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O livro “A geração do quarto: Quando crianças e adolescentes nos ensinam a amar”, de Hugo Monteiro Ferreira, é resultado de pesquisa com mais de 3 mil alunos entre 11 e 18 anos, de cinco capitais brasileiras. Os dados foram coletados em 2017 e 2018, em um período pré-pandemia. Já naquela época, no entanto, o autor buscava entender como estava a condição socioemocional dos jovens e se deparou com uma geração com sofrimentos e angústias, saindo pouco de casa e interagindo pelas redes sociais.

Comunicação por telas

“É uma geração que se comunica pouco na face a face, mas se comunica muito através da internet e é ao mesmo tempo também uma geração que marca o seu sofrimento no corpo”, sintetiza o autor, que é professor e coordenador do Núcleo do Cuidado Humano e do Grupo de Estudos de Transdisciplinaridade da Infância e da Juventude da Universidade Federal Rural de Pernambuco (GETIJ/UFRPE). “A pandemia não criou o adoecimento socioemocional e mental dos adolescentes. Ela intensificou aquilo que nós já sabíamos e que de algum modo negligenciávamos”, pondera.

Na entrevista para o Instituto Claro, Ferreira aponta que a escola deve dar atenção a habilidades socioemocionais e discorre sobre cinco pilares que estão na obra e podem diminuir o sofrimento e, ao mesmo tempo, valorizar a potência dessa geração: autocuidado/cuidado, autoconhecimento, convivência, diálogo e amorosidade.

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Transcrição do Áudio

Música: Música instrumental de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Hugo Monteiro Ferreira:
É uma geração que se comunica pouco na face a face (usando a palavra), mas se comunica muito através das redes sociais digitais e é ao mesmo tempo também uma geração que marca o seu sofrimento no corpo; uma geração que se inscreve no corpo. Você tem um corpo, da Geração do Quarto, também machucado pra poder dizer que existe.
Então eu acho que essa é a principal característica: o isolamento, o silenciamento, na face a face; o uso excessivo das redes sociais digitais (o uso excessivo da internet) e, ao mesmo tempo, o corpo como uma forma de comunicação.
Meu nome é Hugo Monteiro Ferreira, pesquisador, escritor, terapeuta; investigo sofrimentos psíquicos de crianças e adolescentes. Sou professor na Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Vinheta: Livro Aberto – obras e autores que fazem história

Música instrumental de Reynaldo Bessa fica de fundo

Marcelo Abud:
Hugo Monteiro Ferreira é autor do livro “A geração do quarto: Quando crianças e adolescentes nos ensinam a amar”. A obra trata de questões fundamentais para se pensar a saúde mental e emocional da adolescência e é resultado de pesquisa com mais de 3 mil alunas e alunos entre 11 e 18 anos de idade. Neste áudio, o autor apresenta resultados do estudo e algumas formas da escola lidar melhor com essa geração.

Hugo Monteiro Ferreira:
Essa pesquisa começou a ser desenhada em 2016. Ela foi executada entre 2017 e 2018 e os dados foram analisados em 2019. Então foi pré-pandemia. Mas a pandemia ela não criou o adoecimento socioemocional, o adoecimento mental de meninas e meninos. Ela intensificou aquilo que nós já sabíamos e que de algum modo fomos negligentes com isso, né (ainda somos), com o adoecimento mental de crianças e adolescentes.

Música: “Zumbi” (Wander Taffo), com Rádio-Táxi
Eu já não tenho controle sobre a minha mente
Eu ando meio cansado, eu ando mesmo doente

Hugo Monteiro Ferreira:
Depois que eu li as respostas apresentadas nas questões que eu ofereci no questionário, dentro desse universo (3.115), eu identifiquei que havia um perfil da Geração do Quarto, mas com características muito específicas de sofrimento. A que perfil eu cheguei? Pessoas que sofreram bullying, cyberbullying, que têm o comportamento autodestrutivo (nominadamente autolesão sem intenção suicida, ideação suicida ou tentativa de suicídio) e que variaram entre 11 e 18 anos.
Então há uma predominância entre os 15 e os 18 anos. É você vai encontrar o maior período de sofrimento no quarto (entre os 15 e os 18 anos). Você tem, portanto, uma situação bastante significativa do adoecimento socioemocional.

