a 2026, 10 Canções Escolhidas de Cartola. Antes de acompanhar a análise de algumas delas, Walter Garcia nos apresenta um pouco das influências que ajudaram a formar o artista.

Walter Garcia:
Nas décadas de 1940 e 1950, o Cartola enfrentou uma série de problemas que um homem negro das classes economicamente baixas infelizmente está ainda hoje sujeito a enfrentar no Brasil. Por exemplo, ele não teve nenhum trabalho duradouro que pudesse prover uma subsistência satisfatória a ele.
Com isso, os pesquisadores, os jornalistas, os estudiosos de música popular, num primeiro momento, vincularam a poesia dos sambas do Cartola a uma tradição oral, por assim dizer, espontânea.

Música: “O que é feito de você” (Cartola)
O que é feito de você ó minha mocidade?

Wagner Garcia:
Depois, sobretudo Marilia Barbosa da Silva e Arthur de Oliveira Filho, que escreveram uma biografia do Cartola, eles identificaram na formação inicial do Cartola, até os 11 anos, que ele havia vivido no Palácio do Catete – o avô dele tinha sido levado da cidade de Campos para o Palácio do Catete, por Nilo Peçanha, então senador, depois presidente do país em 1909. E, posteriormente, a família dele vai morar em Laranjeiras.
Então, durante essa época, esse período inicial da formação do Cartola ele frequenta uma excelente escola primária, que vai ser responsável depois pelo Cartola – depois, eu digo assim, ao longo da vida dele – ter um gosto pela poesia romântica. Não a poesia da literatura oral, mas a poesia escrita.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
Para esta edição do Livro Aberto, Garcia separou as 10 canções escolhidas a partir de temáticas.
Vamos chamar o primeiro capítulo de ‘O Morro’, em que estão as composições “Sala de Recepção” e “Alvorada”.

Walter Garcia:
Em relação a ‘Alvorada’ é interessante lembrar a utilização que foi feita dessa canção na trilha do filme ‘Cidade de Deus’. ‘Alvorada’ era escutada como fundo da década de 1960, um período em que na narrativa de ‘Cidade de Deus’ – o filme – era um período em que ainda havia uma certa inocência, por assim dizer, na marginalidade. Isso, obviamente, frente ao que depois vai acontecendo nas décadas subsequentes, segundo a narrativa.
E de fato nessa canção – em ‘Alvorada’ – a gente tem um retrato muito bonito do morro.

Música: “Alvorada” (Carlos Cachaça / Cartola / Hermínio De Carvalho)
Alvorada lá no morro
Que beleza
Ninguém chora
Não há tristeza
Ninguém sente dissabor
O sol colorindo é tão lindo
É tão lindo

Walter Garcia:
É uma imagem do morro como um lugar de plenitude. As pessoas são felizes, pelo menos nesse momento, quando nasce um novo dia. Ainda vinculado inclusive, esse morro, ao Brasil rural, à natureza. ‘Alvorada, quando nasce um novo dia’. O que acorda as pessoas não é o ritmo do trabalho, é o ritmo da natureza.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
No segundo capítulo, o ‘Lirismo Amoroso’ é o tema. Quatro das 10 canções têm base na escola da tradição do romantismo. São elas: ‘Sim’, ‘Cordas de Aço’, ‘Disfarça e Chora’ e aquela que, talvez, seja a composição mais conhecida de Cartola: ‘As Rosas não falam’.

Wagner Garcia:
Num primeiro momento o sujeito, né? O sujeito está sofrendo pelo afastamento da pessoa que ele ama – ‘não queres voltar para mim’. E aí ele se queixa. Pra quem ele se queixa? Ele se queixa às rosas. Ou seja, existe aí uma figura de linguagem que é a personificação.
As rosas deixam de ser simplesmente flores e passam a ser interlocutoras, personagens que vão ouvir a queixa do sujeito da canção.

Música: “As Rosas não falam” (Cartola)
Queixo-me às rosas
Que bobagem as rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai

Walter Garcia:
Quando ele diz ‘as rosas não falam’, aquilo que se anunciava como personificação parece que foi uma pista falsa, que foi descartada. Parece que o sujeito se dá conta não só da literalidade, ou seja, uma rosa é uma rosa (risos) uma rosa é uma flor, ela não escuta. Mas o sujeito se volta para aquilo que é a realidade, a realidade mais imediata – ‘as rosas não falam’.
Mas aí logo a seguir tem a segunda reviravolta, quando ele canta ‘simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti’, porque coloca aquele elemento da natureza, que acabou se tornando um lugar-comum, o perfume de rosas, como secundário em relação ao perfume da mulher amada e um perfume que é roubado pelas flores. Isso é muito bonito!

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
O último capítulo envolve quatro canções que tratam sobre o tempo. Em três delas, o lirismo é usado para evocar a maturidade como fase final da vida: ‘O que é feito de você’, ‘Silêncio de um Cipestre’ e ‘O Inverno do meu Tempo’. A quarta composição deste capítulo que estamos chamando de ‘O Tempo’ é ‘O Mundo é um Moinho’, que utiliza a metáfora para alertar a juventude sobre o que o autor aprendeu ao longo da vida.

Walter Garcia:
O que está subentendido aqui é que o mundo é como um moinho, mas o termo que estabeleceria explicitamente a comparação ele não é dito, então se torna uma metáfora. ‘O mundo é um moinho’…

Música: “O Mundo é um moinho” (Cartola)
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões a pó

Música: “O Mundo é um Moinho” (Cartola), tocada ao violão por Dudda Motta, fica de fundo

Marcelo Abud:
Muitas das canções de Cartola são conhecidas do público jovem por constantes regravações feitas por artistas da MPB. Escutá-las com mais atenção permite que se perceba a riqueza da poesia presente em boa parte da canção brasileira.
Marcelo Abud para o Livro Aberto do Instituto Claro.

 

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