Com a pandemia de covid-19, os docentes enfrentam uma série de desafios. No caso da educação física, é preciso buscar recursos para manter a motivação nas aulas. Nesse cenário, a gamificação e modalidades do atletismo, com ênfase na corrida, mostram-se formas de adaptação à realidade de professores e suas turmas, segundo pesquisadores do departamento de Mídia e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
“Na plataforma gamificada, você perde ponto se não respeita as regras. E uma coisa importantíssima sobre o esporte é que ele nos ensina a perder”, defende o coordenador do curso de doutorado na área Marcos Américo. “Essa questão de [os alunos] praticarem atividade de corrida na escola já está até acontecendo. Eles já estão optando mesmo por atividades que não têm contato físico”, completa o recém-formado doutor em Mídia e Tecnologia pela Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp Fernando Chade.
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Com a proximidade das Olimpíadas, aumenta o interesse por outros esportes também no ambiente das aulas. A corrida se torna uma maneira de colocar foco no atletismo. “Ela não demanda nenhum equipamento específico. Outras modalidades esportivas, por exemplo, se você trabalhar com o lançamento do dardo, eu vou ter que ter o dardo; se eu vou trabalhar natação, eu preciso da piscina”, observa Américo.
Gamificação simples
O professor explica também que a gamificação não exige necessariamente tecnologias sofisticadas, já que se trata da utilização de estratégias dos videogames em atividades fora do virtual, com ferramentas que estão ao alcance de todos. “Papel, caneta, cartão, peças de jogos de tabuleiro, ou criando alguns troféus que você pode dar para a pessoa”, explica.
Em sua pesquisa de doutorado, Fernando Chade desenvolveu uma plataforma sobre atletismo e aplicou em duas escolas de Araçatuba, interior de São Paulo, com estudantes do 5º ano do ensino fundamental. “As crianças, inicialmente, relacionavam muito o atletismo com algumas brincadeiras infantis. O conhecimento digital que a plataforma proporcionou a esses alunos trouxe conceitos mais técnicos das modalidades, do esporte. Então, houve, realmente, um ganho nesse conhecimento sobre o esporte”, aponta.
Chade considera importante trazer exemplos de atletas brasileiros que se destacaram na modalidade, como é o caso de Joaquim Cruz, que, em 1984, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, conquistou seu primeiro ouro na corrida de 800 metros. “Então é uma forma, pelo menos, de tentar incentivar esse tipo de atividade física, que é uma base fundamental também para a maioria das atividades físicas. Grande parte dos esportes demandam ter o preparo e a resistência pra corrida”, conclui Marcos Américo.
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Música “Survive the montage”, com RKVC, fica de fundo
Marcos Américo:
O jogo, na verdade, ele é composto de regras. Quem não respeita as regras, não pode jogar. Então ele tem esse caráter pedagógico muito importante. E na plataforma gamificada se você não respeita as regras você pode perder ponto. E uma coisa importantíssima que eu acho do esporte é que ensina a gente a perder.
Marcos Américo, todo mundo me conhece como Tuca Américo, doutorado em educação pra ciência, pós-doutorado na Argentina e sou coordenador do curso de doutorado em Mídia e Tecnologia da Unesp.
Fernando Chade:
Acho que essa questão de eles praticarem atividade de corrida na escola já está até acontecendo, viu. Eles já estão optando mesmo por atividades que não têm contato físico, né?
Meu nome é Fernando Chade, eu me formei em design, desenho industrial; fiz o mestrado, né, finalizei o meu doutorado no ano passado na área de Mídia e Tecnologia pela Unesp.
Vinheta: Instituto Claro – Educação
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo
Marcelo Abud:
Com as atividades escolares ainda restritas ou acontecendo de forma “híbrida”, manter a motivação de estudantes é um desafio. Nesse sentido, a gamificação pode se tornar uma aliada importante.
Marcos Américo:
A gamificação é nada além do que você utilizar estratégias dos videogames e atividades que não são jogos; estratégias educativas pra motivação em sala de aula e outra atividade qualquer. Existe, por exemplo, um aplicativo na Espanha, que ele vai fazer um relatório da sua vizinhança para ver quem consegue economizar mais energia elétrica. Quem economiza vai ganhando pontuação. Então a gamificação é a utilização de estratégias dos jogos, dos vídeogames, em situações de não game. E o que a gente nota é que é uma forma bem importante de motivar os alunos, né, pra trazer os conteúdos que eles acham um pouco mais complicados, ou do ponto de vista deles mais chatos… Então é um jeito de você animar um pouco a aula. Nunca vai ser uma estratégia pedagógica baseada exclusivamente na gamificação, mas como suporte, uma ajuda quando necessária.
Marcelo Abud:
Quando se pensa em gamificação, normalmente se imagina que é necessário utilizar tecnologias às quais nem todos têm acesso. No entanto, o professor explica que é possível criar atividades com ferramentas que estão ao alcance de todos.