Som de página de livro sendo virada

Música de Reynaldo Bessa fica de fundo, durante leitura de trecho do livro

Hugo Monteiro Ferreira:
“A Geração do Quarto, segundo dados coletados em cinco Estados brasileiros (Pernambuco, Rio Grande do Norte, Alagoas, Rio de Janeiro e Minas Gerais) é aquela que passa cerca de seis horas por dia, quando não está em atividades fora de casa, dentro dos quartos, e que apresenta comportamentos adoecidos, perigosos e frágeis emocional e mentalmente.
A geração diz: ‘De boa, passo muito tempo da minha vida no quarto, tá ligado? É um canto só meu. No quarto, já fui de tudo. Também já pensei em fazer besteira, tá ligado?’ (L.,14a, Recife)
‘Fico mais tempo do que no resto da casa. Só saio pra comer, saca? Tem dia que nem pra comer. Ninguém me pergunta nada. Só ficaram mais preocupados, minha mãe e meu pai, quando a professora falou que me cortei.’ (C.,17a, Belo Horizonte).

Som de página de livro sendo virada

Hugo Monteiro Ferreira:
Se eu olho a questão exclusivamente por meio de notas, de boletins, a Geração do Quarto ela passa batida por mim, parece que está tudo bem, que eles estão quietos, dentro do quarto, vivendo o mundo dele, de isolamento, p orque também nós sempre acreditamos que a adolescência é um período de isolamento. Então, quando está dentro do quarto, não tem problema nenhum!; o problema está na rua, o problema está fora dos meus olhos. Então eu olho para o boletim e olho para o comportamento. Se não está fora de casa, está dentro de casa; se está dentro de casa, está tudo cuidado.
Mas o que eu identifico é que a Geração do Quarto apresenta problemas socioemocionais, mas não apresenta problemas, necessariamente, nas notas. Ou seja, ela não apresenta problemas cognitivos. Agora, a questão central é: eu quero pessoas que tenham notas azuis, mas que estejam entristecidas a ponto de pensarem em se matar? Ou eu quero pessoas que tenham notas azuis e que estejam felizes? Essa é a questão. Então a Geração do Quarto ela não tem boletim vermelho, como se pressupõe. A Geração do Quarto ela tem boletim azul.

Som de página de livro sendo virada

Música de Reynaldo Bessa fica de fundo

Hugo Monteiro Ferreira:
A palavra “quarto”, neste livro, pode ser substituída pela palavra “adoecimento” ou, como quer Nasio, por “comportamento perigoso”.
‘Quando eu me corto no braço, quero colocar no braço essa angústia foda que tenho aqui. Aqui dentro de mim.’ (B., 16 anos, Rio de Janeiro)

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
O professor avalia que os sentimentos foram e ainda são negligenciados pela escola. Em seguida, apresenta cinco pilares para reverter esse quadro, a partir da valorização de habilidades socioemocionais.

