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Jovens da periferia descobrem na arte uma forma de batalhar contra o racismo, a opressão policial, a desigualdade social e toda sorte de preconceitos. Este é o mote do livro “Batalha!”, de Valdir Bernardes Jr. e Tânia Alexandre Martinelli, que é uma das entrevistadas deste podcast.

“A literatura é o melhor caminho de se colocar na vida do outro: trazendo realidades diferentes, fazendo os jovens pensarem, pra gente tentar ser uma sociedade menos preconceituosa”, acredita a coautora, que tem dezenas de títulos voltados para o público juvenil.

Na história, Tati é moradora do bairro de Pirituba, em São Paulo, e está em sua jornada para se tornar poeta, e Henrique e sua turma, no Morro do Horácio, em Florianópolis, promovem batalhas de rap, de dança e, sobretudo, pela vida. O engajamento com a cultura hip-hop e a poesia podem gerar atividades interessantes para a sala de aula, conforme aponta Thiago Braga, professor de língua portuguesa do Sistema de Ensino PH.

“É possível pedir para que os alunos façam uma comparação entre ‘O Bicho’, Manuel Bandeira, e o ‘Tem gente com fome’, de Solano Trindade, e busquem identificar na obra momentos em que trechos desses poemas possam ser enquadrados, encaixados. Em que momento determinado personagem passou por uma situação que pode ter relação com um desses dois poemas?”, sugere.

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Transcrição do Áudio

Música: “T-Rexed” (Audio Hertz) fica de fundo

Thiago Braga:
“Batalha!” é um livro absolutamente interessante, toca em discussões muito importantes da sociedade atual, absolutamente relevante pro desenvolvimento dos alunos: questões de desigualdade, racismo, abuso policial. Então, é de fato um prato cheio pro professor trabalhar em sala de aula.
Eu sou Thiago Braga, professor de língua portuguesa, literatura brasileira e redação e sou autor do Sistema de Ensino pH.

Tânia Alexandre Martinelli:
E a literatura é o melhor caminho de se colocar na vida do outro: trazendo realidades diferentes, fazendo os jovens pensarem ‘ah, essa não é a minha cultura, mas é a do outro’; ‘que legal conhecer a do outro’, pra gente tentar ser uma sociedade menos preconceituosa.
Você se coloca no lugar do personagem e você sente tudo o que está acontecendo. E, ao sentir, você pode modificar, pelo menos o seu pensamento e, modificando o seu pensamento, você modifica o de outras pessoas.
Eu sou a Tânia Alexandre Martinelli, escritora, trabalho com literatura já faz 24 anos, fui professora de português – 18 anos trabalhando com adolescentes. Uma coisa que eu já fazia, que é escrever, comecei a escrever para este público jovem.

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Música: “T-Rexed” (Audio Hertz) fica de fundo

Marcelo Abud:
Tati escreve poesias e é moradora de Pirituba, em São Paulo. Henrique é DJ e vive no Morro do Horácio, em Florianópolis. Além do ambiente da periferia de duas grandes cidades, o que une ambos é o amor pela arte e, claro, as batalhas da adolescência.

Tânia Alexandre Martinelli:
Primeiramente, quando pensamos, né, eu e o Valdir Bernardes Jr., que é o coautor, num livro sobre hip hop, sobre slam, sobre a manifestação cultural periférica, batalha veio na minha cabeça assim automaticamente. Uma por causa das batalhas de rap, batalhas de slam e as nossas batalhas. Principalmente pensando que eu escrevi para um jovem, porque ele está na adolescência, mas ele tem que se preocupar com o seu sustento, com seus pais – muitas vezes, eles trabalham para ajudar os pais. Então são muitas as batalhas. Como eu convivi com muitos adolescentes – convivi 8 anos com alunos moradores de comunidades – então, dificuldades todas eu estava ali.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
Tati tem vergonha de assumir a autoria de suas poesias, por isso usa um nome genérico nas redes sociais. Com o tempo, ganha confiança e, por meio da arte, luta pela equidade racial e de gênero e por uma sociedade livre de preconceitos.

Tânia Alexandre Martinelli:
Com o que ela se identifica realmente é com a poesia do rap, essa poesia marginal que você fala dos seus problemas, dos seus anseios, das suas lutas. Tanto é que a Tati ela acha que ela quer ser cantora de rap, mas a grande inspiração dela é a palavra, não só na música, mas como no slam também.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
O professor e autor de língua portuguesa do Sistema de Ensino pH, Thiago Braga, cita exemplos de como trabalhar o livro com estudantes dos 8º e 9º anos do ensino fundamental ou, então, no ensino médio.