Marcos Américo:
Papel, caneta, cartão, peças de jogos de tabuleiro, ou criando alguns troféus que você pode dar pra pessoa, mas apenas uma estratégia de motivação. Tem aí algumas críticas, porque em alguma situação pode ser usada de forma inadequada, mas pra uma juventude que já não é tão jovem assim, participantes da “gamecultura” – a gente já tem aí pessoas na faixa de 40 e 50 anos que foram criadas nessa nova realidade do entretenimento baseado nos jogos – então não é uma coisa só de jovens também.
Música: “Chariots of Fire”, Vangelis
Marcelo Abud:
Sob orientação de Marcos Américo, Fernando Chade desenvolveu a plataforma gamificada “Atletismo na Escola”. A corrida foi escolhida por ser uma atividade física democrática, que, inclusive, pode ser estimulada em aulas de educação física fora da escola.
Marcos Américo:
Ela não demanda nenhum equipamento específico. Outras modalidades esportivas vão pensar, por exemplo, se você trabalhar com o lançamento do dardo, eu vou ter que ter o dardo; se eu vou trabalhar natação, eu preciso da piscina. Pra poder atender de forma mais ampla e ser um aplicativo que possa ser testado, eu acho que a corrida se apresentou uma modalidade esportiva mais tranquila de poder se trabalhar. Eu posso correr em volta do quarteirão, eu ter um parque onde eu posso fazer a atividade física junto com os alunos e desenvolver essas atividades de forma a não necessitar de tanta estrutura física e nem tanta tecnologia assim.
Fernando Chade:
A gente percebeu, nas duas escolas onde foi aplicada a pesquisa, que as crianças ficaram tão motivadas quanto fosse um esporte, por exemplo, futebol ou um esporte que estivesse muito na mídia. Já a gamificação trouxe o interesse pelo próprio esporte, que era o grande objetivo. A plataforma serve também pra isso, pra mostrar os diversos atletas que já passaram pelo Brasil na modalidade de atletismo; isso tudo que pode contribuir aí para o conhecimento do atletismo na escola.
Osmar Santos narra conquista de Joaquim Cruz nas Olimpíadas de 84 (TV Globo)
“… perto da medalha de ouro.
Olha a emoção que toma conta do Coliseum por parte do Brasil. Vamos ouvir o hino nacional! Vamos ver a bandeira brasileira…
Medalha de ouro para Joaquim Cruz!!!”
Marcelo Abud:
Em ano olímpico, o interesse pelo atletismo cresce. Conhecer histórias como a de Joaquim Cruz é um estímulo a mais para essa prática esportiva. O brasiliense que conquistou a medalha de ouro nos 800 metros nos Jogos de Los Angeles, em 1984, é inclusive um dos embaixadores dos Jogos Escolares Brasileiros, previstos para acontecerem no fim deste ano.
Marcos Américo:
Então é uma forma, pelo menos, de tentar incentivar esse tipo de atividade física, que é uma base fundamental também pra todas, para a maioria das atividades físicas, né? Grande parte dos esportes demandam ter o preparo e a resistência pra corrida. Ou o próprio professor, uma vez que a plataforma é aberta, né, a criar atividades, ele pode também desenvolver os conteúdos pra outras modalidades, outras atividades físicas ou de recreação que ele desejar. Porque a parte de recreação também faz parte das atividades de educação física.
Marcelo Abud:
Fernando Chade explica que a gamificação envolve tanto a prática esportiva quanto a teoria em torno dela.
Fernando Chade:
Um exemplo: um aluno que não se saiu muito bem na prova prática, ele pode se sair bem na prova teórica e vice e versa. Então esse ranking é alterado em função dessas duas vertentes, tanto a prova prática quanto a prova teórica.
Marcos Américo:
Então você tem o professor que vai adicionar os alunos na plataforma e lá ele vai colocar, por exemplo, os recordes dos alunos, o ranking… Essa preocupação do esporte de performance também está meio perdida. Então a gente não consegue de certa forma hoje nem motivar o aluno para a atividade física em si, pra que ele tenha uma vida mais saudável e melhorando aspectos relacionados ao seu preparo físico – flexibilidade, resistência e tudo o mais – e também tirando a criança do sedentarismo, mas eu acho que existe pouca preocupação hoje também em identificar futuros atletas e também é uma preocupação do nosso aplicativo, né?
Música: “Corre-Corre” (Rita Lee)
Corre-corre-corre
Corre-corre-corre
Marcelo Abud:
Chade aponta os resultados que a gamificação atrelada ao atletismo trouxe nas duas escolas de Araçatuba, município do interior do Estado de São Paulo. A pesquisa foi desenvolvida com estudantes do 5º ano do ensino fundamental.
Fernando Chade:
As crianças, inicialmente, relacionavam muito o atletismo com algumas brincadeiras infantis… O conhecimento digital, ali, que a plataforma proporcionou a esses alunos trouxe conceitos mais técnicos das modalidades, do esporte. Então houve, realmente, um ganho aí nesse conhecimento sobre o esporte.
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo
Marcelo Abud:
A gamificação contribui como suporte metodológico aos professores. A corrida se mostra uma alternativa para o ensino de conceitos ligados a esportes olímpicos, no ambiente escolar ou mesmo em aulas remotas.
Esse episódio utilizou áudio de Osmar Santos em transmissão das Olimpíadas pela Rede Globo.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.