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“Elza: a voz do milênio” é a biografia de Elza Soares destinada ao público infantil. Com texto de Nina Rizzi e desenhos feitos por Edson Ikê, o livro começa com fatos da difícil vida da artista e vai até ela se tornar uma estrela.

“É uma história do povo brasileiro, uma história de música, de alegria que vale a pena ser contada. Eu gostaria que, quando fui criança, tivesse lido mais histórias que representassem o meu mundo”, declara a professora e autora da obra Nina Rizzi.

Ser mulher não é fácil. Preta, então…

Levar a biografia de Elza à sala de aula é uma forma de estimular uma educação antirracista segundo Rizzi.

“Era uma mulher consciente de sua raça, e isso é muito importante (…), você saber quem você é no mundo, saber contra o que você está lutando (…). Quando ela fala que ninguém ia tirar ela de um palco pelo fato de ela ser negra. Então, isso aconteceu muitas vezes, mas ela não deixava de cantar. Ela simplesmente desobedecia, né?”, cita a escritora.

O livro passa por lutos parentais, pela ditadura, pelos relacionamentos conturbados até o sucesso da cantora. Toda essa trajetória permite que as crianças conheçam o contexto político-social do país, desde a infância na favela da Moça Bonita, no Rio de Janeiro da década de 1930, até a morte de Elza em janeiro de 2022.

Além de Nina Rizzi, o podcast conta com o depoimento do ilustrador Edson Ikê, que descreve uma das passagens da biografia: a apresentação de Elza Soares no programa “Calouros em Desfile”, apresentado por Ary Barroso em 1953.

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Transcrição do Áudio

Música: Improviso vocal de Elza Soares, durante programa gravado para a TV Cultura, de 1973, fica de fundo

Nina Rizzi:

A vida dessa mulher que foi e é não só a voz do milênio, mas também uma mulher que se parece com a maioria das mulheres brasileiras: foi faxineira, cresceu numa comunidade muito pobre, que, no entanto, tem uma força assim que deve vir do útero. Criou todos os seus filhos, suas filhas.

É uma história do povo brasileiro, uma história de música, de alegria que vale a pena ser contada.

Eu gostaria que quando fui criança, né, tivesse lido mais histórias que representassem o meu mundo.

Sou Nina Rizzi, professora, escritora, poeta, tradutora, mas antes de tudo isso sou leitora. Por ser uma boa leitora que me tornei tudo o que sou e tudo o que me tornarei também.

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Marcelo Abud:

Elza Soares foi eleita a voz do milênio pela BBC de Londres, na virada do século XX para o século XXI. Mas a batalha para alcançar esse reconhecimento foi longa e repleta de desafios.

Nina Rizzi:

Por exemplo, a própria ditadura, a pobreza, lutos, todas essas situações que são difíceis, mas fazem parte da nossa realidade. Falar disso da maneira mais honesta possível, né, faz com que as crianças não cresçam alienadas. Mesmo crianças que não vivem na pobreza ou crianças que não são negras… faz a gente entender melhor o nosso tempo. Essa leitura, inclusive, quando ela é mediada, compartilhada, também se enriquece muito mais, porque essa mediação pode trazer essas lembranças dos pais, dos professores, abrir um leque de várias outras discussões. Inclusive estudar isso com mais afinco na própria escola.

É muito importante que a gente não trate os assuntos como tabus junto às crianças. Elas estão falando sobre tudo, hoje mais do que nunca, inclusive. Tem assuntos que muitas vezes a gente, adulto, está tateando ainda, como é que a gente fala sobre isso… e as crianças já estão conversando, falando, se entendendo sobre si, sobre o outro, sobre nós em comunidade.

Marcelo Abud:

O livro “Elza – a voz do milênio” começa na era Vargas e acompanha períodos históricos até a morte da cantora em janeiro de 2022.

Nina Rizzi:

São muitos momentos históricos, que uma história individual vai se tornando coletiva, né, muito interessante pensar dessa maneira também. Que a nossa história individual, ela tem reverberação coletiva.

Então contar essa história dentro desse contexto histórico traz esse mirar num espelho assim mais de Oxum que de Narciso, né, no sentido de que a gente está se vendo em comunidade, entendendo como que chegamos até aqui.

Marcelo Abud

Acompanhar a vida de Elza e como ela lutou por justiça é ainda uma maneira lúdica de tratar de educação antirracista na escola.