Thiago Braga:
Nas sugestões pedagógicas que a gente analisa e que são distribuídas junto com o livro, pede-se, por exemplo, pra fazer uma leitura do poema “O Bicho”, do Manuel Bandeira, esse poema acaba sendo citado na obra. É um poema que fala sobre a fome.

Poema “O Bicho” (Manuel Bandeira), musicado por Clovis Ribeiro
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Thiago Braga:
E o outro poema do Solano Trindade, que chama “Tem gente com fome”, em que o Solano Trindade apresenta um trem que vem da Baixada Fluminense, lá do Rio de Janeiro, em direção ao centro e ele tem este verso repetido: (como se fosse um trem) tem gente com fome, tem gente com fome.

Música: “Tem Gente com Fome” (Solano Trindade), musicado por João Ricardo e interpretado por Ney Matogrosso
Sai das estações
Quando vai parando
Começa a dizer
Se tem gente com fome
Dá de comer
Se tem gente com fome
Dá de comer
Se tem gente com fome
Dá de comer
Se tem gente com fome
Dá de comer

Thiago Braga:
A gente pode fazer um trabalho com esse livro, analisando esses dois poemas em contrapartida, levando ali em consideração aspectos de um de outro e apontando pontos do livro “Batalha!” em que a gente percebe esses problemas da fome, da desigualdade aparecendo explicitamente. É possível pedir para os alunos ‘façam uma comparação entre “O Bicho” e o “Tem Gente com Fome” e busque identificar na obra momentos em que trechos desses poemas possam ser enquadrados, encaixados – em que momento determinado personagem passou por uma situação que pode ter relação com um desses dois poemas.

Música: “Tem Gente com Fome” (Solano Trindade), musicado por João Ricardo e interpretado por Ney Matogrosso
Mas o freio de ar todo autoritário
Manda o trem calar

Thiago Braga:
Pra fechar a atividade pedagógica, nada melhor do que trabalhar com proposição de solução de problema; pedir que haja uma reflexão na turma sobre como solucionar o problema da fome, da desigualdade, do racismo, problemas que são citados de alguma forma aqui nesses dois poemas. Então é uma maneira de trabalhar o livro, já associando a literatura brasileira… vai ser muito rico e cumpre muitas das competências gerais e habilidades propostas pela Base Nacional Comum Curricular.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
Uma das conexões entre esses dois poemas da década de 1940 e o livro está em um poema que aparece quando Tati está conversando com a melhor amiga, Helô, que escreve em um blog no qual denuncia situações de preconceito e discriminação a que pessoas da comunidade são submetidas diariamente.
Aqui, você ouve a poesia na interpretação da poeta do Slam Taca Fogo, Evellyn Santana, ou, simplesmente, Eve.

Eve:
Ele estava lá, esperando
E ninguém entendeu por que
Nem como tudo aconteceu.
Só a notícia que chegou fria:
Morreu.
A morte enterra o corpo e o sonho;
Os do menino, poucos.
No momento, um lanche
Pago com a correria do trabalho.
Mas nem matou a fome do pirralho.
Só que matança teve!
A mesma que chega pros moleques
Que todo dia arriscam a vida
Feito bichos do mato, ratos.
Será que faz parte do tráfico?
Mas e se não fizer, der errado?
Tudo bem , o policial é afastado.
Os dias seguirão tranquilos
Até que outra bala e mais outra
Encontre mais um moleque
Negro,
Pobre.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
Tânia Alexandre Martinelli vê no estímulo às manifestações artísticas uma forma de aproximar ainda mais a literatura de estudantes.

Tânia Alexandre Martinelli:
Assim como eu precisei, na minha adolescência, dessa espécie de válvula de escape pra colocar o que você pensa sobre o mundo, sobre as injustiças, todo mundo precisa. E muitas vezes é no grito, na poesia, no rap, na música. E acredito que eles gostem, se identifiquem com todas as questões que aparecem no livro.

Música: “T-Rexed” (Audio Hertz) fica de fundo

Marcelo Abud:
O rap, o grafite e o slam são as armas para vencer a batalha por uma sociedade em que a cor da pele, o gênero e a classe social não sejam mais barreiras.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Livro Aberto, do Instituto Claro.

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