Hugo Monteiro Ferreira:
As emoções não entravam nos processos de aprendizagem. Isso foi um problema que a escola, sobretudo aquela que finalizou ali o século 19 (a chamada escola burguesa), e ainda continua no século 21, uma escola que prioriza a cognição. Ela põe em segundo plano as emoções. O que a escola então pode fazer pra reverter isso?
No meu livro “A Geração do Quarto”, eu proponho cinco pilares que podem ser usados na escola. Eu me refiro ao cuidado e autocuidado. Se autocuidar é fundamental! O autocuidado tem a ver com a questão da autoestima, de você poder trabalhar as suas próprias fragilidades, os seus próprios medos, as suas próprias inquietações. Então o autocuidado tem muito a ver com isso, né, você perceber: ‘eu tomo água bem?’; ‘eu como bem?’; ‘eu faço exercício físico?’; ‘eu durmo bem?’; ‘eu tenho bons amigos, boas colegas?’; ‘eu me relaciono bem com as pessoas?’. Isso é autocuidado! E o cuidado, que é o cuidado também com o outro, né? Se eu cuido de mim, eu quero que o outro esteja bem também.

Marcelo Abud:
O segundo pilar é o autoconhecimento.

Hugo Monteiro Ferreira:
Quem eu sou? De onde eu vim? Qual é a minha história, a minha ancestralidade? Quais são as minhas matrizes étnicas? Quais são as minhas matrizes ideológicas? O que é que pensava o meu avô, o que pensava a minha vó? O que pensa o meu pai, o que pensa a minha mãe sobre temas que têm a ver comigo? Então o autoconhecimento é fundamental, eu me conhecer como pessoa, como cidadão, como cidadã na sociedade.

Marcelo Abud:
O terceiro pilar que a escola deve trabalhar envolve as questões de convivência.

Hugo Monteiro Ferreira:
O respeito a alteridade. Como respeitar aquilo que é diferente de mim, que não se parece comigo, que não é espelho? Então eu preciso trabalhar as diferenças, eu preciso trabalhar as pluralidades culturais, linguísticas, econômicas e sociais, de orientação sexual, de gênero – convivência.
Quarto pilar: diálogo. Tem a ver com a escuta. Eu preciso trabalhar como é que se ouve sem julgar, sem condenar, sem comparar, sem violentar, como é que se escuta isso? E, ao mesmo tempo, como é que eu falo sem violência. A Comunicação não-violenta é fundamental no diálogo.
E por último, amorosidade. Amorosidade é um outro pilar. Nele, eu focalizo quatro grandes emoções: compaixão, empatia, perdão e a emoção da gratidão. São quatro emoções que podem mudar o movimento pedagógico de qualquer escola e podem mudar a minha maneira de lidar com a vida.
Então, eu defendo que esses cinco pilares sejam desenvolvidos também pela família, mas eu acho que na escola eles têm muita possibilidade de serem feitos através de mecanismos que a escola já conhece tão bem.

Música: “Alucinação” (Belchior), com Engenheiro do Hawaii
Amar e mudar as coisas me interessa mais
Minha alucinação é suportar o dia a dia
Meu delírio é experiência com coisas reais

Som de página de livro sendo virada

Hugo Monteiro Ferreira:
A geração que é, ao mesmo tempo, fragilizada emocionalmente; é a geração que consegue sair à rua para causas humanitárias. É uma geração que não consome de qualquer modo (pra consumir, a marca precisa ter alguma relação com responsabilidade social). É uma geração preocupada com pluralidade étnica; é uma geração que tem uma relação com a sua orientação sexual muito mais ampla e aberta do que, por exemplo, a minha geração. É uma geração que tem, portanto, um caminho muito explícito pra tratar sobre as próprias emoções: ela pede mais ajuda; ela diz mais que sofre; ela fala mais, mesmo que seja com o corpo, das suas dores.
Então me parece uma geração mais genuína, uma geração mais verdadeira. Uma geração mais potente que pode nos indicar um caminho de revisão do que nós construímos como escola e como família e como sociedade de um modo geral.

Música instrumental de Reynaldo Bessa fica de fundo

Marcelo Abud:
Hugo Monteiro Ferreira acredita que se a família e, sobretudo, a escola valorizarem as habilidades socioemocionais de adolescentes, a sociedade vai se deparar com uma geração potente. Como traz no subtítulo do livro, são crianças e adolescentes capazes de nos ensinar a amar.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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