Nina Rizzi:

E é muito interessante pensar como essa mulher preta, há muitos anos atrás, quando as discussões que hoje – ainda bem, são muito mais comuns, muito mais presentes não só na escola, mas nas redes sociais, nas rodas de conversa. Na época dela não eram discussões que as pessoas queriam ter. E ela tinha, se dizendo negra, chamando o samba de negro, quer dizer era uma mulher consciente de sua raça, e isso é muito importante, né, você saber quem você é no mundo, saber contra o que você está lutando, né, e tem assim passagens muito emocionantes, por exemplo, quando ela fala que ninguém ia tirar ela de um palco pelo fato de ela ser negra. Então, isso aconteceu muitas vezes, mas ela não deixava de cantar. Ela simplesmente desobedecia, né?

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:

A valorização do brincar como forma de aprendizado é um caminho que Rizzi gosta de explorar como autora e também no dia a dia da sala de aula.

Nina Rizzi:

Enquanto professora, enquanto uma pessoa que está na escola de educação infantil há muitos anos, eu observo que as crianças praticamente são iguais – as crianças pequenas, né?

Elas estão livres ainda de preconceitos, estão livre de racismo, de homofobia, elas brincam das mesmas coisas, meninos e meninas estão brincando de boneca, de casinha, de pião, de corre para lá de corre para cá, então pensei em iniciar essa história justamente falando quem era essa criança, a Elzinha.

E aí, Elzinha era uma criança como todas as outras crianças são, uma pessoa que brincava, uma pessoa que mesmo diante das dificuldades brincava. A gente vê isso nas quebradas. As crianças brincando com caixa de papelão, as crianças brincando com terra, não tem muito tempo ruim para criança. Tudo vira brinquedo, que é uma maneira de elas organizarem o mundo.

Isso é muito interessante pensar, né, que as crianças estão organizando o seu mundo, a princípio, através da brincadeira, criando regras de convivência, pensando sobre quem são, sobre quem vão ser. E ela brincava de amarelinha, soltava pipa.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:

A autora Nina Rizzi conta uma história que está no livro. A apresentação de Elza Soares no programa “Calouros em Desfile”, de Ary Barroso, em 1953. Durante a reconstituição deste momento, você vai ouvir a própria Elza em depoimento de janeiro de 2015.

Som de página de livro sendo virada

Nina Rizzi:

Quando chega lá uma menina muito pequena, magrinha, ela foi usando uma roupa da mãe dela, toda presa com alfinetes. As pessoas começaram a rir dela.

Depoimento de Elza ao projeto apis3 play em janeiro de 2015

Mas eu não liguei não, fui andando, fui entrando, fui enfrentando.

Nina Rizzi:

Mesmo criança tinha essa rebeldia. Imagina isso, as pessoas debochando de você, e ao invés de ela se apequenar, isso deu força para ela, a cada risada, um passo mais à frente.

Depoimento de Elza Soares

Aí ele falou assim: ‘Então me responda uma coisa. De que planeta você veio?’, e o auditório rindo cada vez mais forte, né? ‘Do mesmo planeta seu, seu Ary. Planeta Fome!’.

Quem tava rindo muito já se sentou, já ficou calado e eu comecei a cantar.

(Trecho da música “Lama”, de Paulo Marques e Ailce Chaves, lançada em 1952, na voz de Elza Soares)

Se o meu passado foi lama

Hoje quem me difama

Viveu na lama também

Marcelo Abud:

O ilustrador do livro é o artista gráfico e músico Edson Ikê. Aqui, ele faz uma descrição de como esse momento é representado no livro.

Edson Ikê:

Daí tentei imaginar, sobretudo o Rio de Janeiro, calor, então coloquei ali um ventilador, uma plateia que no momento estava extasiada, uns fazendo gestos de reverência a Elza, microfones antigos, lustres, palmas, ambiente de calor. Então eu consegui, tentei ao máximo estar nesse local.

Nina Rizzi:

(interrompendo) Aí, deixa eu comentar algo sobre essa página… tem uma pessoa da plateia que ela – todo mundo tá olhando para Elza, né? –, só que esse cara tá olhando para a gente com uma cara bem malandra, tipo como quem diz assim: ‘Olha como essa mulher é poderosa, fabulosa, fantástica. Esse pessoal que tava aqui rindo até agora pouco não sabe de nada. Ela engoliu a risada de todo mundo com seu canto. Tipo uma Deusa Soares’.

Edson Ikê:

Sim, ele tá observando a reação também da própria plateia assim, né?

Música: Introdução de “Com que roupa?” fica de fundo

Marcelo Abud:

A infância pobre, os vários lutos parentais, os tempos da ditadura militar, os relacionamentos conturbados, o estrelato internacional. A história de Elza Soares para crianças traz o legado dessa ‘voz da resistência’ que representa diversas gerações na luta por um mundo mais justo.

Marcelo Abud para o Livro Aberto, do Instituto Claro.

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